Ronaldo Gogoni 27/09/2024 às 17:20
Agatha Desde Sempre é a última produção original da Marvel Studios em 2024, fechando um ano magro de lançamentos, que antes dela teve apenas Echo e Deadpool & Wolverine. A puxada violenta no freio de mão do MCU se deu graças aos números baixos de audiência, e críticas ferozes aos filmes e séries mais recentes.
A superexposição dos heróis da Marvel e da DC levou a criações feitas a toque de caixa e de baixa qualidade, o que também afetou a LucasFilm e a franquia Star Wars; como consequência, o público estaria enjoado e indo atrás de outros gêneros.
Esse desinteresse do espectador é cíclico, aconteceu com os faroestes, com os filmes e séries policiais, com os action heroes, e agora afeta os heróis e vilões das HQs; Holllywood já teria inclusive eleito o próximo subgênero a ser ordenhado, os videogames.
Tá, mas e a série? Então, Agatha Desde Sempre se apoia completamente na personagem de Kathryn Hahn que roubou a cena em WandaVision, a supostamente vizinha enxerida que se revela como uma das mais poderosas, e antigas, feiticeiras do Universo Marvel. Só que isso ficou no passado, e Agatha Harkness será forçada a fazer uma perigosa jornada para recuperar os poderes que lhe foram tirados.
Criada por Stan Lee e Jack Kirby, Agatha Harkness surgiu pela primeira vez nas páginas de Fantastic Four Vol.1 #97 (out/1969), como uma babá contratada por Reed e Sue Richards para cuidar de seu filho, Franklin. O Quarteto Fantástico resolve pernoitar em sua mansão, onde o Quarteto Terrível (Mago, Homem-Areia, Ardiloso e Medusa) a invade e prende os heróis, apenas para serem rechaçados pela anfitriã, revelada como uma poderosa bruxa, e seu familiar, o gato preto Ébano, que é capaz de se transformar em uma fera enorme.
O mais curioso é que nem o Quarteto tinha ideia da verdadeira identidade de Agatha, mas mesmo assim ela ficou com o emprego, afinal, quem melhor para proteger o filho de uma família de heróis aventureiros, do que alguém com poderes?
O passado de Agatha Harkness foi sendo escrito aos poucos, por vários autores. Ela estaria viva desde antes de Atlântida afundar no oceano, por volta de 20.000 AEC, e fez parte do grupo de bruxas pegas nos julgamentos de Salém, um processo movido por pura histeria puritana, que culminou com dezenas de mortos entre 1692 e 1693, nos Estados Unidos.
Agatha também atuou ao lado dos Aliados durante a Segunda Guerra Mundial, e é membro de um grupo secreto de mulheres que lutam pela liberdade através da História. Ela teve um filho, Nicholas Scratch, que também é um poderoso feiticeiro e vilão, mas sua mãe não é malvada, mas também não é uma pessoa exatamente boa.
Na Era Moderna da Marvel, além de babá de Franklin Richards, Agatha foi tutora de Wanda Maximoff, a Feiticeira Escarlate, e ensinou para a vingadora tudo o que ela sabe sobre magia, um ato que se voltou contra ela própria mais de uma vez, principalmente depois que ela descobriu que sua mestra havia apagado a memória de seus filhos, que eram, na verdade, fragmentos de Mefisto.
E como todo personagem de quadrinhos, a feiticeira já morreu mais de uma vez, mas melhorou, no que morte e ressurreição é para ela um inconveniente momentâneo, que "toma tempo demais".
Em termos de poder, Agatha Harkness é uma das feiticeiras mais poderosas do Universo Marvel, e a mais experiente, tendo acumulado milênios de conhecimento nas artes místicas. Em capacidades arcanas é superada por poucos, que incluem o Doutor Estranho, Dormammu e a Wandinha, que já a matou uma vez. Ela deu trabalho até para Mefisto.
Por outro lado, Agatha não tem nenhuma experiência em combate corpo a corpo, se for impedida de lançar feitiços (por exemplo, imobilizada ou com as mãos atadas), ela ficará completamente indefesa. Claro, o problema é conseguir fazer isso.
Agatha Desde Sempre (um ótimo nome tirado da excelente música, que ganhou um Emmy, aliás) se passa três anos após WandaVision, no que Agatha (Hahn) ficou esse tempo todo presa sob o feitiço que Wanda jogou nela, sendo forçada a viver várias vidas falsas, de personagens de séries de TV. O primeiro capítulo começa em uma dessas tramas, com "Agnes" como uma policial, investigando um caso de homicídio onde nada se encaixa. Você sabe que aquilo é outra ficção, os "coadjuvantes" de Westview reaparecem, mas em outros papéis.
Nisso surgem Rio Vidal (Aubrey Plaza, a Julie Powers de Scott Pilgrim Contra o Mundo), a quem ela odeia, mas não se lembra por que, e um jovem misterioso (Joe Locke), que invade sua casa em busca de algo. Ambos começam a futucar a mente de "Agnes", até Agatha quebrar o feitiço e recuperar a sanidade.
Rio, que também é uma bruxa, quer Agatha morta, mas prefere deixar um aviso: as Sete de Salém, um grupo de feiticeiras bem poderosas, virão atrás dela em um dia, e como ela agora não tem poder nenhum, isso significa morte certa. Já o "Jovem" (todo mundo chama ele assim) quer que Agatha o leve até o Caminho das Bruxas, um plano de peregrinação que concede poderes aos praticantes das artes místicas, por um preço.
Agatha não tem muita escolha, e vê no Caminho uma chance de recuperar seus poderes perdidos, mas para isso ela terá que reunir outras quatro bruxas, que incluem Jennifer Kale (Sasheer Zamata), uma criadora de poções punida e que também não tem poderes, Lilia Calderu (Patti LuPone), uma clarividente perseguida no passado por fazer previsões precisas demais (basicamente uma Agnes Nutter), e Alice Wu-Gulliver (Ali Ahn), filha de uma bruxa (e estrela do Rock) que sumiu, que possui poderes de proteção.
A última membro é Sharon Davis (Debra Jo Rupp), a "sra. Hart" de WandaVision, supostamente uma "bruxa verde" (não aquela, mas vai saber), ligada aos poderes da terra... que nunca nem soube disso, e é o maior peixe fora d'água do grupo. Excluindo ela e incluindo Rio Vidal, que também se unirá à patota, nenhuma das outras bruxas vai com a cara de Agatha, conhecida entre suas pares como uma viciada em poder, que teria trocado o próprio filho pelo Darkhold, o livro de artes das trevas que Wanda afanou, e fez o diabo com ele.
Todas as bruxas têm um objetivo. Jennifer quer remover a punição imposta a ela, Alice quer descobrir o que aconteceu com sua mãe, que teria se perdido no Caminho, Lilia quer mudar sua má sorte. O "Jovem", assim como Agatha, quer poder, ele passa o tempo todo dando a impressão de ser um mero fanboy, não fosse ele submetido a um selo, desconhecido para ele, que impede que outras bruxas descubram quem, ou o que, ele é.
Agatha Desde Sempre conseguiu jogar bastante informação nos três primeiros episódios, há uma tonelada de referências à Wanda e ao Darkhold, ao filho da Agatha, que é dito ser um possível soldado de... Mefisto. Sim, o rei dos contratos faustianos do Universo Marvel foi finalmente citado por nome, pela primeira vez.
Kathryn Hahn está completamente solta como a Agatha Harkness do MCU, uma bruxa má que não se importa com ninguém além dela mesma, suas tiradas são rápidas e o texto favorece bastante seu tom sarcástico e seu desdém pelos outros, mesmo com ela sabendo que precisa de todo mundo ali.
A temporada, que tera 9 episódios, não tem um inimigo definido, embora as Sete de Salém deixem uma dica, se sua origem for similar à das HQs. O "Jovem" também carrega um segredo relevante, no que muita gente especula que ele seja a versão MCU de Billy Kaplan, aka Wiccano, um dos gêmeos da Wanda reencarnado, e destinado nos quadrinhos a se tornar o próximo Demiurgo.
Este é uma das entidades cósmicas mais poderosas do Multiverso, o original é a fonte do poder da Criação, e pai de todos os deuses antigos, que incluem Gaia, a mãe-Terra, e Chthon, criador do Darkhold.
Agatha Desde Sempre começou com um clima bem na linha das HQs dos personagens místicos da Marvel e DC, onde coisas surreais acontecem o tempo todo, a realidade mágica se entrelaça com as vidas cotidianas dos demais mortais, e ninguém de fora percebe, até ser absolutamente óbvio, como as Sete de Salém aparecendo no meio da rua de uma cidadezinha, do nada.
Agatha continua adoravelmente detestável, cada uma das novas bruxas (OK, a Sharon nem tanto, até agora pelo menos) é interessante por si só, e a trama pode entregar algumas dicas sobre o que aconteceu de verdade com a Wandinha, após Doutor Estranho no Multiverso da Loucura. Qual é, você REALMENTE acredita que ela morreu?
É bem provável que quem já está saturado do MCU não vai passar nem perto, mas Agatha Desde Sempre é uma produção bem diferente, voltada totalmente para o místico e surreal, sem terror, mas apelando para coisas que Sam Raimi tiraria da cachola após uma ida ao banheiro. Jac Schaeffer, produtora e roteirista da série, que também escreveu e produziu WandaVision, está seguindo a mesma fórmula, que permitiu a primeira série para a TV da Marvel Studios ser bastante elogiada.
De resto, esta é uma série mais do que adequada para a temporada de Halloween, para quem está querendo ver bruxas, magia, e afins relacionadas refestelado no sofá, sem se preocupar com sagas cósmicas, supersoldados, e heróis de armadura.
5/5 Ébanos.
Agatha Desde Sempre está disponível no Disney+.