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Como acabar com nazista? Acerte as bolas!

Atacar a máquina de guerra nazista é sempre bom, mas melhor ainda é atacar as máquinas que fazem a máquina de guerra!

28/03/2024 às 17:46

Em 17 de agosto de 1943, nada menos que 230 bombardeiros B-17 decolaram rumo à Alemanha, mas não planejavam atacar um único soldado nazista. Seu alvo era muito mais importante.

Bombardeiros B-17 em formação (Crédito: US Army / Domínio público)

O bom-senso diz que quando você quer se livrar de um tanque ou avião inimigo, você atira nele, mas isso dá trabalho e o inimigo tem o péssimo hábito de atirar de volta. Para piorar, há sempre o risco de no dia seguinte aparecer outro tanque, novinho direto da fábrica.

O General Omar Bradley dizia: “Amadores falam sobre estratégica, profissionais falam sobre logística”, e é verdade. Logística ganha guerras, a capacidade de entregar armamento, suprimentos, tudo que os soldados precisam para combater. E logística aqui envolve todo o projeto industrial do país.

O lend-lease, o programa onde os EUA forneciam suprimentos para os aliados, na base do “paga depois” foi fundamental, a capacidade industrial do país em peso entrou para o esforço de guerra. Só locomotivas, a União Soviética recebeu 1168. Eu não consigo nem conceber 1168 locomotivas.

Stalin declarou, em 1943, durante a Conferências de Teerã:

“Os Estados Unidos… são um país de máquinas. Sem o uso dessas máquinas através do Lend-Lease, perderíamos esta guerra.”

A capacidade industrial dos Estados Unidos não ter sido afetada por ataques inimigos foi o motivo da vitória dos Aliados, e esses perceberam que tinham aí um ponto estratégico para afetar os nazistas.

Ao invés de destruir os aviões, tanques e navios, poderiam atacar as fábricas que produziam esses equipamentos. Mas... por que parar aí? Há gargalos em comum que afetam essas indústrias. Se atacarem um desses gargalos, afetam várias indústrias de uma vez, que por sua vez não podem mais produzir os tanques, navios e aviões que os nazistas tanto precisam.

Um grupo de sujeitos inteligentes se reuniu e tentou descobrir qual o ponto fraco, o que todos esses veículos tinham em comum, e a resposta foi isto aqui:

O bom e velo rolamento de esfera (Crédito: Solaris2006 / wikimedia commons)

O simples e humilde... rolamento.

Na minha infância, quando eu era jovem e idiota (sinto falta da juventude) cansei de descer ladeiras com carrinhos de bilha, feitos com caixotes, madeira encontrada por aí, e rolamentos, que o pai de alguém sempre trazia da oficina. Acho que ninguém nunca comprou rolamentos para fazer carrinhos. Nem faço ideia de quanto custa. (15 s depois: É bem mais barato do que eu imaginava)

Rolamentos existem desde a antiguidade, os egípcios já usavam. No formato mais moderno, com esferas, existem pelo menos desde a Idade Média, em seu projeto de Helicóptero Leonardo Da Vinci incluiu rolamentos. A primeira patente moderna é de 1794, mas somente em 1883 um sujeito chamado Friedrich Fischer desenvolveu um processo para produzir esferas de aço em quantidades industriais, com precisão suficiente para uso em rolamentos.

O rolamento de Da Vinci (Crédito: Domínio Público)

Até então era bem trabalhoso ficar lixando as bolinhas até terem mais ou menos o mesmo tamanho.

Friedrich fundou a FAG (não, não é a Film Actor’s Guild nem a Federação Anarquista Gaúcha, é a Fischer's Automatische Gussstahlkugelfabrik, Fábrica Automática Fisher de Bolas de Aço). Hoje um conglomerado de US$ 25 bilhões de receita anual.

A fábrica ficava em Schweinfurt, cidade natal de Friedrich, e era uma cidadezinha ínfima. Hoje ela tem 54 mil habitantes. Na Segunda Guerra Mundial as fábricas cresceram tanto, com a demanda de rolamentos para a máquina de guerra nazista, que trabalhadores de todos os cantos vieram para a cidade, que atingiu uma população flutuante de 49 mil pessoas.

O ataque aliado havia sido decidido, mas Arthur Harris, comandante da força de bombardeiros da RAF não estava convencido. Ele achava que atacar as fábricas de rolamentos seria uma panaceia, que isso não afetaria o esforço de guerra nazista. Ele também não estava satisfeito com a ideia de ataques diurnos. A doutrina da RAF era atacar durante a noite, o que tornava a interceptação inimiga bem mais difícil.

Harris, entretanto, admitiu que seus aviões não conseguiriam achar um alvo tão pequeno quanto a cidade de Schweinfurt durante a noite.

Sem rolamentos não rola invadir a Polônia (Crédito: Reprodução Internet)

O primeiro ataque em 17 de agosto envolveu apenas bombardeiros americanos, com escoltas da RAF, além de caças americanos. Foi um massacre, os aliados perderam 60 bombardeiros, com 95 outros seriamente danificados. 557 tripulantes foram capturados pelos nazistas.

A produção de rolamentos caiu 34%, mais de 200 operários foram mortos, milhares perderam suas casas, e os trabalhadores percorriam as instalações com sacos de estopa recolhendo os rolamentos no chão, para recomeçar a produção.

Albert Speer, Ministro de Armamentos do Reich não conseguiu dispersar as fábricas, pois não podia parar com a produção tempo suficiente para transportar os equipamentos, e em outubro veio o segundo ataque.

14 de outubro do mesmo ano, 291 bombardeiros B-17, 60 bombardeiros B-24, enfrentando oposição ferrenha da Luftwaffe. Os bombardeiros não conseguiram se defender, a escolta de P-47s era insuficiente. 77 B-17s foram destruídos, fez a primeira missão parecer um passeio. O dia foi chamado pelos pilotos de Quinta-Feira Negra.

Sir Arthur Harris, comandante de bombardeiros da RAF, criminoso de guerra e estátua (Crédito: RAF)

Para piorar, depois de tudo a produção de rolamentos só foi suspensa por seis semanas, e Harris estava certo: Isso não afetou em NADA a produção industrial nazista.

Não que o pensamento não fosse correto, rolamentos eram fundamentais para a indústria, e a Alemanha sabia disso.

Nazistas podem ter lá seus defeitos, mas burros eles não eram. Cientes de suprimentos estratégicos como rolamentos, eles confiaram não só na produção local, como mantinham contratos de fornecimento com empresas na Itália, Suécia, Suíça e outros lugares. Eles tinham estoques estratégicos imensos, e com todos os ataques, veículos e produção acelerada, ainda assim em 1945 eles atingiram seus níveis mais alto de rolamentos estocados.

As missões de ataque a Schweinfurt foram, realmente, inúteis. Uma grande perda de vidas, sem nenhum ganho real, com base em uma premissa válida, que fazia bastante sentido no papel, mas precisava de um pouco mais de pesquisa e inteligência para ser validada.

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