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Jogos como um Serviço: o "mojo" está acabando

Público foge de Jogos como um Serviço como o diabo da cruz; estúdios encheram mercado de games medianos atochados de monetização

13/02/2024 às 9:30

Tendências de mercado vem e vão, e ao que tudo indica, a onda dos Jogos como um Serviço (Games as a Service, ou GaaS) está passando. A simples menção da frase, atrelada a um novo título, vem gerando respostas negativas do público, principalmente porque estúdios foram com muita sede ao pote do plano de negócios de títulos como Fortnite, implementando o formato em busca de dinheiro fácil.

A empolgação do público com Suicide Squad: Kill the Justice League evaporou, ao ser revelado um Jogo como um Serviço (Crédito: Divulgação/Rocksteady Studios/Warner Bros. Games)

A empolgação do público com Suicide Squad: Kill the Justice League evaporou, ao ser revelado um Jogo como um Serviço (Crédito: Divulgação/Rocksteady Studios/Warner Bros. Games)

O problema, a qualidade dos games vem sendo sacrificada em prol da monetização constante, seja em novos lançamentos fracos de franquias, ou em um mau aproveitamento de estúdios e desenvolvedores, conhecidos por experiências anteriores memoráveis.

Jogos como um Serviço e a repulsa do público

Quando a Epic Games decidiu lançar a porção Battle Royale de Fortnite em 2017, uma experiência F2P com microtransações, para salvar o título full-price originalmente cooperativo (hoje o modo Salve o Mundo), nem ela imaginava o estouro que o game se tornaria, hoje um dos mais lucrativos do mercado, com receita total de US$ 20 bilhões, desde o lançamento original (dados de novembro de 2023, via fontes extraoficiais).

O formato de monetização de Fortnite não era inédito, mas o game cativou o público, que se sentiu mais do que disposto a gastar cifras enormes em busca dos itens exclusivos dos Passes de Batalha, ou os individuais na lojinha do game, ainda mais com a premissa de ser um hub para todas as franquias conhecidas, mais ou menos como o OASIS de Jogador N.º 1.

Claro, o sucesso de Fortnite acendeu os alarmes dos demais estúdios de games, de pequenos e grandes às gigantescas corporações, pela possibilidade de que investir em experiências single-player e vendas únicas não era mais tão interessante, do ponto de vista de negócios. Cativar o jogador para que ele se sentisse compelido a jogar um game, gratuito ou não, e continuasse gastando com microtransações diversas constantemente, passou a ser a norma.

A ascensão dos Jogos como um Serviço não foi um movimento isolado, ele faz parte de uma tendência da indústria tech, de migrar o formato de venda única para a manutenção de serviços baseados em planos de assinaturas, e como dissemos, o formato em games não é inédito, basta ver que este é o plano de negócios de MMORPGs há muitos anos no mercado, como World of Warcraft, e os Final Fantasies XI e XIV.

Veja bem, um GaaS não precisa ser exclusivamente gratuito, como os acima não o são, assim como DOOM Eternal e Diablo IV, no que estes contam com uma das características de Fortnite, o Passe de Batalha. O formato de F2P é normalmente atrelado aos jogos mobile, com os gacha games sendo os representantes mais populares, e lucrativos.

Porém, o interesse do público em uma tendência de mídia é cíclico. Veja o cinema, que por décadas consumiu filmes de faroeste, para passar a rejeitá-los, trocando-os por aventuras policiais e de espionagem, depois comédias adolescentes com innuendos sexuais, de ação desenfreada, estrelados por Stallone, Schwarzenegger e cia., e hoje o gênero dos super-heróis das HQs, que também não estão agradando muito mais.

Com jogos não é diferente, passada a novidade, os gamers voltarão sua atenção a gêneros mais seguros e familiares, como experiências single player ou competitivos clássicos, como os de luta. Estúdios mais dedicados buscam rever suas experiências, para manter o interesse dos jogadores.

Fortnite também teve que se reinventar, para atrair um público maior (Crédito: Divulgação/Epic Games)

Fortnite também teve que se reinventar, para atrair um público maior (Crédito: Divulgação/Epic Games)

Fortnite mesmo não foi exceção, muita gente não chegava perto dele por não suportar o gênero Battle Royale. A solução? Adicionar mais modos, como Rocket Racing, spin-off de Rocket League, desenvolvido também pela Psyonix, o musical Fortnite Festival, da Harmonix (franquia Rock Band), e LEGO Fortnite, este para bater de frente com Minecraft.

Eu conheço gente que não encosta o dedo na porção Battle Royale, mas está se divertindo muito com Fortnite Festival, Rocket League e LEGO Fortnite, e até mesmo adquiriram a porção que inclui o modo legado Salve o Mundo, que continua premium, cada um com seus conteúdos monetizáveis.

Claro, estúdios mais comprometidos com o conteúdo terão uma melhor recepção por parte do público, mas o que acontece quando as desenvolvedoras apelam para a monetização contínua apenas pelo "vamos faturar?" Se olharmos apenas para jogos F2P, há uma infinidade deles que vêm e vão, em consoles e mobile, encerrados tão logo o investimento não se justifique, ou o estúdio perca o interesse.

Dá para citar casos recentes, como a Nintendo e a Square Enix decidindo por fechar os gacha games Dragalia Lost e NieR:Re[in]carnation respectivamente, sendo que o enredo do segundo é relevante para a cronologia da franquia NieR, e que em breve, não poderá mais ser jogado, apenas assistido em vídeos legados.

No entanto, jogos com preços cheios também não escapam, e é aqui que as coisas degringolam, pois o público não aceita muito bem a ideia de pagar pelo preço premium E ser compelido a continuar gastando, e se a experiência for menos que o ideal, a reação será a pior possível. Principalmente se o estúdio encarregado de um Jogo como um Serviço é mais conhecido pelas experiências single player.

Os dois exemplos mais recentes são Marvel's Avengers, da Crystal Dynamics (dos dois primeiros remakes de Tomb Raider; Shadow ficou a cargo da Eidos Montreal), e o recém-lançado Suicide Squad: Kill the Justice League, desenvolvido pela Rocksteady Studios e o 4.º capítulo da franquia Arkham, o que muitos tomaram como ofensa pessoal, principalmente pela forma que o game lidou com o Batman (sem spoilers), o mesmo personagem que controlamos nos três games single player anteriores.

A maioria do público não aceitou que uma série, que se tornou famosa por focar a narrativa em uma aventura para um jogador, "evoluiu" para um looter shooter com movimentação e combates genéricos, em um ambiente nada interessante. Claro, a Rocksteady é a menos culpada da história, o estúdio foi incumbido pela Warner para continuar a série Arkham, valendo-se do prestígio da franquia, mas desta vez focando no GaaS.

Ao mesmo tempo, mudanças de escopo em games também são mal recebidas. Overwatch 2, por exemplo, migrou do formato de preço cheio para F2P com todas as características do gênero, de lojinha de cosméticos ao Passe de Batalha, mas o que irritou os jogadores foi a quebra de promessas feitas antes, que envolviam os modos PvE e progressão de personagens.

A conversão de Overwatch 2 em GaaS, às custas de promessas antigas, irritou boa parte da base de jogadores (Crédito: Reprodução/Blizzard Entertainment)

A conversão de Overwatch 2 em GaaS, às custas de promessas antigas, irritou boa parte da base de jogadores (Crédito: Reprodução/Blizzard Entertainment)

A Activision impôs à Blizzard o mesmo regime dos seus demais estúdios, que é "mais jogos, mais rápido, e gastando menos", e não mais haveria maluquices como equipes trabalhando 10 anos em uma demo. Com o objetivo voltado ao lucro sobre a qualidade, o PvP e a monetização se tornaram prioridade, às custas de um jogo melhor polido, como o primeiro foi.

O resultado é o que se vê agora, com o público votando da única forma que os estúdios entendem, com a carteira. As vendas de Suicide Squad: Kill the justice League não são das melhores, sejam físicas ou digitais (o número de jogadores ativos no Steam é baixíssimo), e Overwatch 2 foi espinafrado pelos gamers.

O fiasco de Marvel's Avengers, totalmente remodelado antes de ser removido das lojas digitais, foi outro exemplo de que os consumidores não estão mais dispostos a investir no formato Jogos como um Serviço. De fato, a mera revelação de que a aventura de Arlequina e cia. contra uma Liga da Justiça do Mal seria um GaaS matou o hype pelo título, quase que instantaneamente.

Daqui para a frente, estúdios que insistirem nos Jogos como um Serviço terão que justificar ao jogador que seu tempo, e dinheiro, valem ser investidos em seus lançamentos, mas, ao mesmo tempo, eles já estejam de olho no próximo trend do mercado para canibalizar, deixando o formato para quem se estabeleceu de forma sólida, como Fortnite, Apex Legends, League of Legends e outros.

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