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Stadia nasceu fadado ao fracasso, graças ao Google

Documento vazado revela que o Google tomou inúmeras decisões erradas que condenaram o Stadia, desde a fase de desenvolvimento

25 semanas atrás

O Google Stadia, o serviço de games na nuvem da gigante das buscas, teve um ciclo de vida de pouco mais de 3 anos, entre seu lançamento em novembro de 2019, e seu desligamento em janeiro de 2023. A plataforma acumulou uma série de erros estratégicos e readequações, além de inúmeras promessas não cumpridas.

Já se sabia que o Google, como de praxe, foi o grande responsável pelo naufrágio do Stadia, mas um documento vazado no processo movido pela FTC (Comissão Federal de Comércio dos Estados Unidos, órgão equivalente ao CADE) contra a aquisição da Activision Blizzard pela Microsoft, revelou que as decisões erradas começaram a ser tomadas antes mesmo do serviço ir ao ar.

Ah, a ironia: eu adquiri um Stadia Controller novo, baratinho, após o fim do serviço, e ele é um dos melhores controles Bluetooth (após a conversão) que já usei (Crédito: Ronaldo Gogoni/Meio Bit)

Ah, a ironia: eu adquiri um Stadia Controller novo, baratinho, após o fim do serviço, e ele é um dos melhores controles Bluetooth (após a conversão) que já usei (Crédito: Ronaldo Gogoni/Meio Bit)

Nos últimos dias, uma enxurrada de informações confidenciais envolvendo os planos da Microsoft para a plataforma Xbox até 2030 chegou à mídia, na forma de documentos que Redmond submeteu ao júri na categoria errada; ao invés de disponibilizá-los como confidenciais (o que eles realmente são), eles foram submetidos como públicos.

A FTC rapidinho tirou o seu da reta, no que a corte reconheceu a presepada tendo sido culpa da própria Microsoft, ordenando assim a deleção dos documentos dos arquivos públicos, mas a Caixa de Pandora já tinha sido aberta, logo, não tinha volta.

As informações vazadas foram as mais variadas possíveis, como os planos para a próxima geração de consoles Xbox, que deve chegar em 2028 e ser 100% digital, uma revisão do Xbox Series X para 2024 também sem leitor de disco, remakes de jogos como The Elder Scrolls IV: Oblivion e Fallout 3, lançamentos futuros como Dishonored 3, a intenção de Phil Spencer de insistir em uma sonhada (e impossível) compra da Nintendo, além da Valve e WB Games...

Enfim, a quantidade de informações vazadas foi imensa; Spencer veio a público e tratou de colocar panos quentes, dizendo que os documentos e e-mails compartilhados erroneamente são "antigos", e que a Microsoft só irá se manifestar sobre o futuro do Xbox "quando nós (a divisão) estivermos prontos."

Porém, nem tudo o que foi vazado diz respeito ao processo de compra da aquisição da Activision Blizzard, que vem se arrastando graças à CMA, o órgão regulador britânico, ou ao futuro da plataforma Xbox. Um dos documentos que veio a público foi uma declaração escrita de Dov Zimring, ex-gerente de produto do Google Stadia, explicando como Mountain View meteu os pés pelas mãos com o serviço.

"Stadia não precisa do Windows"

O documento, preservado no Reddit após a remoção determinada pela corte em que o processo do FTC corre, foi submetido para basear os argumentos da agência contra a compra da Activision, focando no domínio que a Microsoft poderá exercer sobre o mercado de games na nuvem, o principal motivo do porquê a CMA ainda não ter aprovado a compra.

Porém, o relato é emblemático por discorrer, com detalhes, como o Stadia fracassou por culpa do próprio Google. A companhia tomou uma série de decisões desde a fase de planejamento, considerando ser o melhor caminho, apenas para suas consequências atingirem o serviço violentamente.

Um dos motivos levantados por Zimring no documento, foi a decisão consciente da gigante de não basear o Stadia em Windows e a API gráfica DirectX, de longe a plataforma mais adotada por estúdios e desenvolvedores de games AAA e médio porte. Ao invés disso, o sistema selecionado foi o Linux e a API a Vulkan, para não ter que pagar licenças de uso à Microsoft.

Decisão de basear o Stadia em Linux, e não Windows, criou uma série de problemas (Crédito: Reprodução/Google)

Decisão de basear o Stadia em Linux, e não Windows, criou uma série de problemas (Crédito: Reprodução/Google)

O Google ofereceu uma plataforma de conversão para estúdios, que ficariam encarregados de portar seus títulos do Windows/DirectX para Linux/Vulkan, de modo similar ao que a Apple está propondo com o GPTK, para rodar AAAs no Mac, iPhone e futuramente iPad, de forma nativa. A gigante das buscas até mesmo se comprometeu a cobrir parte dos custos de desenvolvimento, para atrair mais estúdios.

Só que diferente do pacote de conversão da maçã, desenvolvedores reclamavam que o kit do Stadia era mais complicado do que deveria ser, e a quantidade de trabalho extra não compensava o investimento em uma plataforma com poucos usuários. Isso prendeu o serviço no "paradoxo Tostines", do qual ele nunca saiu: o Stadia não recebia muitos games porque não tinha público, e o público não se interessava porque ele tinha poucos games.

No mais, os estúdios sempre mantiveram um pé atrás com o Stadia, dada a sanha do Google em matar serviços, o que a companhia jurou que não seria o caso. O tempo mostrou que não importa o motivo, certos hábitos são difíceis de abandonar.

Google achou que criar games fosse barato

A declaração de Dov Zimring joga luz sobre outro ponto crítico do Google Stadia, a iniciativa de desenvolver games internamente, através do estúdio Stadia Games and Entertainment (SG&E), estabelecido em março de 2019. A companhia contratou Jade Raymond, veterana conhecida pelos primeiros games da série Assassin's Creed, para comandar a empreitada, e tudo parecia bem.

Aqui, o ex-gerente de produto da plataforma aponta para a completa ingenuidade de Mountain View: no documento, ele afirma que a gigante simplesmente não fazia ideia de quão caro o desenvolvimento de um game AAA pode ser, no que hoje muitos títulos ultrapassam o orçamento de filmes blockbusters de Hollywood.

Só para dar um exemplo, o budget que a Larian Studios teria alocado para Baldur's Gate III foi de aproximadamente US$ 100 milhões, excluindo marketing, no que esses valores normalmente triplicam. Zimring diz ser "chocante" como o Google ignorou esse fato, mesmo com diversos veteranos da indústria de games na SG&E; o provável de ter acontecido foi a companhia ter ignorado avisos internos sobre custos, e querer forçar a contenção de gastos sem sacrificar a qualidade dos títulos de grande porte, algo absolutamente impossível.

No fim das contas, o SG&E foi fechado em fevereiro de 2021 sem ter desenvolvido um game sequer. O único título brevemente distribuído pela divisão foi Journey to the Savage Planet, lançado em 2020, mas ele já estava pronto quando o Google comprou o Typhoon Studios em 2019, e o integrou ao estúdio interno; ele também deixou de existir com o fechamento.

Hoje, os direitos do game e de seu sucessor, que estava em fase de desenvolvimento quando o SG&E foi fechado, pertencem ao estúdio Raccoon Logic, formado por egressos do Typhoon Studios; já Jade Raymond foi para a Sony, quando a gigante japonesa comprou sua desenvolvedora Haven Studios.

Journey to the Savage Planet foi o único game do SG&E, mas foi comprado pronto quando o Google adquiriu o Typhoon Studios (Crédito: Divulgação/Raccoon Logic/505 Games)

Journey to the Savage Planet foi o único game do SG&E, mas foi comprado pronto quando o Google adquiriu o Typhoon Studios (Crédito: Divulgação/Raccoon Logic/505 Games)

O argumento de Zimring se baseava na possibilidade de que a Microsoft, assim como o Google com o Stadia, não se sentiria disposto a fechar acordos de distribuição de seus games em outras plataformas, de modo a garantir a dominância com o portfólio da Activision.

Esse argumento com o tempo se provou errado, visto que Redmond concordou em até mesmo abdicar dos direitos sobre jogos na nuvem, ao vendê-los para a rival Ubisoft, a fim de garantir a aprovação da compra no Reino Unido, o que ainda não aconteceu.

Ainda assim, o documento é interessante para mostrar que, de certa forma, o Stadia já nasceu condenado, culpa de uma estratégia convoluta para tentar dominar o mercado de games na nuvem (palavras do Google) sem apostar alto, e sem estar disposto a gastar dinheiro para ganhar mais.

Fonte: ExtremeTech

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