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Resenha: Dr. Estranho no Multiverso da Loucura (com spoilers)

Dr estranho e o Multiverso da Loucura é o primeiro filme de terror do MCU, e uma ótima continuação do filme de 2016

2 anos atrás

Dr. Estranho era um dos personagens menos cotados para aparecer no MCU. Criado por Steve Dikto e Stan Lee em 1963, suas histórias permitiam que os roteiristas e ilustradores comprassem substâncias psicodélicas e estupefaciantes em quantidades industriais, e descontassem como despesa de trabalho.

O bicho vai pegar em Kamar-Taj (Crédito: Disney/Marvel)

Os tais cigarrinhos de artista, LDS ou sei lá mais o que eles consumiam, valeram cada centavo. Stephen Strange é um ótimo personagem, uma grande adição no lado místico da Marvel, com todo um universo (na verdade vários) de seres sobrenaturais, deuses, demônicos, teologias e planos de existência.

A primeira história do personagem, no número 110 da revista Strange Tales (julho/1963) não foi exatamente revolucionária, mas apresentou vários conceitos fundamentais, como Pesadelo, um dos principais inimigos do Dr. Estranho (tipo um Sandman do Mal), o ainda sem nome Olho de Agamoto, o Ancião e vários outros componentes de sua mitologia.

Soa meio datado, eu sei (Crédito: Marvel Comics)

Curiosidade: Nessa fase inicial Dr. Estranho era chamado Mestre da Magia Negra, só mais tarde ele se tornou Mestre das Artes Místicas. Provavelmente Magia Negra remetia muito a bruxas mais tradicional, Hudu (erroneamente chamado popularmente de Vodu. Vodu não tem nada a ver com Hudu, sem contar que Vodu é pra Jacu).

O Dr. Estranho tende mais para o misticismo oriental, e ele morreria antes de ser visto voando em uma vassoura.

O primeiro filme do personagem foi uma bela porcaria, orçamento de conserto de geladeira, figurinos de brechó, enfiaram um sincretismo completamente aleatório, e o protagonista tinha um ridículo bigode de ator pornô. Falo, claro, do Dr. Estranho de 1978, que a CBS tentou emplacar como piloto de série.

Eu vi isso, você vai ter que ver também (Crédito: CBS)

O segundo filme só apareceria em 2016, e foi muito bem-recebido tanto por crítica quanto por público, alcançando ótima cotação no Rotten Tomatoes. Benedict Cumberbatch tem uma predestinação nível Patrick Stewart para viver seu personagem. Benedict Wong é Wong até no nome, e Tilda Swinton faz muito bem o papel da Anciã.

Na época alguns fãs reclamaram da mudança da personagem, de um idoso oriental para uma mulher ocidental, mas as acusações de racismo por parte da Marvel são injustas; eles só não quiseram comprar briga com a China, botando um sujeito que lembraria o Dalai Lama aos censores de Pequim.

No começo do filme ainda tentaram enfiar aquela groselha de que qualquer tecnologia suficientemente avançada é indistinguível de magia, mas no final o Dr. Estranho já estava enfrentando Dormammu, um Demônio Interdimensional da Dimensão Negra, daí em diante foi tudo festa, magia existe no Universo Marvel, aceita que dói menos.

Dormammu sempre foi um sujeito meio cabeça quente (Crédito: Marvel Comic)

Dr. Estranho no Multiverso da Loucura

Wanda é a vilã. Isso não é spoiler, ela fala literalmente isso no trailer, e ainda aparece no final de WandaVision. O que é legal aqui é que ela é uma vilã que a gente no começo se identifica, compreende a motivação dela, mas rapidamente entende que ela está passando dos limites. Tipo o Pacificador, quando fala que ama a paz acima de qualquer coisa e não importa quantos homens mulheres e crianças ele tenha que matar pra conseguir a Paz.

Wanda vem diretamente de WandaVision, a primeira séria da fase nova do MCU. Nela, traumatizada com a morte de Visão, Wanda cria uma dimensão de bolso, escravizando mentalmente a população de uma pequena cidade, fazendo todos viverem vidas perfeitas de sitcoms. Em meio a isso Wanda aparece grávida, ela e Visão terão rebentos, yay.

Mãe Wanda traz a pessoa amada em três dias. Se não for o Billy ou o Tommy (Crédito: Disney/Marvel)

Os dois filhos nascem, crescem de forma desordenada como toda criança de TV, e mais tarde é revelado que eles foram criados pelos poderes de magia caótica de Wanda, mas Tommy e Billy são reais para ela. No final Wanda destrói tudo que criou, inclusive Visão e as crianças, tendo que passar por toda a perda novamente.

Ela se isola em uma cabana, onde é vista estudando o Darkhold, um livro extremamente maligno que contém o conhecimento e a essência do demônio Chthon, e corrompe todo mundo que o usa. Imagine o Um Anel, é basicamente a mesma coisa, visto que os roteiristas kibaram Tolkien direto, aqui.

Wanda estuda o Darkhold e escuta seus filhos pedindo socorro.

Dr. Estranho no Multiverso da Loucura começa com um Dr. Estranho meio estranho e uma jovem latina fugindo de um monstro, em uma dimensão esquisita. Ele não é o “nosso” Dr. Estranho, mas eles acabam parando na dimensão principal do MCU, agora oficialmente Terra 616. Eles chegam lá graças aos poderes da jovem, America Chavez, que tem poder de abrir portais entre realidades.

America, Wong e Estranho (Crédito: Disney/Marvel)

Encontrando o Dr. Estranho e Wong, America acaba aceitando a ajuda deles. Ela conta que está sendo perseguida por um demônio muito poderoso, que manda monstros para tentar roubar seus poderes. Estranho vai até Wanda pedir ajuda, afinal quem melhor para combater uma ameaça mística do que ela?

Wanda se revela a entidade maligna por trás dos monstros. Ela quer o poder de Chavez afinal nada melhor para abrir portal do que Chavez desculpe não faço mais esse trocadilho.

Com o poder de abrir portais para outras realidades, Wanda poderá achar uma realidade onde seus filhos existem, vivos. Ela pretende raptá-los e cuidar deles em modo Super-Felícia. E não, ela não pode apenas pedir para America abrir um portal.

O bicho está prestes a pegar em Kamar-Taj (Crédito: Disney/Marvel)

Wanda quer os poderes de America Chavez, para caso precise salvar os filhos em algum momento, ela poderá viajar por incontáveis realidades atrás de ajuda. O pequeno detalhe é que se chupar os poderes de Chavez, a menina vai morrer. Wanda não se importa.

O Dr. Estranho e Wong levam America para o santuário em  Kamar-Taj, Nepal, onde os outros magos se preparam para enfrentar Wanda, só que a Feiticeira Escarlate é a criatura mais poderosa do MCU. Lembre-se, ANTES de conseguir o Darkhold, ela destruiu uma jóia do infinito enquanto segurava Thanos, com uma só mão. E ele portava as cinco outras jóias.

Wanda massacra bonito o pessoal em Kamar-Taj, o Dr. Estranho e America fogem por um portal para outra realidade, e o filme deixa de seguir a linha Marvel, e se torna um veículo para seu diretor, Sam Raimi.

Sam Raimi é uma lenda no segmento chamado Terrir, termo cunhado pelo diretor brasileiro Ivan Cardoso (não somos parentes). Seu primeiro filme, Evil Dead, é um primor de filme B, feito com orçamento de conserto e geladeira, atores amadores, zero recursos mas muito entusiasmo.

Usando a mesma técnica de Steven Spielberg em Tubarão, Raimi viu que o dinheiro não dava pro seu monstro ser mostrado, então toda sua criatividade foi usada criando por exemplo as sequências do ponto de vista do monstro, com a câmera próxima ao chão da floresta, perseguindo a mocinha. Esse tipo de tomada é usada por basicamente todo filme de terror deste então.

Raimi gosta de muito sangue e espetáculo, mas sem o sadismo de filmes como Saw ou Hostel. Toneladas de sangue cenográfico foram despejadas em Bruce Campbell, ator de estimação de Raimi, que estrelou a trilogia Evil Dead - Uma Noite Alucinante, além da deliciosa série Ash vs. Evil Dead.

Dr. Estranho no Multiverso da Loucura não é a primeira vez que Raimi se aventura em super-heróis, ele é responsável pela primeira trilogia do Homem-Aranha, tendo dirigido os filmes de 2002, 2004 e 2007.

Só que desta vez Raimi está em seu elemento. Dr. Estranho mexe com magia, com livros proibidos, para Raimi o Darkhold não é novidade, a trilogia do Evil Dead girou em torno do Necronomicon Ex-Mortis.

Raimi aproveita para explorar variantes do Dr. Estranho que não são boazinhas, atormentando o Dr. Estranho Prime, fazendo-o achar que pode ser seduzido pelo Lado Negro. Wanda por sua vez fica mais e mais violenta…

E sim, pra um filme PG-13, Multiverso da Loucura é bem violento. Ao mesmo tempo em que vibramos quando o protagonista encontra os Illuminati, a cabala de super-seres que controla o (ok, um) Universo Marvel, é punk como Wanda os despacha sem a menor cerimônia. A mulher é cruel, alguns diriam que ela estava possessa.

Não queira saber de quem é esse sangue (Crédito: Disney/Marvel)

O roteiro estabelece as regras para comunicação entre Realidades, e o Dr. Estranho as subverte de forma brilhante. Eu não acreditei quando ele fez o que fez, aí lembrei que era algo que Sam Raimi pensaria no café da manhã.

A batalha final foi bem satisfatória, respeitou o óbvio, ninguém em nenhuma Realidade teria poderes para enfrentar a Feiticeira Escarlate, e também foi muito bem tratado o McGuffin do Livro dos Vishanti. Você é enganado achando que o Livro do Bem vai resolver tudo, mas - spoilers - não rola.

O Dr. Estranho com esse filme firma sua posição como o novo Tony Stark, o sujeito arrogante que acha que pode resolver tudo sozinho, e no final faz caca. Ele aprende com seus erros, mas não há como mudar sua essência. Há bastante desenvolvimento de personagens, Stephen não vira um cidadão-modelo, mas aprende a depender mais dos outros e aceitar a responsabilidade por seus atos.

Sim, tem zumbis, é um filme de Sam Raimi, mas o uso foi mais criativo do que em 10 temporadas de The Walking Dead (Crédito: Disney/Marvel)

Wanda percebe o monstro que se tornou, e não tem um final feliz, mas eu duvido muito que seja a última vez em que vimos a Feiticeira Escarlate no MCU. O Darkhold continua vivo, ou ao menos Chthon, se bem que não há certeza de que a Disvel seguirá a mesma mitologia dos quadrinhos, talvez no MCU o Darkhold tenha outra origem. Quem sabe… Mefisto?

Dr. Estranho no Multiverso da Loucura termina com um cliffhanger delicioso, 100% Sam Raimi, e uma das duas cenas pós-créditos tem a aparição de uma personagem que todo mundo deu falta no primeiro filme: Clea. Mais sobre ela no próximo artigo.

A segunda cena pós-créditos, no finalzinho de tudo, é a finalização da piada/referência com Bruce Campbell. Se você viu Evil Dead 2, sabe do que estou falando.

Conclusão

Dr. Estranho no Multiverso da Loucura é um filme Marvel atípico. Lida com temas apocalípticos, tem mortes explícitas de heróis, e uma vilã que passa do limite da redenção. Não há como Wanda retroceder, o que é ótimo, uma hora cansa isso do super-herói destruir uma cidade, falar “foi mal aí, estava sob controle de uma entidade maligna” ou algo assim, e ficar tudo bem.

A motivação de Wanda também foi excelente. Ela não quer conquistar o Universo por ganância, ela fez o que fez por amor aos filhos. Explica, mas sem justificar, o que é sempre bom para um vilão.

America Chavez nos quadrinhos é um porre, tem um texto chato e panfletário. No MCU ela é uma jovem simpática, meio perdida, que não é deslumbrada com seus poderes. É uma ótima adição à franquia, e está a caminho de ingressar nos Jovens Vingadores, o grupo que está sendo explicitamente formado, com Kid Loki, Ms. Marvel, Kate Bishop, o Patriota e outros. É bom para renovar os personagens, e também ninguém aguenta pagar salário de Robert Downey Jr. o tempo todo.

Dr. Estranho no Multiverso da Loucura é um excelente segundo filme do personagem, expande a mitologia, trouxe de vez o Multiverso para o Universo Marvel e agora podemos esperar filmes “fora” da cronologia, contando impunemente histórias alternativas, um grande What If na tela grande. E também agora há uma explicação para heróis diferentes pipocarem no MCU, estou olhando para você, Deadpool.

Cotação:

4,5 de 5 3.º Olho do Estranho. No bom sentido, é claro.

Trailer:

Onde Assistir:

Nos cinemas, uai.

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