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Apple e a "guerra silenciosa" contra o Google

Apple nunca abandonou a guerra contra o Google iniciada por Steve Jobs; empresa estaria desenvolvendo algoritmos de busca e anúncios

1 ano atrás

Apple e Google travam uma guerra pela hegemonia do mercado de tecnologia há 15 anos, desde o dia em que a gigante das buscas anunciou o Android, e Steve Jobs percebeu que foi traído pela "parceira".

Na época, o CEO da maçã deu início a uma "guerra termonuclear" contra a rival, ao considerar o sistema do robozinho um produto roubado, copiado do iOS na cara dura. Hoje, a Apple estaria prestes a executar seu plano, graças a indícios de que ela pode entrar nos dois principais mercados do Google: busca e anúncios.

Steve Jobs jurou destruir o Google, por considerar o Android um produto roubado; Apple teria passado a última década estudando como fazê-lo (Crédito: Ronaldo Gogoni/Meio Bit)

Steve Jobs jurou destruir o Google, por considerar o Android um produto roubado; Apple teria passado a última década estudando como fazê-lo (Crédito: Ronaldo Gogoni/Meio Bit)

No princípio, Apple e Google eram empresas que trabalhavam em conjunto, o suficiente para que Eric Schmidt, o então CEO da gigante das buscas, fosse admitido entre o corpo de conselheiros de Cupertino em 2006. No ano seguinte, Steve Jobs apresentou o iPhone ao mundo, produto este que revolucionou tudo, da telefonia celular à forma como consumimos conteúdo.

O que Jobs não sabia, é que o Google já estava desenvolvendo um produto similar próprio, graças à compra da Android Inc. em 2005, uma empresa fundada um ano antes por Andy Rubin, e inicialmente voltada ao desenvolvimento de sistemas operacionais para câmeras digitais.

O projeto foi movido para celulares, mas quando o iPhone foi apresentado, o desenvolvimento foi para o lixo e recomeçou do zero, desta vez com foco em telas touch; originalmente, o Android seria bem mais próximo dos antigos smartphones da BlackBerry. Apenas em agosto de 2008, o HTC Dream, o primeiro smartphone Android, foi introduzido no mercado, um mês depois do iPhone 3G, que já era bem popular.

Jobs não só não gostou do Android, como ficou FURIOSO com o Google, e claro, com Schmidt. A presença do executivo-chefe da agora rival no conselho foi tratada como uma infiltração, uma forma de Mountain View ficar a par das ideias mais recentes da Apple, e implementá-las no Android. O outrora "amigo" foi removido do conselho em 2009, mas Jobs carregou o rancor com ele, a sensação de que foi traído, para o túmulo.

E ele estava disposto não só a retaliar, como se empenhou a destruir completamente o Android, e por tabela, o Google. Em entrevista ao biógrafo Walter Isaacson em 2010, Jobs descreveu o ódio que nutria, em referência ao recente lançamento do HTC Magic, que implementava um recurso então exclusivo do iPhone e do recém-chegado iPad, a funcionalidade multitouch:

Steve Jobs se sentiu traído por Eric Schmidt, na época CEO do Google e membro do conselho da Apple (Crédito: Paul Sakuma/AP)

Steve Jobs se sentiu traído por Eric Schmidt, na época CEO do Google e membro do conselho da Apple (Crédito: Paul Sakuma/AP)

"Eu vou lutar até meu último suspiro e gastar cada centavo dos US$ 40 bilhões que a Apple tem em caixa, para corrigir esse erro. Eu vou destruir o Android, porque ele é um produto roubado. E estou disposto a iniciar uma guerra termonuclear para isso."

Ainda em 2010, Jobs e Schmidt foram vistos conversando em um café em Palo Alto, no que veículos de mídia especularam que os executivos estariam buscando se reconciliar. Jobs, no entanto, revelou o conteúdo da conversa posteriormente a Isaacson: ele havia chamado o CEO do Google para deixar claras as suas intenções.

"Eu não quero o seu dinheiro. Se você me oferecer US$ 5 bilhões, eu não vou aceitar. Eu já tenho dinheiro suficiente. Eu quero que vocês (o Google) parem de usar nossas ideias no Android, é isso o que eu quero."

Do outro lado, Schmidt nega que haviam desavenças entre os dois, e chegou a dizer que Jobs era seu herói pessoal, mas até aí, ele já havia morrido. No entanto, antes de partir, ele teria passado à frente o desejo de aniquilar o Google à Apple, sob quaisquer meios necessários, o que, ao longo dos tempos, foi cultivado como um rancor permanente.

De fato, a maçã teria passado os últimos 12 anos estudando formas de cumprir a promessa feita a Jobs; segundo fontes internas, a Apple teria passado esse tempo administrando uma "guerra silenciosa", desenvolvendo recursos que permitiriam à companhia se distanciar completamente, e, simultaneamente, concorrer com Mountain View nos mercados que ela hoje domina, com a intenção de superá-la.

Os alvos são os três mais óbvios, a tríade de algoritmos que mantém o Google em pé: geolocalização, busca, e anúncios.

O lançamento do Apple Mapas foi um desastre, mas hoje, ele é mais usado que o Google Mapas em dispositivos Apple (Crédito: Divulgação/Apple)

O lançamento do Apple Mapas foi um desastre, mas hoje, ele é mais usado que o Google Mapas em dispositivos Apple (Crédito: Divulgação/Apple)

O Apple Mapas foi o primeiro produto, e até agora o único, a ser lançado, mas sofreu com o ranço enorme ainda latente, que o levou a ser introduzido prematuramente em setembro de 2012, em um estado inacabado e nada confiável. Como resultado, o epic fail espetacular levou a um pedido de desculpas formal do CEO Tim Cook, "pela frustração causada aos consumidores".

Com o tempo o serviço foi se emendando, corrigindo os bugs mais crassos e aprimorando suas soluções, e em apenas dois anos, superou o Google Mapas em uso no iPhone. Hoje, o Apple Mapas oferece recursos ausentes no rival, como, por exemplo, o Business Connect permitir a empresas integrarem seus endereços ao Apple Pay, para reservas e pedidos.

Os dois setores restantes são mais complicados, e vale lembrar que a Apple lucra alguns bilhões anualmente ao permitir que o Google Search seja o motor de busca padrão no Safari, mas a verdade é que a maçã não precisa desse dinheiro. O Google, por outro lado, foi feito de refém, com hoje a maioria das pesquisas em seu motor vindo de dispositivos da maçã.

Em 2013, a Apple adquiriu a Topsy Labs, uma companhia de análise de métricas do Twitter, e implementou sua tecnologia nas buscas da Siri, das telas de início do iPhone e iPad, e do recurso Spotlight do macOS. Em 2019, o time recebeu o reforço da Laserlike, uma empresa de aprendizado de máquina focada em conteúdo online, para oferecer melhores resultados de busca.

Introduzir um motor de busca, um Apple Search, exclusivo para seus produtos e padrão no Safari, Spotlight, Siri e busca na Home, sem opção de alteração, seria uma empreitada cara, tanto pelos gastos envolvidos, quanto pelo corte dos bilhões anuais do Google. Além disso, é bem possível que o produto em si seja inferior, mais próximo de um DuckDuckGo, quase um Bing, mas longe do Google Search. Ainda assim, valeria a pena por um motivo: confiança.

iPhone com Busca do Google aberta no navegador Safari (Crédito: Ronaldo Gogoni/Meio Bit)

iPhone com Busca do Google aberta no navegador Safari (Crédito: Ronaldo Gogoni/Meio Bit)

A Apple ganhou muitos pontos com seu público ao implementar, em 2021, a política anti-rastreamento de apps, que impede a coleta cruzada de informações, e que fez empresas como Meta e Twitter perderem muito dinheiro.

Caso a maçã apresente um motor de busca razoavelmente preciso, que se comprometa a seguir a política anti-coleta de dados, usuários de iPhones, iPads e Macs VÃO preferir o tal Apple Search, e dispensarão o Google Search sem cerimônia. Isso, por si só, representa um golpe duríssimo para a gigante das buscas, que pode abalá-la em seu cerne.

Da mesma forma, é o algoritmo de anúncios, de longe o produto do qual a Alphabet Inc., holding do Google, depende para viver; 80% de seu faturamento anual vem dele. Em meados de 2022, Cupertino anunciou uma vaga de emprego para um profissional de DSP, ou Demand-Side Platform, um sistema que automatiza a compra de mídia (anúncios).

O anúncio indica que a Apple está ativamente construindo uma plataforma própria para compra e entrega de anúncios em seus aparelhos, que pode (ou não) ser oferecida fora de seu ecossistema, e mesmo que não seja, significaria mais uma porta fechada na cara do Google, e a perda de um mercado consumidor gigantesco; para anunciar no iPhone, as empresas seriam obrigadas a comprar campanhas na sua mão.

Segundo o analista Andrew Lipsman, da Insider Intelligence, o movimento sincronizado da Apple em buscas e anúncios, corroborado por fontes internas (o Apple Search estaria em vias de ser lançado) deixou a Alphabet "mais vulnerável do que nunca", com um atual cliente se preparando para concorrer em seus principais mercados, e não de igual para igual, mas expulsando a rival de seus produtos, e blindando ainda mais as gaiolas douradas de seus consumidores, que dão valor à experiência de uso sobre a liberdade de escolha.

No mais, só nos resta aguardar para descobrir se a Apple está mesmo disposta a finalmente jogar os nukes em cima do Google, como Steve Jobs tanto queria.

Fonte: Financial Times

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