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UE fica para atrás no espaço, e vai depender da SpaceX

Atrasos do Ariane 6 e orçamento restrito levam ESA e UE a depender da rival SpaceX, de Elon Musk, para lançamentos críticos

23 semanas atrás

Agora é oficial, a Agência Espacial Europeia (ESA) e a União Europeia (UE) perderam o bonde para o Espaço. Nesta segunda-feira (6), os governos da França, Alemanha e Itália anunciaram a liberação de um fundo adicional para garantir o lançamento do foguete Ariane 6 quanto antes, de 340 € milhões por ano (~R$ 1,77 bilhão, cotação de 07/11/2023).

Assim, o orçamento do problemático foguete passará a ser de 880 € milhões/ano (~R$ 4,57 bilhões), se as estimativas anteriores estiverem corretas, visto que a ESA não informa aos contribuintes quanto o foguete custa; ainda assim, a UE não tem nada imediatamente pronto para lançamentos críticos, e assim, se viu forçada a fechar contratos com sua mais odiada rival: a SpaceX de Elon Musk.

Ariane 6: um dia vai, mas ninguém sabe quando (Crédito: Divulgação/European Space Agency) / UE

Ariane 6: um dia vai, mas ninguém sabe quando (Crédito: Divulgação/European Space Agency)

Ariane 6, custos e problemas

A ESA e a UE acabaram se enrolando com as dimensões de sua ambição de garantir a hegemonia do Velho Mundo na exploração espacial, mas sem o compromisso de injetar a verba necessária para tal. Basicamente, os legisladores do bloco esqueceram da máxima "quem quer rir, tem que fazer rir", e deixaram a agência espacial para correr atrás do prejuízo com trocados.

Não obstante, o Ariane 6 foi o resultado de uma decisão na contramão da mudança de desenvolvimento aeroespacial, forçada pela SpaceX e seus módulos reutilizáveis, que se mostraram perfeitamente seguros e capazes de cumprir o que se propõem a fazer. Mesmo a NASA, que não acreditava nos projetos da companhia de Elon Musk sobre foguetes tradicionais, como o SLS, teve que aceitar os Falcon após o sucesso inegável da missão Crew Dragon.

É importante lembrar que mesmo em casa, Elon Musk é persona non grata entre políticos; ninguém no Congresso vai com a cara do CEO da SpaceX (um dos poucos assuntos em que há consenso bipartidário) o suficiente para dar à Spaceship as rédeas do Programa Artemis, e assim, ela será usada como um mero backup do SLS, em um procedimento para lá de complexo.

A Boeing, assim como Lockheed Martin, Northop Grumman e outras, ainda gozam de muito prestígio junto ao governo, e Musk não é dado a fazer lobby, diferente de Jeff Bezos, que vem garantindo contratos para sua Blue Origin, mesmo sem nunca ter mandado nem um parafuso para o Espaço.

Enquanto SpaceX e Blue Origin investiram em foguetes reutilizáveis, a ESA acreditou que, assim como a NASA com o SLS, o Ariane 6 deveria suceder o Ariane 5 mantendo o mesmo design não recuperável, uma decisão tomada para conter gastos, e para evitar cortes de pessoal não habituado a um design reutilizável. Só que isso teve um custo.

Originalmente, a UE queria que o Ariane 6 custasse a metade do 5, e tivesse um tíquete final próximo do Falcon 9, que custa 63 € milhões/lançamento (~R$ 327,35 milhões), mas não só os custos começaram a aumentar, como o projeto enfrentou um atraso atrás do outro.

Com o orçamento adicional, somado à estimativa do budget atual de 140 € milhões/ano (~R$ 728,1 milhões), e se considerarmos a média anual de lançamento da ESA com o Ariane 5 de 5 lançamentos por ano, e aumentarmos a cadência em apenas um adicional, teremos cada lançamento custando 146,7 € milhões (~R$ 762,8 milhões).

Ainda que cada Ariane 6 saia mais em conta que o Ariane 5 (178 € milhões por missão, ~R$ 925,46 milhões), estamos falando de um custo mais que o dobro que a SpaceX gasta com o Falcon 9. E mesmo assim, a UE injeta uma mera fração do que o governo dos Estados Unidos com a NASA, e mesmo nações do bloco desembolsam mais de forma independente, como França e Alemanha.

Até mesmo a Rússia, bancando simultaneamente a invasão à Ucrânia, botou mais grana na Roscosmos em 2022 (US$ 3,42 bilhões), ainda que boa parte dela tenha sido deslocada para recrutamento e treinamento de milícias.

Orçamento da ESA em 2022 foi 23,8 vezes menor do que o injetado pelos EUA na NASA, no mesmo período (Crédito: Euroconsult/EC/Statista)

Orçamento da ESA em 2022 foi 23,8 vezes menor do que o injetado pelos EUA na NASA, no mesmo período (Crédito: Euroconsult/EC/Statista)

O aumento do orçamento para o Ariane 6 resolve o problema de financiamento, ainda que o alívio para os cofres público, como era a promessa original, tenha ido definitivamente para a cucuia, mas com o Ariane 5 devidamente aposentado, a ESA e a UE não têm absolutamente nada pronto para lançamentos críticos a curto prazo.

A solução, por mais que os legisladores europeus não quisessem admitir, tinha nome e sobrenome: Elon Musk.

SpaceX, o "remédio amargo" para a UE

Quando a SpaceX apresentou planos sólidos para lançamentos aeroespaciais com seus foguetes Falcon, cobrando bem menos por missão graças à economia com seus designs recuperáveis, as agências europeias locais subiram nos tamancos, com o que classificaram como "concorrência desleal", como de praxe.

Só que a companhia de Musk, comandada pela eficiente CEO COO Gwynne Shotwell, cumpre todas as determinações e exigências governamentais, e não passa na frente de forma ilegal; para desespero dos políticos, todos os procedimentos para a competição justa são seguidos à risca, a SpaceX se destaca unicamente por ser a que oferece os melhores produtos, pelos menores preços.

Claro, os europeus continuam não gostando de um estrangeiro dominando o mercado europeu aeroespacial. França e Itália pressionaram a UE para investir mais pesadamente no Ariane 6 e no Vega-C, de suas respectivas companhias e agências internas, mas o tempo mostrou que isso não deu em nada.

O tempo continuava passando, e o cronograma para lançamentos de satélites para expansão do sistema de geoposicionamento Galileo, e da missão Euclid para estudo da matéria escura, estavam se aproximando, e assim, a ESA se viu forçada a fechar contratos com a SpaceX, por não ter mais a quem recorrer.

A ESA jura que o voo inaugural do Ariane 6 será realizado no dia de Natal, para replicar o lançamento do Telescópio Espacial James Webb em 2021, que subiu em um Ariane 5, mas mesmo isso não está 100% garantido. Em contrapartida, o acordo para as missões do Galileo é o primeiro fechado entre ESA e SpaceX que envolve informações confidenciais, tal qual os garantidos com a Força Espacial dos EUA.

A ESA tentou evitar, mas no fim, agendou lançamentos para o sistema Galileo com a SpaceX de Elon Musk (Crédito: Reuters)

A ESA tentou evitar, mas no fim, agendou lançamentos para o sistema Galileo com a SpaceX de Elon Musk (Crédito: Reuters)

Graças às trapalhadas com o Ariane 6 e o investimento raquítico na exploração espacial, quando comparado aos EUA e à China, a UE não tem hoje chances de se tornar autossuficiente, muito menos dominante no cenário global, e periga acabar como uma mera espectadora e cliente dos grandes players externos ao bloco, como a SpaceX, para a diversão de Musk, após este receber outrora o habitual desdém dos legisladores locais.

Claro que a Europa deve, e irá ao menos tentar, correr atrás do prejuízo, mas isso envolve agora dedicação total e muita grana, por não terem nada perto dos Falcon 9, e há poucas chances de ganharem mais espaço insistindo no design descartável, a menos que mirem no SLS e olhe lá, se lembrarmos da Starship.

Fonte: Ars Technica, The Next Web

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