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A falta de ambição que está destruindo a Marvel

A Marvel encerra mais uma série, e de novo decepciona, sintoma de um problema sério no planejamento do MCU.

33 semanas atrás

A Marvel vem sendo criticada faz tempo. Não costumo dar atenção ao povo que quer um Endgame por mês, e vive de má-vontade, mas os filmes, e principalmente as séries, estão deixando um gosto ruim na boca, sensação de que há algo estranho.

Sim, Nick Fury é sempre bom, mesmo em séries ruins (Crédito: Marvel Studios)

Não me interpretem mal, não sou aquele chato gourmet que reclama que a cópia #178 de soldado Chitauri na Cena 24 de Vingadores estava com um tom de pele 2% mais puxado para o azul. Pelo contrário, sou extremamente leniente em termos de efeitos visuais. Eu cresci vendo um Homem-Aranha na TV que subia paredes pouco melhor que o Batman do Adam West.

Meu Hulk no máximo quebrava portas de madeira de balsa, meu Super-Homem voava como se estivesse paralisado, e nem vou falar do meu Capitão Marvel. Antigamente as séries de heróis concentravam todo o orçamento para filmar algumas cenas com efeitos visuais, que depois eram repetidas e todos os episódios. Mesmo Lois & Clark, a parte “normal” da série era 90% do episódio.

A gente assistia isso e gostava (Crédito: CBS)

Nisso a Marvel mudou o cinema, transformando filmes de super-heróis em espetáculos visuais, como os quadrinhos de Moebius, Jack Kirby, Alex Ross. Com todos os seus defeitos, Thor Love & Thunder teve cenas tiradas diretamente dos quadrinhos, e ficaram lindas.

O que tem me causado estranheza, e pelo que acompanho muitos fãs se sentem assim também, é que falta... grandiosidade nas séries da Marvel. E isso vem acontecendo faz tempo, também no cinema.

Claro, estou reclamando de barriga cheia, estamos vivendo a Era de Ouro dos Super-Heróis no cinema, como fã de quadrinhos nunca sonhei em poder ver com meus próprios olhos coisas como a Manopla do Infinito, ou Eternidade. Ironicamente, o problema que estou tendo com a Marvel é justamente por ser fã de quadrinhos.

Compreensivelmente, a Marvel está usando seus 84 anos de acervo acumulado, e seria um crime não usar arcos magníficos, prontos e acabados. O problema é que a Marvel força para condensar arcos inteiros em um único filme.

Capitão América – Guerra Civil é um excelente filme, o Barão Zemo entrou para o rol dos raros bons vilões, mas nos quadrinhos Guerra Civil durou um ano, entre 2006 e 2007, com dezenas de histórias diretamente relacionadas, edições especiais e extras. Foi uma discussão complexa e difícil, envolvendo ética, responsabilidade, colocando heróis contra heróis, e os dois lados tinham argumentos razoáveis.

Fãs brigaram por Guerra Civil, foi um arco que até hoje marca o Universo Marvel.

No filme se resolveu com uma briga num aeroporto.

Guerra Civil nos quadrinhos teve um elenco um tiquinho maior (Crédito: Marvel Comics)

WandaVision, talvez a melhor série dessa nova safra, condensou o arco Dinastia M e outros, tirando toda a complexidade dos filhos da Feiticeira Escarlate, que teriam sido concebidos com parte da alma de Mefisto, em uma realidade alternativa e- é complicado. No final, uma das mutantes mais poderosas do Universo se resumiu a brincar de marionete com um quarteirão (o resto da cidade era tudo NPC).

Ms. Marvel funciona muito bem nos quadrinhos por mostrar o dia-a-dia de uma adolescente muçulmana lidando com o conflito entre os pais tradicionais e o mundo secular, além de todos os problemas da idade. Em cima disso, ela ainda tem que ser uma super-heroína. Sim, Kamala Khan tem muito do Peter Parker original, e funciona muito bem, com ela encontrando e ganhando a bênção de sua ídola, Carol Danvers, e aos poucos se integrando ao resto do Universo Marvel.

Na série tiraram toda a parte dos supers, Kamala vive eu um mundo cheio de super-heróis onde não se vê nenhum. Seus poderes foram mudados para algo menos esquisito em uma série realista, mas mesmo envolvendo uma invasão alienígena interdimensional, a impressão é que a série não sai do chão, ou melhor, do bairro.

Ms. Marvel é muito mais que uma história adolescente (Crédito: Marvel Comics)

She-Hulk é outra que se perdeu, e nem digo por mostrar Jennifer Walters, a *&&$* MULHER-HULK se fazendo de vítima oprimida, o problema é que no quadrinho ela intercala suas passagens nos tribunais com aventuras cósmicas, vilões, grandes feitos, e nem digo “aquela” cena com o Fanático.

Na série parece que voltamos aos anos 70. Ela aparece como She-Hulk o mínimo possível. K.E.V.I.N. até admite que “ela é muito cara”. Jennifer não parece gostar de ter super-poderes, e ela não faz nada de grandioso.

Com isso chegamos à Invasão Secreta. Um dos melhores arcos da Marvel. Por anos os skrulls infiltraram pontos-chave na Terra, tomando lugar de governantes, empresários, cientistas e super-heróis. Em determinado ponto, o comportamento de anos de um personagem foi retconeado explicando que ele era um skrull disfarçado.

Não confie em ninguém! (Crédito: Marvel Comics)

Ninguém confiava em ninguém, qualquer um poderia ser um skrull. A Marvel conseguiu nos quadrinhos o mesmo clima dos bons filmes de espionagem da Guerra Fria. Personagens que por várias histórias achávamos que eram heróis, na verdade eram skrulls. Personagens que todo mundo desconfiava, não eram.

Uma velha piada conta que depois da apresentação de um roteirista, os executivos de Hollywood falaram: “OK, a ideia está aprovada, mas tire o macaco”. O filme era King Kong.

Isso sempre existiu para mim apenas como piada, até que a Marvel teve a brilhante ideia de fazer Invasão Secreta e tirar os Super-Heróis. No começo até funcionou, Nick Fury em um thriller de espionagem “não confie em ninguém”, mas se tornou um filme de invasão onde os alienígenas já estão na Terra vivendo pacífica e incognitamente.

Toda a grandiosidade da civilização skrull invadindo a Terra se tornou um garoto mimado com super-poderes que de alguma forma virou líder rebelde, e contra ele, Vingadores, Dr. Estranho, America Chavez, Ms Marvel, Cavaleiro da Lua, os Guardiões da Galáxia? Não, apenas Nick Fury, pois ele é orgulhoso demais para pedir ajuda. E sim, ele fala isso com todas as letras na série.

Ben Mendelsohn está excelente como sempre, e a Khaleesi é corretinha (Crédito: Marvel Studios)

Fora do âmbito dos quadrinhos, várias dessas séries e filmes funcionam, mas do ponto de vista do leitor, elas são simplificações frustrantes. Um bom exemplo é o arco Demônio na Garrafa, onde Tony Stark sofre com alcoolismo, foi um tema forte e ousado, publicado em oito edições em 1979.

No cinema se resumiu a uma cena, em Homem de Ferro 2.

Óbvio que quadrinhos e audiovisual são mídias diferentes, não sou aqueles fãs do Tolkien que cancelaram o Peter Jackson por cortar as poesias em élfico e não usar as 4 páginas que Tolkien gastou para descrever as ervas que os Hobbits fumaram, mas eu entenderia a frustração deles se Tom Bombadil aparecesse em uma cena dizendo oi e sumisse do filme.

Um excelente arco, mostrando que nem os supers estão livres de problemas reais (Crédito: Marvel Comics)

A Marvel está tentando condensar sagas completas em um único filme, ou mini-série de seis episódios, e isso não funciona, fica parecendo as edições que a Globo faz para enfiar um filme de duas horas, 8 breaks e 176 comerciais em um slot de 70 minutos.

Talvez por tudo isso, as histórias mais bem-sucedidas são as que usam personagens, seus backgrounds, tudo que já foi estabelecido, e usar isso tudo para contar uma história original.

Os três filmes dos Guardiões da Galáxia seguem essa linha, e nenhum dos vilões soa limitado e sem ambição. Também não seguem nenhuma saga ou arco específico, os fãs chatos de quadrinhos não precisam pegar em ancinhos e tochas dizendo que sua infância foi destruída.

Principalmente, James Gunn mostrou o lado malvado dos vilões, ao invés de só falar. Nós vimos o Alto Evolucionário genocidar um planeta inteiro, nós vimos o quartinho dos filhos do Ego.

She-Hulk botou o dedo na ferida e falou com todas as letras que a Marvel não sabe escrever finais e tenta resolver com lutas entre personagens de CGI. Infelizmente, assim como todo mundo, os roteiristas de Invasão Secreta também não assistiram She-Hulk (Crédito: Marvel Studios)

O Carniceiro dos Deuses trucidando panteões inteiros é uma das melhores partes do arco nos quadrinhos, mostra como ele é obcecado e implacável. Já em Love & Thunder, foram uma ou duas ceninhas rápidas.

Condensar arcos em um único filme ou mini-série está tornando as produções da Marvel incompletas, mesmo o espectador sem o conhecimento dos quadrinhos está começando a perceber que falta algo, que as histórias parecem corridas.

Essa queda de qualidade pode sinalizar o começo do fim dos filmes de super-herói no cinema, com o estilo saindo de moda. A esperança é que a DC assuma o lugar da Marvel. Para nossa sorte, James Gunn agora é o bambambam da DC Studios, e se ele fez metade das plateias chorar por um guaxinim em CGI, ele consegue qualquer coisa.

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