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Ariane 6: foguete da ESA sairá caro para a UE

Contrariando expectativas, custo anual das missões do Ariane 6 será o mesmo que as do Ariane 5, e bem mais que o Falcon 9 da SpaceX

25 semanas atrás

A ESA (Agência Espacial Europeia) tem no foguete Ariane 6 sua própria "obra de igreja", bem similar à NASA e o enrolado SLS. Projetado para suceder o Ariane 5, já devidamente aposentado, ele deveria ter entrado em operação em 2022, mas atraso após atraso jogou seu voo inaugural para 2024, se nada mais der errado.

Projetado no início dos anos 2010, o custo do lançamento do Ariane 6 seria, em tese, bem menor que o do Ariane 5, o que o colocaria em um patamar competitivo com o Falcon 9 da SpaceX, mesmo não sendo reutilizável. No entanto, projeções recentes revelaram que, na prática, a ESA não vai conseguir economizar um centavo sequer.

Ariane 6 deve entrar em operação em 2024, mas lançamentos não vão sair baratos para a ESA (Crédito: Divulgação/European Space Agency)

Ariane 6 deve entrar em operação em 2024, mas lançamentos não vão sair baratos para a ESA (Crédito: Divulgação/European Space Agency)

O Ariane 6 vem sendo há anos tratado como uma caixinha-surpresa. Nem a ESA, nem a Arianespace, comentam em público os detalhes sobre o desenvolvimento do foguete, que deverá assumir as obrigações do Ariane 5 para lançamento de satélites.

Com o último lançamento deste realizado em julho de 2023, a Europa não possui nada minimamente semelhante ao Falcon 9 da SpaceX em operação, mas já tem 18 lançamentos reservados para o Projeto Kuiper, a versão da Amazon do StarLink.

Os atrasos envolvem uma série de fatores, como o desenvolvimento dos motores Vulcain 2.1 da Safran Aircraft, que equipam o foguete; um teste estático foi realizado em setembro de 2023, mas daí a sair voando, são outros quinhentos.

A outra questão, e a mais importante, envolve o custo. A Arianespace e a ESA haviam planejado o Ariane 6 para que um lançamento idealmente custasse a metade de um do Ariane 5, só que nenhuma agência divulgou os valores oficiais, nunca. Embora o foguete seja financiado com dinheiro público, os cidadãos europeus simplesmente não sabem quanto estão pagando pelo desenvolvimento dos foguetes da UE.

As estimativas mais razoáveis, tendo em vista o custo geral de desenvolvimento de foguetes, fixa o valor do lançamento de um Ariane 5 em 150 € milhões (~R$ 800,72 milhões, cotação de 16/10/2023); se o Ariane 6 chegasse mesmo a 75 € milhões (~R$ 400,36 milhões), isso o tornaria uma opção interessante para companhias frente ao Falcon 9, cujo lançamento custa hoje em torno de 63 € milhões (~R$ 336,19 milhões), mesmo sendo descartável.

Só que este não é mais o caso. Em junho de 2023, durante a Paris Air Show, Toni Tolker-Nielsen, diretor do departamento de Transporte Espacial da ESA, admitiu que a marca de 50% do custo do Ariane 5 não é mais possível de ser alcançada; ao invés disso, o custo do Ariane 6 deverá ser de 60% por lançamento em comparação ao seu antecessor, ou seja, 90 € milhões (~R$ 480,13 milhões), mais de 50% mais caro que o Falcon 9.

Claro, não para por aí.

Ariane 6, subsídios, e o europeu que pague a conta

Em setembro de 2023, Stéphane Israël, CEO da Arianespace, disse que o custo para a construção do Ariane 6 "estava subindo", sem mencionar valores reais, e que os reajustes seriam repassados para o preço final a ser pago pela ESA por lançamento. A matriz ArianeGroup, para remediar a situação, estaria recorrendo ao governo para conseguir mais subsídios, isto, é, dinheiro público.

Os custos por lançamento do Falcon 9 são menores, mas a ESA dificilmente fecharia com a SpaceX (Crédito: Divulgação/SpaceX)

Os custos por lançamento do Falcon 9 são menores, mas a ESA dificilmente fecharia com a SpaceX (Crédito: Divulgação/SpaceX)

Conforme reportado pelo site La Tribune, o grupo pleiteia por um aumento substancial na verba anual, fixada em 2021 em 140 € milhões (~R$ 747,17 milhões), para 350 € milhões (~R$ 1,87 bilhão), por ano, o que gera um problema para o plano original, de economizar nos lançamentos, por conta da cadência da Arianespace.

Tomemos como base o ritmo de missões do Ariane 5: em média, a ESA conseguia fazer 5 lançamentos por ano, o que, com base nos custo estimado, implicava em um valor anual do programa de 750 € milhões (~R$ 4 bilhões)porém, com o adicional dos 140 € milhões, o custo final aos cofres públicos era de 890 € milhões/ano, ou 178 € milhões por missão.

Supondo que as companhias envolvidas consigam estabelecer uma média de 6 lançamentos do Ariane 6 por ano, e na possibilidade do aumento do subsídio ser aprovado, são 540 € milhões mais 350 € milhões, chegando aos mesmos 890 € milhões; ainda que cada foguete saia mais em conta (148,3 € milhões), na prática, a UE não vai economizar nenhum centavo do contribuinte, que era a proposta original.

A única forma dos custos compensarem seria se a Arianespace e a ESA aumentassem significativamente a cadência dos lançamentos do Ariane 6, quando comparado ao Ariane 5; no cenário atual, o europeu continuará pagando caro pelas missões, quando o passo mais lógico seria economizar, e a única forma de fazer isso hoje, seria fechar com a SpaceX, o que não acontecer por dois fatores:

Primeiro, boa parte dos voos do Ariane 6 foram agendados pela Amazon, para os satélites do Projeto Kuiper, e é fato conhecido que hoje, Jeff Bezos e Elon Musk não se bicam; segundo, a ESA não quer depender de jeito nenhum da SpaceX, ao ponto de agências locais exigirem uma "resposta tecnológica" à altura dos Falcon reutilizáveis.

O grande problema do Ariane 6 está no fato dele já nascer ultrapassado. Embora potente, ele é um foguete "tradicional", ou seja, descartável, o que eleva em muito os custos de produção. Caso ele fosse recuperável, o valor por lançamento seria imensamente amortizado, e permitiria uma concorrência mais justa. Hoje, a UE prefere a Arianespace simplesmente porque não quer dar o braço a torcer; o foguete consumiu uma década e 4 € bilhões, só com P&D.

No entanto, essa filosofia não deve se sustentar para sempre. Para o jornalista Andrew Parsonson, que publica a newsletter Europe in Space, uma saída para a ESA seria investir nas companhias comerciais locais, como Isar Aerospace, Rocket Factory Augsburg, e Latitude, que estão desenvolvendo foguetes mais modernos.

Para ele, o Ariane 6 é "um remédio ruim que o europeu terá que engolir", pois já pagou por ele, e não há a menor possibilidade da ESA cancelar o programa e jogar tudo fora; por outro lado, o que a agência deve fazer a partir de agora, é "garantir que o ArianeGroup fique de fora" do programa espacial europeu, daqui por diante.

É isso, ou ter a certeza de que continuarão pagando caro por foguetes "velhos", já que fechar com a SpaceX não é uma opção.

Fonte: Ars Technica

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