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Xbox, streaming, e o "futuro" dos consoles

Aposta da Microsoft no Xbox via streaming pode arrastar Sony e Nintendo a um futuro sem consoles... mas será mesmo?

27/02/2024 às 11:10

A Microsoft pode ter percebido, um tanto tarde demais, que o Xbox não tem capacidade para competir com Nintendo e Sony no quesito de grandes games exclusivos. Parte da culpa é da própria empresa, por possuir uma estratégia de quase paridade com o Windows, e o Xbox Cloud Gaming, que oferece os jogos do Game Pass via streaming.

De fato, a Microsoft já teria voltado a atenção aos games na nuvem, por uma série de fatores, que tornaria tanto os consoles Xbox quanto os PCs gamer redundantes, visto que qualquer computador, smartphone ou tablet poderia rodar games AAA. Há quem diga, inclusive, que o "futuro dos games" será console-free e tudo pela nuvem, onde não seremos donos de nada.

Xbox Cloud Gaming é acessível de quase qualquer tela, com bastante ênfase no "quase" (Crédito: Divulgação/Microsoft)

Xbox Cloud Gaming é acessível de quase qualquer tela, com bastante ênfase no "quase" (Crédito: Divulgação/Microsoft)

Phil Spencer, hoje CEO da Microsoft Gaming, disse que "toda tela é um Xbox", dando a entender que há a intenção de oferecer o Xbox Game Pass como um serviço acessível nos consoles dos rivais, mas mesmo Sony e Nintendo poderiam, um dia, abrir mão de seus hardwares dedicados e focar no streaming.

Claro, nem tudo é tão simples assim.

"Toda tela é um Xbox", pero no mucho

Um dos motivos que leva muita gente a acreditar que a Microsoft não está mais interessada em manter a linha de consoles Xbox, por mais que Phil Spencer diga o contrário, está na própria afirmação do executivo sobre o maior foco dedicado à ampliação do Game Pass, de modo que ele se torne presente em cada vez mais dispositivos.

Hoje, o app se faz presente de forma nativa nas Smart TVs mais recentes da Samsung, é compatível com Android (e pode vir pré-instalado em alguns aparelhos), e é integrado ao Xbox e ao Windows 11, permitindo que mesmo o laptop mais simples, com placa de vídeo integrada, possa rodar games da Microsoft e seus vários estúdios (em breve, da Activision Blizzard também), e de outros estúdios e desenvolvedores.

Claro, no caso do Xbox e Windows é possível fazer uma instalação local, dependendo de cada caso; a família Xbox One, por exemplo, não roda nativamente os jogos exclusivos do Series X|S, restando apenas o streaming, o mesmo valendo para PCs fracos executando títulos mais pesados.

A estratégia "toda tela é um Xbox" tem alvos prioritários, no caso Sony, Nintendo, e Apple. A maçã, por exemplo, foi por anos veementemente contra permitir apps que agissem como hubs de jogos via streaming, argumentando que cada jogo deveria ser classificado individualmente. Assim, tanto o Game Pass quanto o GeForce Now, da Nvidia, ficaram longe do iPhone e iPad por muito tempo.

Claro, era uma desculpa esfarrapada para privilegiar o Apple Arcade, seu próprio serviço de assinatura de games, que não anda muito bem ultimamente.

A Apple barrava apps de streaming de games, mas tinha uma UE no meio do caminho... (Crédito: Divulgação/Apple)

A Apple barrava apps de streaming de games, mas tinha uma UE no meio do caminho... (Crédito: Divulgação/Apple)

No entanto, a Apple recentemente reviu sua política, e passará a permitir apps como o Game Pass e GeForce Now no iOS, iPad OS, tvOS e macOS, através da App Store/Mac App Store. As mudanças referentes à regulação de serviços de internet, principalmente na União Europeia, teriam sido o catalisador para a mudança de comportamento.

A Microsoft tem a clara ambição de cobrir todos os casos de uso. Você é um Glorious PC Gamer Master Race, ou prefere comprar mídias físicas? Jogue localmente, no PC ou no Xbox Series X. Não tem tanta grana? Temos o Series S para você. Você só tem um Android de entrada? Streaming é a solução.

Essa estratégia tem o potencial de tornar o Xbox redundante, pois você não precisaria de um, pois o Game Pass já lhe oferece muitos jogos via streaming, há alguns fatores a levar em conta.

Agora, o outro lado

Sony e Nintendo são casos mais complexos que o da Apple. Idealmente, oferecer o Game Pass como um serviço, da forma como o PS5 já tem acesso ao Ubisoft+, presente também no Xbox, seria o melhor cenário, mas ambas companhias japonesas seriam, e são, avessas à ideia de deixar um rival oferecer seu principal produto dentro de seus muros, mesmo recolhendo uma porcentagem das assinaturas realizadas através de suas respectivas lojas digitais.

Isso explica, por exemplo, o movimento inicial de lançar jogos de seus estúdios internos individualmente nessas plataformas, no que os primeiros serão Hi-Fi Rush, Pentiment, Grounded, e Sea of Thieves, para expandir sua presença; por enquanto, títulos atuais e futuros considerados valiosos (Starfield, Indiana Jones and the Great Circle, The Elder Scrolls VI, as franquias Hellblade e Halo, etc.) continuarão exclusivos Xbox/Windows/Game Pass.

Não obstante, a próxima geração de consoles pode chegar mais cedo do que o esperado, Sony, Microsoft e Nintendo estariam se movimentando para introduzir seus novos consoles (que não seriam revisões) já em 2025, além das duas primeiras estarem também propensas a introduzir versões autônomas de novos portáteis (o PS Portal não passa de um hardware dedicado a rodar o PS Remote, e não faz nada sem um PS5 pareado a ele), na onda dos PCs compactos como o Steam Deck e cia.

Nintendo e Sony dificilmente permitiriam a entrada do Xbox Game Pass em seus sistemas (Crédito: Reprodução/acervo internet)

Nintendo e Sony dificilmente permitiriam a entrada do Xbox Game Pass em seus sistemas (Crédito: Reprodução/acervo internet)

Tanto Sony quanto Nintendo têm um forte alicerce que são suas franquias exclusivas, que sustentam a manutenção de seus hardwares dedicados. Idealmente a Microsoft deveria ter feito o mesmo, mas ao viabilizar o intercâmbio entre o Xbox e o Windows, seu console de mesa acabou se tornando opcional para quem pode bancar um PC gamer.

Hoje a Sony também lança seus games para PC, ainda que com atraso, mas a Nintendo é adamante sobre nunca abrir mão da estratégia console first. Sua presença mobile hoje é limitadíssima, e dessa forma, quem quiser ter, de maneira oficial, a experiência completa dos títulos das franquias Mario, The Legend of Zelda, Pokémon, Donkey Kong, Metroid, etc., ou jogar franquias de terceiros tornadas exclusivas (a série Bayonetta, por exemplo), que compre um Switch.

Conceder um espaço ao Game Pass em seus consoles dificilmente se reverteria em um dono de Switch ou PS5 comprando também um Xbox, mas Sony e Nintendo preferem não dar essa chance à Microsoft, de qualquer forma.

Sobre o acesso à internet rápida

Em 2013, quando Adam Orth quase destruiu sua carreira (e chegou a ser ameaçado de morte) pelo infame #dealwithit, o acesso à internet rápida, um dos argumentos do então diretor criativo da Microsoft Studios a favor do Xbox One ser um console always online, o que acabou não acontecendo, estava se expandindo, mas ainda deixava muitos lugares de fora.

Hoje, é possível contratar planos realmente rápidos em mais regiões, mesmo afastadas dos grandes centros, mas ainda há muita gente fora do grid. Eu mesmo só tive acesso a velocidades acima de 4 Mb/s em 2017, e eu moro na cidade de São Paulo, ainda que na periferia. O Cardoso passou por uma situação parecida na Ilha do Governador, no Rio de Janeiro.

As duas maiores capitais do Brasil não terem uma malha de internet rápida cobrindo todo o município é uma questão de (falta de) interesse das operadoras, e o streaming depende de altas velocidades de download E upload, e principalmente, uma latência decente. Sem isso, nada feito.

O acesso à internet rápida aumentou, mas ainda tem muita gente sem (Crédito: Reprodução/acervo internet)

O acesso à internet rápida aumentou, mas ainda tem muita gente sem (Crédito: Reprodução/acervo internet)

Um cenário onde os games migrem para uma oferta apenas por streaming acabaria por deixar muita gente de fora, e ainda que alguns usem o argumento "comprem um plano melhor ou se mudem", não seria interessante à Microsoft, Sony, Nintendo, Valve, Epic Games e cia. perderem clientes em potencial, ao dispensar a execução local, seja em mídia física ou digital.

Por outro lado...

Sobre a pirataria de games

Fato, as vendas de mídia física estão caindo, e priorizar a distribuição digital traz alguns pontos positivos para a indústria, um deles, o fim da revenda de games usados, ou de saldões de varejistas por preços irrisórios. O valor fixado pela mídia será o que o estúdio e os desenvolvedores determinarem, e promoções e descontos serão controlados pelas lojas da Sony, Nintendo, etc.

Porém, jogos digitais também estão sujeitos à pirataria. Para quem possui conhecimento, acessar os arquivos e fazer engenharia reversa de jogos para PC, a fim de distribuir na web uma cópia pirata, e sem DRMs invasivos, é trivial. Consoles hoje são mais difíceis de quebrar e emular, mas não é uma tarefa impossível, um PC decente consegue rodar títulos do Switch com mais qualidade que o console.

O streaming seria alternativa à pirataria: uma vez que os games ficam permanentemente armazenados nos servidores das fabricantes de consoles, estúdios e desenvolvedoras, a turma do tapa-olho não tem como acessar os arquivos e copiá-los.

Esse era um dos argumentos que o Google usava para promover seu serviço de streaming de games Stadia, que fracassou ao ser sabotado pelo próprio Google.

Oferta só por streaming eliminaria, ou minimizaria em muito, a pirataria de games (Crédito: Reprodução/Toei Animation/Crunchyroll/Sony)

Oferta só por streaming eliminaria, ou minimizaria em muito, a pirataria de games (Crédito: Reprodução/Toei Animation/Crunchyroll/Sony)

Não é segredo que a indústria anda cortejando a ideia de tirar do consumidor a ideia de "posse" de um conteúdo de mídia, em prol dela própria controlar todos os aspectos de distribuição e consumo, e claro que piratear streaming de áudio e/ou vídeo é muito mais simples, mas no que tange aos games, oferecê-los apenas por acesso online, sem instalação local, atenderia seus interesses em prol de combater a pirataria, embora ele entre em conflito, de novo, com a disponibilidade de internet rápida em todos os lugares.

Estúdios e desenvolvedoras deverão pesar o que é mais vantajoso, atender mais gente com distribuição digital ou mesmo física, apesar dos indícios desta ser eliminada no futuro, ou restringir o acesso para cercear os piratas.

Conclusão

Streaming de games ser a norma pode ser o futuro, do ponto de vista de negócios ele oferece uma série de vantagens, de maior controle ao combate à pirataria, mas, ao mesmo tempo, uma das indústrias que mais lucra no mundo sentiria uma redução do público, entre aqueles que não podem bancar planos de internet ultrarrápida, seja pelo preço, ou indisponibilidade na região onde moram.

Ao mesmo tempo, o desejo da Microsoft de o Game Pass ter um espaço em consoles rivais soa mais como um sonho, mas na remota possibilidade disso acontecer, outras como Ubisoft e Epic Games seguiriam o exemplo da divisão Xbox. E também não boto fé, ao menos por enquanto, na Microsoft encerrando a linha Xbox de consoles.

Eu acredito ser mais realista, embora preocupante, um cenário onde a distribuição de games migre totalmente para o digital, abandonando de vez as mídias físicas, por redução de custos e maior controle dos preços de venda, por parte dos distribuidores, mas mesmo isso não é 100% garantido; ainda assim, algumas mudanças deverão acontecer em um futuro não muito distante.

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