Ronaldo Gogoni 26/09/2024 às 11:13
Já está mais do que claro que a China não pretende ficar para trás no desenvolvimento tecnológico, e está contornando as sanções impostas pelos Estados Unidos, no que empresas do país não podem fazer negócios com outras de fora, de diversas formas. De fazer engenharia reversa nos equipamentos da ASML, a refinar designs e implementá-los em produtos próprios, vale tudo.
A Huawei, uma das primeiras companhias a sofrer restrições de Washington, vem apresentando novos produtos com tecnologias locais refinadas de processos mais antigos, mas a distância entre componentes chineses e os demais está diminuindo, e rápido, para tornar o país autossuficiente. Um exemplo disso é o laptop Qingyun L540, lançado em 2023 e recentemente desmontado no ocidente, o que revelou detalhes interessantes.
A Huawei entrou para a lista de entidades não-confiáveis da Casa Branca em 2019, o que bloqueou aos chineses o acesso a tecnologias, produtos e serviços desenvolvidos com know-how norte-americano, ou com envolvimento (interesses) do país.
De cara, seus dispositivos não mais poderiam rodar Android e Google Services, e posteriormente as restrições foram ampliadas, se estendendo a componentes de companhias como Qualcomm, Broadcom, SK Hynix, Xilinx, e várias outras. Outras empresas chinesas, como a foundry semi-estatal SMIC (Semiconductor Manufacturing International Corp.), e a ZTE, também estão na lista.
A China, claro, respondeu com sua própria lista de entidades não-confiáveis, proibidas de fazer negócios com empresas chinesas no sentido contrário, que inclui Boeing, Lockheed Martin, General Atomics, e outras. Algumas outras empresas, como Apple, Tesla, Intel, AMD, e Microsoft até podem operar no país, mas vêm sofrendo represálias e sendo preteridas pela prata da casa, com o governo do premiê Xi Jinping impondo mudanças à força.
Esse atrito entre Washington e Pequim não veio de graça. Em 2015, o premiê Xi anunciou o plano MIC 2025 (de Made in China), para reposicionar a nação, de "fábrica do mundo" para líder em tecnologia em todos os setores, atingindo autossuficiência e competindo com as gigantes globais do setor, para eventualmente assumir a liderança do mercado.
As sanções impostas por EUA e União Europeia foram uma resposta ao plano de desenvolvimento chinês, o que entenderam como uma ameaça a seus negócios, mas especialistas entendem que não importa o que façam, a China não será freada. Pode ficar para trás em relação aos demais, mas mesmo isso será temporário.
O que nos traz à Huawei. Em 2023, a companhia apresentou o Mate Pro 60, um smartphone equipado com o SoC Kirin 9000s, desenvolvido pela sua foundry subsidiária HiSilicon, também inclusa na lista negra dos EUA, e impresso pela SMIC. Ele é um chip de 7 nm, um processo de litografia que os chineses não deveriam ser capazes de desenvolver, mesmo tendo usado um método "antigo", o que deixou o governo dos EUA fulo nas calças com meio mundo.
A HiSilicon também desenvolve outros chips para dispositivos diversos em 7 nm, um deles voltado para desktops, que são em sua maioria usados pelo governo. Na mesma categoria entra o Qingyun L540, um laptop que Pequim vem posicionando como a espinha dorsal do movimento de limar o Windows w hardware da Intel e AMD de suas repartições.
O SoC presente no laptop, o Kirin 9006C, é um rebranding do 9000E, um octa-core impresso em 5 nm usando designs ARM de 2020, que a Huawei ainda tinha acesso através da taiwanessa TSMC, antes desta também ser impedida de negociar com a China; ele possui um núcleo de 3,1 GHz, três de 2,5 GHz, e quatro de 2 GHz.
Sua GPU, a Mali-G78 MP22 de 759 MHz, alcança 1068,7 GFLOPS in FP32, tem suporte a LPDDR4X-2133 e LPDDR5-2750, 5G e Wi-Fi 6. Para um notebook corporativo destinado ao serviço em instalações públicas estatais, ele é até bem interessante.
O desmonte do Qingyun L540 também revelou algumas outras particularidades. O chip de Wi-Fi e Bluetooth também foi desenvolvido pela HiSilicon, enquanto seus amplificadores de áudio são de outra companhia chinesa, a Goodix. Seu SSD M.2 de 512 GB é da sul-coreana SK Hynix, vindo de um estoque anterior ao embargo imposto, confirmado pela empresa ao Financial Times, responsável pelo desmonte, ao dizer em nota que observa o embargo desde a notificação oficial.
Já o controlador USB, da norte-americana Microchip, não teve coom ter sua data de fabricação confirmada, e a empresa não respondeu a contatos do site, para explicar por que um de seus componentes está presente em um laptop chinês recente.
O software também é totalmente voltado ao mercado interno, com o SO sendo o Unity Operation System, ou UOS, uma distribuição Linux local baseada no Debian, defendida pelo governo como a escolha nacional frente ao Windows. Sua suíte de produtividade é fornecida pela também chinesa Kingsoft, no que seu editor de texto WPS é aquele que censurou um livro antes mesmo de ser publicado.
Segundo a análise dos componentes, o grupo TechInsights, que colaborou com o desmanche, diz que empresas chinesas respondem por US$ 109 dos US$ 182 em preço de custo, dos componentes presentes no L540, o que é incomum, mas mostra que o País do Meio está fazendo por onde para correr atrás do prejuízo, e não ficar para trás eternamente.
Espera-se que a China priorize o desenvolvimento interno para suprir suas necessidades, primeiro as estatais, e depois as da população, para atender ao plano de se livrar da dependência de produtos externos, e posteriormente exportar suas soluções para o resto do mundo, o que por mais que os EUA e a UE não gostem, estimula a competição e avança o desenvolvimento.
No mais, está mais que provado que os embargos não só não conseguiram deter a evolução tecnológica da China, como tiveram o efeito contrário, ao estimular o setor para encontrar novas formas de evoluir, dando voltas nas adversidades impostas.
Fonte: Financial Times