Ronaldo Gogoni 36 semanas atrás
A última semana tem sido turbulenta no Twitter, principalmente para seus usuários. Elon Musk, o dono da bola que abomina serviços externos coletando dados, impôs restrições pesadas para visualização de tweets, que agora exigem login, e limite diário para quem está logado.
Mark Zuckerberg, CEO do Meta, viu no caos do Twitter o momento perfeito para o lançamento de seu próprio serviço de microblogging rival, chamado Threads.
Diferente do improvável embate entre os dois executivos em cima de um ringue, uma piada que muita gente levou a sério, a chegada do Threads justo quando o Twitter pega fogo será o estopim para a verdadeira guerra entre Musk e Zuck, pela conquista dos usuários.
O "Projeto 92" como era conhecido internamente, vinha sendo desenvolvido com certa discrição há algum tempo, e foi oficialmente demonstrado em junho de 2023; na ocasião, a Meta revelou que Threads ("fios", um termo também usado pelo Twitter) será o nome público do aplicativo.
A funcionalidade do Threads é basicamente a mesma do Twitter. Cada publicação, que o Meta chama de Thread, pode ser feita só com texto, ou abarcar também fotos, vídeos, GIFs e links. Os botões disponíveis para interação são também os mesmos: Curtir, Responder, Republicar (retweet), e Compartilhar.
A página de perfil, que é bastante limpa, conta com apenas duas colunas, Threads e Respostas. A página inicial, muito provavelmente, trará a timeline com as postagens de contas que o usuário segue.
O design do app é o mesmo do Instagram, o que não é uma coincidência, o Threads foi construído usando a plataforma de fotos e vídeos como alicerce. De fato, todos que possuem conta no serviço original estarão automaticamente cadastrados no novo, podendo importar seus seguidores.
Entre os poucos usuários que já tem acesso ao Threads, destacam-se os óbvios Zuck e Adam Mosseri, CEO do Instagram, parte da equipe de desenvolvedores do Meta, e algumas celebridades e companhias, inclusive do Brasil.
Originalmente, esses usuários poderiam ser vistos acessando o link threads.net/@username, mas no momento em que este post foi ao ar, todos passaram a exibir a mensagem "Esta página não está disponível". Ao que parece, o acesso aberto via navegador, para qualquer um mesmo sem poder postar, não era para acontecer.
O Threads não possuía uma data definida para lançamento, mas isso mudou nos últimos dias, quando o Twitter, o alvo principal da nova aplicação, entrou em uma espiral de caos por conta de mudanças recentes, que enfureceram ainda mais o público.
Elon Musk odeia a prática de raspagem de dados (data scraping), em que um serviço externo coleta dados estruturados de outro para visualização. É uma ferramenta essencial para empresas e instituições de análise, tanto para melhor direcionar campanhas publicitárias, quanto para conduzir pesquisas e estudos de consumo e comportamentais.
O Google, por exemplo, usa seu algoritmo de busca a raspagem de dados para alimentar seus serviços, voltados a indivíduos e corporações. A internet é o que é por causa do data scraping, ainda que ele também possa ser usado por criminosos e governos, para vigilância.
O grande problema, Musk vê a raspagem de dados como uma prática nociva, porque não rende quase nada para o serviço que teve os dados coletados. Embora a desculpa seja limitar bots no Twitter, a verdade é que o CEO está desesperado para que o serviço faça dinheiro, e dessa forma, ele vai monetizar o app em tudo o que for possível.
O primeiro ato nesse sentido foi trancar a API , no que o acesso para uso por serviços e bots, incluindo o OAuth, recurso que permite logar em sites e plataformas com perfis de redes sociais, se tornou tão caro, que muitos desenvolvedores de apps, serviços e jogos estão removendo toda e qualquer integração com o Twitter.
Outros, como os de automação IFTTT e Zapier, atrelaram o uso da ferramenta com a rede social a seus modelos de assinatura, diferente de outras redes, cujo acesso à API é ou gratuito, ou menos caro, e que não se reverem em custos para seus usuários.
A seguir, Musk anunciou uma "mudança temporária" para conter a raspagem de dados, ao bloquear o acesso a postagens para quem não estiver logado na rede. De cara, o número de tweets exibidos pela busca do Google caiu 50%, o que pode ou não ser um dos objetivos.
No entanto, a mudança teve consequências. O bloqueio criou um loop de requisições não atendidas, que levaram a um bizarro cenário de auto-DDoS. Para conter os erros, o Twitter impôs um limite diários de visualizações de tweets aos usuários, tanto os gratuitos quanto os assinantes do Blue.
Novamente, a medida é "provisória", mas o Twitter não informa por quanto tempo ela ficará vigente.
O limite imposto vitimou também o único cliente do Twitter que ainda funcionava, o oficial Tweetdeck, que andava esquecido. Como dissemos antes, a rede social tinha planos para lançar uma nova versão, visto que a legada não exibe anúncios.
Unindo o útil ao agradável, a equipe do Twitter decidiu matar o app antigo, que parou de funcionar, e migrar todos para o novo, ainda em preview, mas quem não assina o Blue só poderá usá-lo até 1.º de agosto de 2023; depois disso, ele ficará restrito a assinantes.
O novo Tweetdeck foi alvo de inúmeras reclamações por exibir anúncios, e por não contar com o recurso Teams, que permite gerenciar diversas contas sem a necessidade de logar nelas. Sobre isso, a equipe do app disse que a funcionalidade será adicionada à nova versão, "nas próximas semanas".
O Twitter defende a cobrança pelo uso do Tweetdeck, por este ser uma ferramenta especializada, voltada para power users e usuários corporativos. Do ponto de vista de negócios, não fazia sentido um web app com tantos recursos ser oferecido de graça para qualquer um, e pior, sem veicular propaganda.
Musk joga com o básico "quem precisa, vai pagar", o que enfureceu ainda mais gente. Assim, não surpreende Mark Zuckerberg ter escolhido este momento para lançar o Threads.
Se você fizer uma busca por "Threads" no Instagram, vai notar um tíquete vermelho. Ao tocar nele, o app exibe um card animado, com seu username na plataforma, o mesmo do app de fotos, e data e hora para a estreia global do serviço: 6 de julho de 2023, às 11:00 nesta quarta-feira (5) às 20:00, horário de Brasília.
A intenção de Zuck é pegar todos os usuários descontentes com o Twitter, que ameaçaram deixar o serviço e ainda não o fizeram, no momento em que a gestão de Musk está sendo atacada por todos os lados, usuários e legisladores (o Meta também pelo segundo grupo, mas enfim).
Mesmo assim, a atual direção do passarinho azul não retrocede. Linda Yaccarino, CEO do Twitter, que disse antes que só conduz o barco para onde Musk apontar, endossou o limite diário de visualizações, dizendo que "às vezes, é preciso ir devagar antes de acelerar".
Claro que já outras opções de redes de microblogging, mas tanto o Mastodon, de código aberto, quanto o BlueSky, do co-criador do Twitter Jack Dorsey, oferecem experiências mais complicadas de uso, sem falar que o segundo só é acessível via convites. Já o Threads, todo mundo cadastrado no Instagram terá acesso imediato.
Muito se falou sobre o tal desafio de Elon Musk a Mark Zuckerberg, sugerindo um confronto de executivos bilionários em um ringue (não é algo tão alienígena, se lembrarmos que Donald Trump, antes de ser presidente dos EUA, deu uns sopapos em Vince McMahon), quando o verdadeiro confronto se dará na web.
Twitter e Threads disputarão ferrenhamente a preferência do público, algo que Chris Cox, CPO da Meta, aposta a seu favor. Segundo o executivo, criadores, figuras públicas, empresas, e até mesmo o usuário médio, preferirão "uma plataforma gerida de modo sensato, em que eles acreditem que possam confiar e usar".
Vale lembrar que muitas das marcas que fugiram do Twitter, devido o comportamento errático de Elon Musk, ainda não voltaram a anunciar na plataforma.
A favor do Twitter, está um ponto que Musk não tem como se gabar: pr0n. Tradicionalmente, nenhum aplicativo da Meta suporta conteúdo explícito, e o mesmo deve acontecer com o Threads. O BlueSky também restringe nudez, e o Mastodon é o único que deixa a cargo dos responsáveis dos servidores, sobre proibir ou não.
Oficialmente, o Twitter não endossa pr0n, e possui ferramentas para ocultar tais postagens e seus usuários (shadowbanning), mas a verdade é que esses conteúdos não podem ser monetizados, mesmo que contem com um grande público.
Claro, se por um acaso Musk decidir proibir pr0n no Twitter, de modo a fazer mais dinheiro, a debandada será geral, mas o mais favorecido seria o Mastodon, não o Threads.
De qualquer forma, as primeiras semanas do novo app do Meta deverão ser bem interessantes, ainda mais dependendo de como Musk reagir ao primeiro jab desferido por Zuck.