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Minas Magnéticas alemães e a Ciência que salva navios

Minas não são novidade, existem desde o Século XIV, mas as mais engenhosas surgiram ndurante a 2a Guerra Mundial, bem como as técnicas para vencê-las.

1 ano atrás

Minas sempre foram problema para navios em tempos de guerra, mas os ingleses estavam com um abacaxi especialmente difícil de descascar. Seus navios estavam explodindo, às vezes quase chegando no porto, e ninguém sabia o motivo.

"presente de amor para Churchill" (Crédito: Domínio Público)

Minas navais eram usadas quase desde que a pólvora foi inventada, na Primeira Guerra Mundial milhares de quilômetros de oceano foram minados. Essas minas eram chamadas “de contato”.  Lançadas por navios ou aviões, elas afundavam até pouco abaixo da superfície da água, graças a um contrapeso, e explodiam quando um navio fazia contato com elas.

Outros modelos flutuavam levemente, e eram mais fáceis de ser identificadas e  destruídas, às vezes por snipers. Em geral o trabalho de caçar minas envolvia navios especializados varrendo os canais de navegação com redes, mas não eram essas as minas que estavam dando trabalho aos ingleses.

Os cientistas britânicos acertadamente deduziram que estavam lidando com minas magnéticas, uma tecnologia que eles estudaram durante a 1ª Guerra Mundial mas não levaram adiante afinal aquela tinha sido a Guerra para acabar com todas a Guerras.

Diagrama de um submarino alemão da 1a Guerra, lançador de minas. (Crédito: Domínio Público)

Churchill ordenou que todos os esforços fossem feitos para capturar uma dessas minas, o que foi conseguido graças a um golpe de sorte: Um transeunte em  Shoeburyness viu quando um avião suspeito deixou cair um objeto estranho, e para azar dos alemães, o tal objeto, uma mina magnética, foi lançado na maré baixa, em um lodaçal. Que ainda por cima era do Exército Real.

Cientistas e engenheiros foram mandados para examinar a mina, com direito a preparações dignas de Hollywood: Eles removeram todos os componentes de metal de seus uniformes, como botões, abotoaduras e óculos. Seus kits tinham ferramentas especializadas feitas com bronze, um metal não-magnético.

Depois do que pareceu uma eternidade, a mina foi desarmada e então transportada para ser examinada em detalhes, e o que descobriram não foi nada legal.

Uma mina nazista "Sammy", lançada por engano em um areal, sendo capturada inteira pelos ingleses, circa 1940-1942. (Crédito: Domínio Público)

A tal mina usava o campo magnético da Terra, monitorando constantemente sua intensidade. Objetos de metal alteram localmente o campo, e se a variação superar um limite pré-determinado, cabum.

A vantagem é que a mina não precisa encostar no navio, ela detona quando ele atinge uma certa proximidade, o que gera uma onda de choque mais poderosa do que uma explosão direta. Detonando diretamente abaixo do alvo, uma mina dessas parte um cargueiro ao meio.

A desvantagem é que a mina opera por bateria, então ela tem uma vida útil relativamente curta.

Outro problema: O campo magnético da Terra varia de lugar para lugar. Uma mina que funciona muito bem na costa da Inglaterra pode não detonar, no Caribe ou em Gibraltar. Ou pior, pode detonar sozinha.

Variações de intensidade no campo magnético terrestre. Aquela área em cima do Brasil é chamada Anomalia Magnética do Atlântico Sul, uma teoria diz que é causada pela gigantesca cabeça de burro enterrada em Brasília, que faz com que nada dê certo neste país. (Créditos: Christopher C. Finlay, Clemens Kloss, Nils Olsen, Magnus D. Hammer, Lars Tøffner-Clausen, Alexander Grayver & Alexey Kuvshinov)

Os americanos tiveram esse problema quando desenvolveram detonadores magnéticos para seus torpedos. Como o campo magnético na base de testes nos EUA era completamente diferente do Oceano Pacífico, os torpedos passavam debaixo dos alvos e não explodiam.

Claro, os cientistas alemães eram muito mais inteligentes, e incluíram um controle para calibrar as minas, conforme a intensidade do campo magnético local.

Os ingleses começaram a pesquisar vários métodos para lidar com as minas nazistas. Um deles era varrer canais de navegação com navios arrastando eletroímãs poderosos, mas isso criava uma passagem segura muito estreita. Uma evolução da idéia colocava dois navios com cascos de madeira navegando lado a lado, entre eles um cabo elétrico emitindo pulsos magnéticos, o que detonava as minas no caminho.

Em março de 1940, 74 minas foram destruídas com esse método. Em junho do mesmo ano, já tinham destruído mais de 300.

Bombardeiros Wellington foram adaptados com bobinas que geravam campos magnéticos. Voando a meros 20 metros de altitude, eles detonavam as minas que estivessem em seu caminho.

De novo, a desvantagem é que limpavam uma área muito estreita, mas foram fundamentais em regiões como o Canal de Suez.

Também era inviável patrulhar todos os possíveis locais minados, muito menos os próximos ao território do inimigo. Era preciso proteger os navios individualmente, mas como?

A solução veio de um químico, Tenente-Coronel Sir Charles F. Goodeve. Ele era voluntário da reserva canadense, e danado de esperto.

Ele entendeu que as minas nazistas detonavam quando uma variação no campo magnético da Terra era determinada. Essa variação dependia da massa metálica do navio, e afetava o campo no polo norte, no hemisfério norte. A solução seria gerar um campo magnético da mesma intensidade, mas orientado para o polo sul.

Isso foi conseguido envolvendo o navio em uma bobina, com cabos de grande capacidade ligados ao gerador do navio, 2000 ampères  produzindo um campo magnético gigantesco, contrabalançando a distorção causada pela embarcação.

Marinheiros instalando cabos para criar campos magnétticos e enganar as minas. (Crédito: Domínio Público)

Isso funcionou para navios de guerra, mas não era prático para navios menores, que não tinham capacidade para gerar a corrente necessária, nem a verba pra instalar o equipamento, que era bem caro.

Mais uma vez, Goodeve trouxe a resposta: Quem já brincou com imãs sabe que alguns metais podem ser magnetizados temporariamente. É assim que disquetes, HDs e fitas K7 funcionam. Todo mundo que gravava fitas direto nos Anos 80 tinha um desses:

É um apagador de fitas, os mais baratos tinham imãs permanentes que realinhavam os cristais ferromagnéticos nas fitas. Esse processo é conhecido como degaussing, vem de Gauss, a unidade de força magnética adotada pelos nazistas, e que assim como o Fusca, continua conosco até hoje. O nome vem de Carl Friedrich Gauss, um cientista alemão do Século XIX.

 

A artimanha de Goodeve era gerar um campo eletromagnético com cabos, em volta do navio, mas calibrar esse campo para magnetizar o casco, de forma a compensar o campo eletromagnético da Terra.

Em essência era a mesma coisa que o método que usava os eletroímãs permanentemente, mas podia ser aplicado em barcos pequenos, e o efeito permanecia por vários meses.

Submarino canadense HMCS Victoria, na estação de desmagnetização da Marinha dos EUA em Washington (Crédito: US Navy)

Havia desvantagens, claro. Esse método não permitia calibrar o efeito levando em conta a variação do campo magnético da Terra, então um campo magnético calibrado para o Mediterrâneo não seria tão eficiente no Pacífico. Navios navegando muito tempo em linha reta também degradavam os efeitos magnéticos mais rapidamente, então eram orientados a navegar em zigue-zague, o que era uma recomendação já normal, para evitar submarinos.

No final da Guerra mais de 10 mil navios foram desmagnetizados, salvando milhares de vidas.

Quanto aos alemães, já estavam desenvolvendo minas ativadas por variações de pressão e até mesmo minas acústicas, que ouviam o barulho das hélices dos navios e detonavam quando eles se aproximavam.

O fim da guerra não interrompeu o desenvolvimento de novas terríveis e fascinantes minas. Em 1987 a China incorporou a seu arsenal a Te-1, uma mina movida a foguete.

Instalada a até 200 metros de profundidade, a mina utiliza sonar passivo (ui!) para identificar alvos num raio de 3km. Quando um chega perto demais, a mina dispara um motor a foguete que direciona a mina, a mais de 300Km/h até o alvo.

Os americanos têm a Mark 60 CAPTOR, que é bem mais convencional. É basicamente um torpedo Mark 46 dentro de um cilindro de alumínio, repleto de baterias e um computador muito inteligente, programado para reconhecer a assinatura acústica de todo tipo de embarcações, podendo ser programado para deixar passar navios civis, embarcações militares de menor porte, ou mesmo atacar alvos específicos, como ignorar submarinos de ataque e só disparar quando identificar um submarino soviético classe Tufão.

Uma mina Mark 60 CAPTOR, pronta para ser carregada em um bombardeiro B-52, e lançada. Em algum lugar. (Crédito: DOD/Domínio Público)

Claro, ainda hoje todo mundo prefere usar as minas mais baratas, magnéticas ou de contato, e na Guerra da Ucrânia os dois lados se acusam de espalhar minas soviéticas no Mar Negro, o que está causando transtorno inclusive para os países que não tem nada a ver com a Guerra.

Aqui uma operação de desarme de uma mina que foi dar na costa da Ucrânia:

E por falar nos soviéticos, eles foram campeões da grosseria. Na Guerra Fria os americanos estudaram a idéia de usar minas nucleares, mas não seguiram adiante. Os russos por sua vez desenvolveram torpedos com ogivas nucleares, ao que foram prontamente copiados pelos americanos.

Minas nucleares terrestres foram projetadas para explodir divisões de tanques soviéticos em uma invasão da Europa, mas os países não gostaram da idéia, e o desenvolvimento de novas minas só voltou a acontecer recentemente, com o Poseidon, um monstro que o monstro Vladmir Putin apresentou algum tempo atrás.

Status 6 - Poseidon. (Crédito: reprodução Internet)

Com 20 metros de comprimento e 2 de diâmetro, o Poseidon é um drone autônomo com propulsão nuclear. Ele pode ser programado para viajar até um alvo em qualquer lugar do mundo, e patrulhar discretamente, a 1km de profundidade. Com 180km/h de velocidade, ele consegue escapar de qualquer submarino, navio ou torpedo no arsenal americano. Não que isso seja necessário, o Poseidon também é Stealth.

O Poseidon é a Mina Suprema, com uma ogiva de 100 Megatons, equivalente à Tsar Bomba, é a Arma do Juízo Final, projetada para explodir cidades costeiras, sem aviso. O primeiro lote já foi incorporado à Marinha Russa, e Putin quer construir pelo menos 30.

Tenha um bom dia.

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