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Departamento de Defesa está construindo rede de satélites secretos via SpaceX

Os EUA sempre usaram satélites espiões, agora vão partir para uma constelação inteira, construída pela SpaceX

27/03/2024 às 18:10

“Um dos satélites de observação soviéticos apontou suas câmeras para o oceano Pacífico. Conforme esperado, na região indicada pelos relatórios de inteligência, o Grupo de Combate do USS Enterprise seguia rumo ao sul. Confirmada a rota, os russos respiraram aliviados, o Enterprise não iria reforçar a defesa de Taiwan”

Satélites Starlink prestes a ser liberados (Crédito: SpaceX)

“No Centro de Informações de Combate do Big E, o Capitão esperou o sinal verde de um de seus oficiais. 'Tudo livre, Capitão. Os satélites já saíram da nossa região.' 'OK, avise ao grupo, retomar rumo original, a todo vapor para Oeste.'”

O truque é muito velho, mas por bastante tempo foi eficiente. As órbitas dos satélites espiões são bem conhecidas, era comum “sanitizar” as bases aéreas, escondendo aviões e protótipos, quando satélites inimigos estivessem passando por cima delas. No mar, as formações de navios mudavam de rota, para confundir os analistas do outro lado.

Isso acontece porque satélites em órbita geoestacionária não conseguiam identificar objetos pequenos como navios, satélites de observação naval tinham que orbitar bem mais baixo, o que reduz seu alcance, para tristeza dos terraplanistas.

Tudo questão de linha de visada (Créditos: Twentieth Century Fox)

Para entender melhor o problema: Jogue suas chaves no chão da sala. Fácil de encontrar, certo? Você olha, vê a sala inteira, acha as chaves na hora. Mas ao contrário da sua sala, a Terra não é plana. A curvatura impede que você veja além de uma certa distância. Para entender o conceito de linha de visada, pegue um tubo de papel higiênico, olhe através dele diretamente para baixo. Agora saia procurando pelas chaves.

A única chance de um satélite em órbita baixa ser útil seria existir uma cabeçada deles, por isso até hoje o Departamento de Defesa dos EUA preferiu investir em satélites de bilhões de dólares, em órbitas altas.

Com a Guerra na Ucrânia e o uso da constelação Starlink como ferramenta de comunicação essencial e meio não-ortodoxo de controle de drones, o Pentágono (e todos os militares decentes do planeta) arregalaram os olhos, vendo as vantagens de ter não um ou dois, mas milhares de satélites sobre o campo de batalha.

Vendo esse interesse, a SpaceX anunciou o Starshield, um programa de militarização de satélites seguindo a filosofia do Starlink, muitos satélites pequenos e baratos em órbita baixa.

A órbita baixa em teoria é uma desvantagem, um satélite Starlink leva uns 100 segundos para atravessar de horizonte a horizonte, mas há milhares deles, então sempre há um satélite sobre o alvo. E essa quantidade imensa também inviabiliza as armas anti-satélite, extremamente caras e raras. É inviável destruir uma constelação que com a Starship lançaram mais de 200 satélites de uma vez.

Satélites Starlink atualmente em órbita. Acompanhe em tempo real neste site aqui (Crédito: SatelliteMap)

Agora a Reuters noticiou que a SpaceX assinou em 2021 um contrato secreto de US$ 1,8 bilhões com o Escritório Nacional de Reconhecimento, a agência do Governo dos EUA responsável pelos satélites espiões. O contrato prevê a construção de uma constelação de centenas de satélites espiões de observação.

As Leis da Mecânica Orbital são implacáveis, um satélite pode levar vários dias até passar de novo sobre o mesmo ponto da Terra. Neste site aqui dá pra animar a órbita da Estação Espacial Internacional, e ver o efeito. Com milhares de satélites, isso deixa de ser problema.

A SpaceX está de bico calado, afinal um contrato suculento desses não é algo que a gente saia comentando, vai que irrita o cliente.

No lançamento de 26 de março da Starlink, dois dos satélites foram classificados como “secretos”, provavelmente parte do projeto com o NRO, mas... o contrato foi assinado em 2021. A SpaceX não costuma ser lenta assim. As evidências apontam para algo lindamente óbvio no mundo da espionagem:

A pergunta é simples: Como se esconde um elefante em uma plantação de morangos? R: Pinte as unhas dele de vermelho. As pessoas vão enxergar o que elas querem enxergar, o que estão acostumadas a enxergar.

Já tem algum tempo que a SpaceX não mostra a liberação dos satélites Starlink em órbita. Não temos mais mesmo os raros momentos em que conseguimos ver os satélites por alguns instantes. Quem garante que todos os satélites são Starlinks inocentes?

Se eu fosse um estrategista do NRO (e não vou negar nem confirmar isso) eu ferveria a cabeça dos russos e chineses, enfiando meus satélites entre os satélites Starlink, lançando vários, ocupando órbitas normais, usando inclusive a identidade de satélites Starlink.

Para qualquer um de fora, inclusive as agências reguladoras, seriam Starlinks. Quando, na verdade, são satélites Starshield. Não é difícil imaginar que a SpaceX tenha inclusive replicado a funcionalidade Starlink, só adicionando os sensores extras dos satélites espiões.

Assim como aquele seu primo esqisito, Starlink também camufla (Crédito: Depto. Defesa Ucrânia)

Sem saber quem é quem, fica virtualmente impossível se defender dos olhos curiosos do NRO.

Qual será o efeito futuro disso? Praticamente todas as batalhas da antiguidade teriam finais diferentes se os generais pudessem enxergar o que havia além do próximo morro. Pearl Harbor jamais teria acontecido se satélites acompanhassem as forças japonesas. A invasão da Ucrânia foi praticamente coberta em tempo real, com todas as movimentações de tropas russas aparecendo no Tiktok. Imagine o que os satélites do NRO não estavam vendo.

Drones e comunicação instantânea mudaram totalmente a guerra moderna. Na Primeira Guerra Mundial foram feitos os primeiros usos de câmeras em aviões. Um candango literalmente puxava uma câmera lambe-lambe para fora da aeronave e fotografava trincheiras inimigas.

Na Segunda Guerra equipamentos bem melhores usavam filmes de grande formato, tirando fotos estereoscópicas que seriam analisadas por especialistas, isso era muito bom do ponto de vista estratégico (do grego strategos, em inglês strategy) e usado para planejar campanhas, mas não servia como algo tático, de uso imediato.

Hoje um drone entra em uma casa atrás de inimigos. Temos visão em tempo real do campo de batalha.

Com uma constelação Starshield o Pentágono terá Visão Além do Alcance, costurando fotos, ou mais provavelmente vídeo em tempo real, cobrindo a região que quiser. É o sonho molhado de qualquer estrategista, informação em escala global para planejar ações de larga escala, e informação em tempo real localizada, podendo ser repassada imediatamente para os comandantes em campo.

É chato ver algo como Starlink ser usado para fins bélicos? Claro, mexe com nosso lado idealista, mas o povo da SpaceX tem boletos para pagar, e você recusaria um cheque de US$ 1,8 bilhões? Eu não.

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