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Factor 5: de Alterra às X-wings e dragões

Após alcançar o céu com ótimos jogos ambientados no universo Star Wars, a Factor 5 quase desapareceu e agora se escora no título que a tornou conhecida

03/04/2024 às 10:22

Em meados da década de 90 a Factor 5 receberia uma missão pela qual ficaria marcada para sempre: desenvolver um jogo da franquia Star Wars para o Nintendo 64. Porém, com altos e baixos, aquela empresa produziu muito mais do que apenas o clássico Rogue Squadron, começando com o risco de levarem um enorme processo.

Turrican - Factor 5

Crédito: Divulgação/Factor 5

A história daquela desenvolvedora remete a 1987, na cidade de Colônia, Alemanha, quando cinco amigos se juntaram para criar pequenos experimentos, programas de computador com foco no audiovisual, num movimento conhecido como demoscene.

Liderados por Julian Eggebrecht, que estudava cinema em Munique, o grupo dedicava o tempo livre à produção de jogos para o Amiga e foi assim que nasceu o Katakis. Funcionando como um clone do R-Type, o título impressionava pela capacidade técnica, mas quando a Activision — que detinha os direitos daquele Shoot 'em up na Europa — tomou conhecimento da existência da cópia, partiu para o ataque.

Se fosse hoje em dia, a Factor 5 teria que responder na justiça pela criação do Katakis, mas como a editora não tinha programadores suficientes na época, fez uma proposta irrecusável aos alemães: para não ter que encarar os tribunais, teriam que criar uma adaptação oficial do R-Type para o Amiga.

Segundo Eggebrecht, aquilo se tornou a realização de um sonho, mas o primeiro grande sucesso só viria mesmo com o Turrican, jogo desenvolvido pela Rainbow Arts para o Commodore 64 e adaptado pela Factor 5 para o Amiga e Atari ST. O título caiu nas graças do público europeu em 1990 ao nos levar para Alterra, um planeta localizado em outra galáxia e controlado por uma inteligência artificial.

Crédito: Divulgação/Factor 5

Com a indústria de games crescendo e o quinteto enxergando a possibilidade de desenvolver para consoles, eles abandonaram a faculdade e passaram a se dedicar à criação de um kit de desenvolvimento próprio. O alvo do estúdio estava no Mega Drive e no Super Nintendo, e com a ferramenta que chamaram de Pegasus, iniciaram vários projetos para aqueles aparelhos, incluindo versões do Turrican.

Mas a Factor 5 não queria ficar conhecida por apenas uma franquia e por isso fez parcerias com vários estúdios. Entre eles estava um que mudaria o rumo da companhia para sempre, seu nome? LucasArts. A proposta inicial foi que escolhessem qualquer franquia da empresa, menos a criada por Geroge Lucas, então eles iniciaram a criação do Indiana Jones' Greatest Adventures, para Super Nintendo.

Com a confiança garantida, eles eventualmente conseguiriam o direito de criar um Star Wars, o que aconteceu com o Rebel Assault II: The Hidden Empire, para o PlayStation e para facilitar o contato, Eggebrecht decidiu abrir uma sede na Califórnia. Aquele movimento acabou aproximando a Factor 5 não apenas da LucasArts, mas também da Nintendo. Então, com acesso aos kits de desenvolvimento da fabricante japonesa, eles fecharam um acordo de exclusividade e assim tiveram acesso a um equipamento extremamente poderoso para a época, algo que estava levando os efeitos especiais do cinema para um novo patamar.

“Quando ouvimos sobre o Nintendo 64 e suas capacidades baseadas no Silicon Graphics, ficamos extremamente empolgados,” declarou Julian Eggebrecht. “Tínhamos um Silicon Graphics Indy no escritório para a criação dos nossos objetos 3D e animações, então sabíamos que o visual do Nintendo 64 poderia ser muito mais sofisticado.”

Star Wars: Rogue Squadron - Factor 5

Crédito: Divulgação/Factor 5

Contudo, o game designer admite que a mudança das duas para as três dimensões não foi algo simples. Segundo ele, tudo teve que ser aprendido: “câmeras, controles, orientação espacial do jogador e animações dos objetos 3D. Tudo era muito diferente dos jogos 2D,” disse.

Tamanha dificuldade fez com que várias equipes desistissem dessa transição e Eggebrecht ainda afirmou que eles não tinham gostado do PlayStation. “Ele tinha gráficos muito rudimentares cheios de pixels, uma renderização rudimentar do mundo 3D e era, em vários aspectos, um retrocesso em relação à aparência sofisticada e artística dos jogos 2D da época,” criticou.

O game designer ainda apontou outro problema do console da Sony: sua mídia. Para ele, ter a oportunidade de continuar criando jogos em cartuchos era um fator positivo do Nintendo 64, ao contrário do que muitos pensam.

“É um sentimento comum que os cartuchos eram um dos pontos fracos do Nintendo 64. Nós realmente não gostávamos dos tempos de carregamento e da taxa de erros dos CDs no início. Claro, você tinha mais memória e se tinha músicas lineares, eles tornavam isso mais fácil. Mas no caso da música, nós sempre amamos criar músicas muito interativas, mutáveis e com cross-fading. Isso não era possível no PlayStation e as restrições de memória dos cartuchos eram facilmente superadas se a equipe fosse tecnologicamente proficiente.

Os cartuchos eram um problema maior para o modelo de negócios third-party, já que os custos de produção eram tão altos — algo que não se aplicava aos nossos jogos, já que havia um acordo especial de publicação entre a LucasArts e a Nintendo. Os nossos jogos eram tratados como jogos first-party.”

Crédito: Divulgação/Factor 5

Mesmo assim, o desafio de criar para o Nintendo 64 foi grande. Eggebrecht contou que as estações Silicon Graphics não eram muito amigáveis para ao desenvolvimento de jogos, ao contrário do que eles tinham quando produziam para o Super Nintendo e o seu kit Pegasus.

Aquele cenário só mudou devido a uma parceria com a SN Systems, empresa que havia ajudado a desenvolver o hardware do PlayStation e que basicamente criou um cartucho do Nintendo 64 cuja memória podia ser conectada a um PC. Assim, a Factor 5 conseguiu se livrar de ter que usar o ambiente de desenvolvimento original do Silicon Graphics.

O problema é que o estúdio precisava alcançar o coprocessador RSP do console, algo que julgavam essencial para entregar mais polígonos, iluminação em tempo real e os cenários como um todo. Para a Nintendo e os responsáveis pelo Silicon Graphics, aquilo era de uma complexidade que ninguém conseguira lidar, mas após o pessoal da Factor 5 conversar com o chefe de hardware da fabricante, Genyo Takeda, ele garantiu o acesso.

O resultado obtido pelos alemães com o Star Wars: Rogue Squadron foi tão impressionante, que eles acabaram sendo convidados a fazer parte do desenvolvimento do chipset que seria usado no GameCube e Wii. Aliás, foi no Game Cube que o estúdio reforçou seu nome criando duas ótimas continuações para o jogo de batalahs aéreas do Stas Wars, com o Rogue Squadron III: Rebel Strike encerrando a parceria com a Nintendo.

Lair - Factor 5

Crédito: Divulgação/Factor 5

A partir daquele momento, a Factor 5 passaria a se dedicar a um ambicioso projeto para o novo console da Sony. Nascido como uma demo técnica para o Wii, Lair nos colocaria para controlar dragões em um mundo assolado por vulcões. Quando foi mostrado ao público, a impressão era de que a desenvolvedora estava em sua zona de conforto, apenas trocando as espaçonaves do Star Wars por enormes répteis alados. Nós nos enganamos.

Após passar por um período de desenvolvimento extremamente conturbado, Lair chegou ao PlayStation 3 em 2007, despertando curiosidade e entregando decepção. O jogo foi muito criticado principalmente pelo sistema de controles voltado para o sensor de movimentos do controle do console, o Sixaxis. “O departamento de marketing [da Sony] disse, ‘nós precisamos de um jogo que realmente mostre essa coisa e a equipe do Warhawk não está empolgada com isso,’” revelou Eggebrecht. “‘Eles não querem fazer isso, vocês podem fazer?’ Eles colocaram muita pressão sobre nos e disseram, ‘vocês precisam ser o título de demonstração do controle de movimentos. Vocês descobriram como funciona.’”

Crédito: Divulgação/Factor 5

Embora uma atualização lançada nos meses seguintes tenha corrigido muitos dos problemas, o estrago causado pela recepção inicial foi grande. No ano seguinte começaram a circular rumores de que a empresa que vinha publicando os jogos da Factor 5, a Brash Entertainment, poderia fechar as portas, o que se confirmou e sem uma fonte de recursos externo, a divisão norte-americana se viu obrigada a encerrar suas atividades em maio de 2009. Inicialmente aquilo não afetou a sede alemã, que resistiu até 2011 e então transferiu os direitos que possuía para Eggebrecht.

Após uma longa disputa judicial com funcionários que não receberam alguns meses de salários, em 2017 Julian Eggebrecht anunciou que estava voltando e seu primeiro lançamento seria, vejam só, o Turrican Flashback, uma coletânea com os jogos que há mais de três décadas colocou a Factor 5 nos holofotes.

PS: Embora ainda tenha seu disco guardado aqui, nunca cheguei a dar uma chance ao Lair. No fundo, acho que sempre me faltou coragem para conhecer o jogo que serviu como o início da derrocada de um estúdio que tanto admirei.

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