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Precisamos falar sobre os jogos roguelike/roguelite

Os jogos do tipo roguelike/roguelite tomaram a indústria de games, mas será que só eu estou farto dessa mistura de permadeath com fases aleatórias?

2 anos atrás

A menos que você não tenha jogado nada lançado de uma década para cá, é provável que já tenha esbarrado em um roguelike/roguelite. Adorado pelos desenvolvedores indies, as mecânicas desse subgênero foram implementadas em muitos títulos nos últimos anos, a ponto de eu não poder mais ouvir essas palavras. Porém, o problema estaria na excesso de jogos assim, ou na qualidade que eles nos entregam?

Hades, um dos melhores roguelike

Crédito: Divulgação/Supergiant Games

Mas antes de continuar a minha crítica à maneira como os roguelike dominaram a indústria de games, é preciso entender o que é um jogo assim e quais as diferenças para seu meio-irmão, os roguelite.

Cravar a origem desse estilo não é uma tarefa simples, com algumas pessoas considerando o Beneath Apple Manor (lançado em 1978 para Apple II) como o precursor do gênero. Porém, foi apenas em 1980, quando Michael Toy e Glenn Wichman criaram um jogo em ASCII chamado Rogue, que ele realmente decolou. Bastante popular entre os estudantes e programadores da época, muitas variantes começaram a ser desenvolvidas.

Inicialmente, quase sempre eles eram jogos de RPG que se passavam em mundos de fantasia no estilo Dungeons & Dragons, com o jogador tendo que explorar fases geradas aleatoriamente e com os combates acontecendo por turnos. Contudo, a característica mais marcante do gênero era a morte permanente (permadeath), ou seja, se o nosso personagem morresse, teríamos que começar a aventura do zero.

De acordo com a International Roguelike Development Conference, realizada em 2008 na capital da Alemanha, ficou convencionado que, para poder ser considerado um roguelike, o jogo precisaria responder a alguns critérios. Conhecido como Berlim Interpretation, o conjunto de regras falava sobre os elementos citados anteriormente, além de a ação acontecer sempre na mesma tela (sem transições para batalhas, cutscenes, etc.); não haver elementos em tempo real e os movimentos funcionarem por grid; oferecer diversas soluções para um mesmo problema; ter a luta contra inimigos como foco; e ter ênfase na exploração e descoberta.

Porém, as mecânicas do gênero começaram a ser aproveitadas por outros estilos de jogos, dando origem a títulos adorados por muitas pessoas, como Spelunky, The Binding of Isaac, FTL: Faster Than Light ou mais recentemente, o Hades. O problema é que por eles se distanciarem tanto dos títulos que fundaram as bases do gênero (Rogue, Linley's Dungeon Crawl,  ADOM, Angband e NetHack), os puristas ficaram incomodados, principalmente por essa nova geração de jogos ser mais flexível em relação às regras. Então, para distingui-la da antiga, criou-se os temos roguelite e roguelike-like.

Particularmente, sempre considerei preciosismo fazer essa distinção entre os estilos. Para mim, ao classificarmos um jogo como Dead Cells ou Rogue Legacy como um roguelite (ou pior, um roguelike-like) fica a impressão de que são inferiores e por isso não considero errado dizer que eles também possam ser estar ao lado dos títulos que deram origem ao termo. Portanto, não estranhe ao me ver tratá-los como roguelike.

Terminologias a parte, uma característica que se tornou comum nos ditos roguelite é a manutenção de itens ou habilidades mesmo após fracassarmos em nossa aventura. Com isso, a próxima incursão no jogo tenderá a ser mais fácil que a anterior, servindo como um fator de motivação para o jogador. Pois essa mecânica foi tão bem recebida pelos jogadores que se tornou padrão em muitos títulos indie e é aí que entra a minha insatisfação.

O desafio no jogo e a “facilidade” no desenvolvimento

Dead Cells é um roguelike de platforma

Dead Cells, esse me conquistou (Crédito: Divulgação/Motion Twin)

A quantidade de títulos que se vendem como um roguelike (ou roguelite) exageradamente nos últimos anos, com todo projeto aparentemente tentando se tornar um novo Spelunky ou The Binding of Isaac. Mas o que leva os estúdios indies a se escorarem tanto nessa ideia? Pois existem duas possíveis explicações para o gênero ter se tornado uma tendência.

A primeira delas é o maior nível de dificuldade que está diretamente relacionado a morte permanente, algo que daria uma certa credibilidade a esses títulos, principalmente entre o público mais velho. Quem cresceu jogando nos antigos consoles ou nos fliperamas sabe que nos primórdios, morrer num jogo significava termos que voltar ao início. Porém, aquelas obras foram feitas para sessões curtas, com a repetição não sendo um problema.

Os games então chegaram aos computadores, onde a limitação de espaço não era um problema e aquilo permitia a criação de aventuras maiores e mais complexas. Outra novidade era a capacidade de salvarmos o progresso, mas enquanto essa facilidade funcionava bem para alguns jogos, aqueles que se valiam da aleatoriedade podiam ser “quebrados”, bastando ao jogador carregar o último save e torcer para ter um caminho melhor pela frente.

Foi aí que entrou a ideia da morte permanente, já que ela forçava o jogador a encarar uma campanha quase perfeita para poder chegar ao seu final. Por outro lado, se não for bem implementada, essa mecânica costuma ser bastante frustrante, afinal nunca sabemos o que encontraremos pela frente e uma maneira de amenizar o problema foi permitir que o jogador mantivesse alguma evolução, como acontece nos roguelite.

Retrato de um jogador de roguelite (Crédito: Divulgação/Edmund McMillen/Florian Himsl)

Já a outra provável motivação para os indies gostarem tanto de criar jogos assim estaria na redução do custo de desenvolvimento. É por isso que o gênero costuma apostar nos estágios gerados proceduralmente, já que dessa forma eles fogem da necessidade de investir tempo e dinheiro na criação manual das fases.

Ao contrário do que acontece nos estágios feitos a mão, neste método boa parte do trabalho fica a cargo de um algoritmo, com o estúdio precisando “apenas” dar os retoques finais e a quantidade de fases geradas sendo virtualmente infinita.

Porém, ao deixar que um código crie o desafio que as pessoas encontrarão pela frente, o desenvolver fica nas mãos de algo que pode ser fatal para um roguelike, que é fazer com que a aventura dependa muito da sorte. Imagine você passar horas se dedicando a aprender o sistema de um título, acreditar que está com um personagem preparado par o que vier pela frente e quando chega numa determinada fase, perceber que ela é praticamente impossível de ser vencida?

Spelunky me divertiu... até lá pela 4.ª ou 5.ª tentativa (Crédito: Divulgação/Massmouth)

Num título em que o desafio costuma estar acima da média do que encontramos hoje em dia, essa sensação de ter sido “traído pelo destino” pode ser a diferença entre seguirmos tentando ou simplesmente colocar o jogo de lado, partindo para algo mais justo. Some a isso o fato de termos que recomeçar toda a escalada e pronto, a tentação para pularmos para outro jogo — preferencialmente um que não seja roguelike — acaba sendo muito grande.

Com isso não estou reclamando de títulos com um nível e dificuldade elevado, mesmo porque os jogos criadores pela FromSoftware estão entre os meus favoritos e por mais que algumas pessoas até defendem que a série Souls tenha um quê de roguelike/lite, se tem algo que não a considero, é injusta.

Talvez o meu problema com títulos assim então esteja na falta de tempo e por isso em não conseguir me dedicar a eles como merecem. Neles a insistência, a habilidade e como dito antes, um pouco de sorte costumam ser recompensados, mas com tantos jogos à minha disposição, a preguiça e o fato de raramente ver algo novo nos roguelike tem falado mais alto.

A beleza está nos olhos de quem vê

O lindo (e desafiador) Darkest Dungeon (Crédito: Divulgação/Red Hook Studios)

Mesmo assim, de tempos em tempos surge algum roguelite que consegue chamar minha atenção, seja pela sua direção artística, seja por uma premissa diferente, ou seja pelo simples burburinho que o jogo tem causado na internet.

Isso aconteceu quando o Hades foi lançado e após resistir a adquiri-lo, acabei cedendo. O resultado foi apenas alguns minutos dedicados à criação da Supergiant Games, com ele tendo me parecido muito bonito, com uma boa jogabilidade, mas falhando em me conquistar. O mesmo aconteceu com o Sifu, com o Darkest Dungeon, com o Slay the Spire e com o Enter the Dungeon.

Para os fãs de roguelike e que a esta altura já devem estar querendo me crucificar, não ter me interessado tanto por esses jogos não quer dizer que os considere ruim, muito menos que vocês deveriam abandoná-los. Eu realmente consigo enxergar o motivo para as pessoas os adorarem, mas talvez eu apenas não esteja num momento em que algo assim seja capaz de me prender.

Curiosamente, jogos como Dead Cells, Rogue Legacy ou Deathloop estão facilmente entre os que mais gostei nos últimos anos, mesmo com eles adotando vários conceitos dos roguelite. Eu sinceramente não sei explicar o motivo para isso ter acontecido e provavelmente são eles que me fazem continuar apostando em jogos assim.

Pode ser então que um dia eu encontre outro roguelike/roguelike que consiga me agradar e até faça com que eu passe a ver todo o gênero de outra maneira. Pode ser que isso aconteça quando eu finalmente der uma chance a algo como o Loop Hero ou Returnal, mas até lá, continuarei revirando os olhos sempre que souber que um projeto que me parecia tão promissor também aderiu a essa moda.

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