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IFF - Ou: Como, na guerra, não matar seu amiguinho

IFF é a tecnologia que permite a um avião identificar imediatamente se está mirando em um amigo ou inimigo, mas como ela funciona?

2 anos atrás

IFF vem de Identification friend or foe, identificação amigo ou inimigo, e é algo essencial em qualquer guerra, seja na Roma antiga, seja na Ucrânia e 2022, quando um grupo de soldados ucranianos viu um tanque se aproximar, acharam que era amigo, apenas para levarem um tiro a queima-roupa, sendo instantaneamente polpificados.

Os dois são inimigos, mas idênticos. Como diferenciar, quando o bicho estiver pegando? (Crédito: Editoria de Arte)

Historicamente exércitos inimigos se diferenciavam através dos uniformes (ou pela ausência deles — espartanos lutavam pelados, felizmente Frank Miller não foi historicamente correto) e pinturas corporais.

Quando guerras eram grandes balés de violência coreografada, era simples identificar o inimigo, ele era o grupo vindo gritando em sua direção brandindo lanças e espadas. Quando começamos a usar armas como arco e flecha, a distância ainda era suficiente para que um soldado reconhecesse quem estava do outro lado, e quando as armas de fogo aumentaram essas distâncias, os uniformes se tornaram mais distintos, até alguém perceber que soldados não gostam de levar tiro, e inventar a camuflagem.

Unidades de reconhecimento e binóculos tornaram a identificação inimiga mais eficiente na Primeira Guerra Mundial. No mar, isso era feito por bandeiras, e depois analisando a silhueta dos navios.

Guia de identificação de navios, Segunda Guerra Mundial (Crédito: Reprodução Internet)

Em terra, veículos como tanques e blindados eram estudados e soldados treinados para identificar inimigos rapidamente. Aí veio a guerra aérea, e isso tudo caiu por terra. Mesmo em biplanos, acabaram tendo que pintar símbolos bem distintos nas asas e nas fuselagens, para facilitar a identificação e evitar fogo amigo.

Alguns anos depois e temos a Segunda Guerra Mundial. Os dois aviões abaixo são um Spitfire em um Me-109. Imagine um voando em direção ao outro, a uma velocidade combinada de 1200 km/h. O tempo para identificar se o sujeito é amigo ou inimigo é mínimo, e a necessidade disso gerou a invenção do IFF.

Isso ficou ainda mais evidente em 6 de setembro de 1939, no que ficou conhecido como a Batalha de Barking Creek. Um sinal errado de radar gerou a ilusão de aviões inimigos vindo em direção ao Reino Unido. 20 aviões foram rapidamente colocados no ar, comandados por pilotos novatos, que nunca haviam visto um avião inimigo.

Um é um FW-190 o outro um Spitfire. Agora imagine a um km de distância no meio de uma batalha. (Crédito: Reprodução YouTube)

O contato com a base era precário, e ninguém soube que dois oficiais haviam decolado depois, para observar a manobra. O comandante do esquadrão confundiu os dois com inimigos, ordenou ataque, e na confusão um deles, um Hurricane foi derrubado pelos amigos. Um Spitfire foi derrubado por fogo antiaéreo.

Nesse dia os ingleses tiveram a duvidosa honra de seu primeiro piloto britânico morto na Segunda Guerra Mundial, e o primeiro abate por um Spitfire. No final dessa hagada monumental uma corte marcial determinou que não foi culpa de ninguém, segue o jogo.

O IFF era desesperadamente necessário.

As primeiras tentativas de criar um sistema Identification friend or foe aconteceram na Inglaterra, no final dos anos 1930. Chamado pip-squeak, o sistema emitia um sinal de rádio de 1 kHz por 14 segundos, uma vez por minuto. Detectores espalhados pela costa recebiam o sinal e com um pouco de trigonometria, conseguiam identificar a posição do avião.

A informação era enviada via rádio ou telefone e chegava aos operadores de radar, que comparavam com os sinais que seus sistemas recebiam, e descartavam o avião como amigo, se as posições fossem as mesmas.
Isso era ruim, era um sistema lento, não-confiável e ainda tinha a desvantagem de seu avião ficar transmitindo sinais que o inimigo poderia facilmente captar e localizar sua posição. O IFF então evoluiu para usar os sinais de radar que já eram transmitidos normalmente.

Agora um receptor instalado no avião recebia sinais na frequência do radar usado pelos britânicos. Quando o avião era iluminado pelo sinal do radar, o IFF amplificava o mesmo sinal, transmitindo-o de volta. Assim na tela do radar em terra ao invés de um bip o operador veria um biiiiip, um sinal mais longo do que o transmitido, indicando que o avião era amigo.

Os sistemas IFF eram tão secretos que vinham com botão de destruição, caso o avião fosse abatido ou obrigado a fazer um pouso de emergência. Vários pilotos acionaram o explosivo sem-querer até a introdução do botão duplo. (Crédito: Reprodução internet)

Esse sistema também não funcionava muito bem, às vezes o rádio começava a transmitir sem receber o sinal do radar, ou apenas não transmitia. Só em 1940 foi adotada uma solução mais robusta, um sistema independente, com transmissores e receptores dedicados ao IFF.

O IFF Mark III definiu o modelo usado até hoje, com uma unidade interrogadora e uma de resposta. O receptor era preparado para só responder sinais em frequências específicas, e também funcionava como rádio de emergência, transmitindo SOS se necessário.

Já os alemães estavam bem mais avançados. Seu sistema de IFF usava um seletor de 10 bits para configurar um código do dia e impedir que os Aliados usassem o IFF nazista para se infiltrar em território inimigo. Quando recebia um sinal de terra, o IFF respondia com o código. Se os números não batessem, o avião era alemão. No sentido de inimigo, mas provavelmente os alemães chamavam o inimigo de outra coisa.

O plano teria dado certo se não fossem esses jovens intrometidos, esse cachorro idiota e o fato do transceptor do FuG 25a Erstling, o IFF nazista responder a qualquer interrogação. Não havia código no sinal enviado de terra.

Transponder IFF alemão FuG 25a Erstling (Crédito: Reprodução Internet)

Em 1943 os ingleses capturaram um IFF nazista intacto. Estudaram o bicho e criaram um sistema chamado Perfectos, que foi adaptado nos caças Mosquito. Eles usavam o radar para transmitir sinais na frequência do FuG 25a, que prontamente respondia de volta, e os ingleses tinham um lindo avião nazista reportando sua posição, pedindo para ser abatido.

Depois da Guerra, a tecnologia de IFF continuou a evoluir. Os transponders passaram a reportar dados, indo muito além de apenas responder com um sinal de rádio dizendo “sou do bem”.

Nos anos 1950 os sistemas de IFF já reportavam dados como altitude, tipo de aeronave, missão e até prefixo. Na aviação civil, onde todo mundo é amigo, o IFF se transformou nos transponders, usados para reportar um monte de dados, status da aeronave (normal, sequestro, emergência, etc) e até altitude, algo que a maioria dos radares civis não é capaz de determinar.

Isso mesmo, quando aparece a informação de altitude na tela do radar, quem reporta é o próprio avião, que envia a informação quando solicitado pelo radar secundário do aeroporto.

Não assim. (Crédito: MGM Studios)

No mundo militar os sistemas IFF evoluíram para incluir informações de criptografia, resistência a interferência e até código do esquadrão ao qual a aeronave pertence.

Mais ainda, os sistemas interrogadores não mais estão restritos aos aviões e radares em terra. Há equipamentos portáteis para uso em campo de batalha, sistemas de mísseis antiaéreos interrogam seus alvos, e até lançadores portáteis como o Stinger possuem interrogadores IFF.

Na guerra da Ucrânia, com os dois lados voando literalmente os mesmos aviões, um sistema IFF funcional é essencial, ou seus aviões e mísseis acabarão derrubando amigos muito rapidamente.

Claro, se por acaso os dois lados configurarem o mesmo código do dia, aí a coisa fica divertida.

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