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Rússia: onde as minas pulam atrás de você e isso não é tão bom quanto parece

As minas terrestres são uma constante em quase todas as guerras, e na Ucrânia não seria diferente, mas agora eles vêm de para-quedas

2 anos atrás

Dizem que manter uma interação íntima e pessoal com minas terrestres russas é algo deveras satisfatório, mas sendo realista, depende da mina. No caso das minas que estão na Ucrânia, não é nada recomendado.

Uma mina segurando uma mina. Minaception -eu sei- (Crédito: Evening Star)

Estou falando, claro, das minas terrestres, embora tecnicamente as minas russas de duplo-sentido também sejam terrestres, mas divago.

O conceito de minas terrestres é bem antigo, já existia milhares de anos antes dos chineses inventarem o pozinho que faz cabum. É um conceito brilhantemente simples: se você esconder coisas pontudas no chão, e a maioria dos seus inimigos andam descalços ou com sandálias vagabundas, você vai furar o pé do cara, e incapacitá-lo. Esse inclusive é um conceito das minas terrestres que sobrevive até hoje:

Minas terrestres idealmente mutilam e/ou incapacitam. Um soldado mutilado precisa de dois para carregá-lo. Um soldado morto é abandonado.

Os romanos usavam toda uma série de estacas pontudas em buracos disfarçados, mas também desenvolveram vários mecanismos portáteis, como o caltrope, esta coisa cruel aqui:

Um caltrope romano. (Crédito: Bullenwächter — Westfälisches Museum für Archäologie, Herne, Germany)

É algo que se um humano ou cavalo pisar, vai doer, e muito. Sem contar o risco de tétano. Algumas vezes os caltropes ainda eram envenenados. Com variações caltropes são usados até hoje no mundo todo, mas os primeiros a criarem minas terrestres como conhecemos hoje foram nossos amigos chineses.

Usando a pólvora, eles desenvolveram minas que ficavam enterradas e eram detonadas quando um desavisado tropeçava em um fio e acionava um mecanismo de mosquete. Algumas versões mais cruéis usavam dardos metálicos também enterrados, que eram propelidos com a força da explosão, atravessando o inimigo de baixo para cima, como um Espetinho da Morte.

Mina alemã da Primeira Guerra Mundial (Crédito: Reprodução Internet)

O grande uso de minas terrestres, ao contrário do que todo mundo pensa, não foi na Primeira Guerra Mundial, elas foram muito mais usadas na Segunda e na Terceira. Sendo uma guerra de trincheiras, com tropas avançando e recuando muito pouco, não havia nem onde colocar minas, muito menos da Terra de Ninguém. Mesmo assim todos os lados viram o potencial da tecnologia, e começaram a desenvolver minas anti-pessoal e anti-veículo.

Em essência, minas terrestres são um invólucro metálico ou de plástico, cheio de explosivo. No caso das minas de plástico, pedaços de metal, mais comumente rolamentos de aço são instalados para serem lançados em direção ao inimigo, quando este esbarra em um fio de detonação ou pisa na mina, acionando um sensor de pressão.

É tudo tecnologia muito simples, mecânica, qualquer criança consegue montar uma mina terrestre, e qualquer criança consegue detonar uma, infelizmente.

Mina terrestre achada na Normandia, usada -quer dizer, não usada- no Dia D (Crédito: Reprodução Internet)

Mesmo assim, os generais não estavam satisfeitos. Em geral, o azarado que pisava na mina absorvia quase todo o impacto. O desafio era desenvolver minas terrestres que machucassem mais gente, mas sem matar. Um desafio e tanto, quem seria tão cruel, que grupo seria tão moralmente pervertido a ponto de conseguir desenvolver algo assim?

Exato, os nazistas.

No período entre-guerras eles desenvolveram esse bichinho aqui, a Schrapnellmine, conhecida entre os aliados como Betty Saltadora. É um primor de crueldade e engenharia, do qual foram produzidas 1,9 milhões de unidades.

O conceito é genial: essas minas terrestres vêm em quatro variações: podem ser acionadas por pressão (se você pisa nelas), outra variação era acionada por tensão (se você tropeça no fio), por alívio de tensão (se você corta o fio) e outra, funcionava por pressão ou por acionamento elétrico (quando Fritz estava escondido e acionada remotamente o detonador).

Acionado o detonador, a mina liberaria uma mola, e a tensão a lançaria verticalmente no ar, um cilindro de aço de 15 cm de comprimento e 10 cm de diâmetro, facilmente disfarçado na folhagem local.

A Betty Saltadora saltaria então a pouco mais de 1 metro de altura, explodindo em seguida, espalhando estilhaços de seu invólucro de aço e rolamentos de aço 360 graus à sua volta. Esses estilhaços atingiram os soldados principalmente na região da genitália.

Ouch.

De todas as armas milagrosas de Hitler, das V2 aos super-tanques, a Betty Saltadora era, de longe, a mais temida pelos soldados aliados. A idéia de do nada acordar num hospital de campanha mutilado, e mutilado lá não era exatamente o sonho de glória daqueles garotos de 20 anos.

Agora a Betty Saltadora está de volta, por culpa da Rússia.

É o que eu diria se este fosse um blog de propaganda. Na realidade quando viram o resultado da Betty Saltadora, os aliados correram para copiar o design e criar minas terrestres com o mesmo mecanismo. Depois da Guerra vários países, como EUA, Rússia, China, Iugoslávia, Itália e outros correram para aperfeiçoar seus designs, embora os EUA tenham se voltado mais para as Claymore, um formato de mina anti-pessoal bem mais prático e menos caoticamente destruído.

M18A1 Claymore. Uma mina com várias utilidades. (Crédito: NBC/Universal)

Com áreas até hoje marcadas como campos minados da Segunda Guerra Mundial, e centenas de vítimas todos os anos sendo mutiladas por minas terrestres, principalmente no Oriente Médio e na África, é de se pensar que esse tipo de arma tenha sido banido. E foi. Em 1997, 164 países assinaram o Tratado de Ottawa, banindo a fabricação, armazenamento e uso de minas terrestres. Yay, paz afinal.

Nah, brincadeira. 32 países não assinaram o tratado. Você sabe, os suspeitos habituais, tipo China, Cuba, Egito, Israel, Irã, Índia, Paquistão, Rússia, Estados Unidos, Síria, Arábia Saudita… todo mundo realmente envolvido em guerras continua usando minas terrestres. Inclusive a Rússia.

Em azul, países signatários do Tratado de Ottawa (Crédito: odder (talk) / Wikimedia Commons)

E a Rússia investiu pesado nas suas minas terrestres saltadoras, a versão mais moderna, a POM-3 foi detectada no final de março de 2022, em Kharkiv na Ucrânia, e não é uma boa notícia.

A POM-3 é uma Betty Saltadora com esteroides. Essa marvada tem todo o efeito de saltar e explodir, espalhando fragmento na altura das vergonhas dos soldados, que se estiverem na altura correta acabarão serradinhas, no mau sentido.

Pior: a POM-3 não precisa de uma equipe de sapadores para ser instalada. Ela é lançada de para-quedas e após pousar suavemente, fica esperando até seu sensor sísmico detectar passos próximos o suficiente. Sim, essa arma infernal não precisa mais que você tropece em fios, ou encoste nela. Basta passar perto dela, e adeus jóias da coroa.

Minas terrestres POM-3 russas identificadas na Ucrânia (Crédito: Reprodução Twitter)

Agora, a melhor parte de todas: diz a Rússia que as POM-3 são equipadas com Inteligência Artificial, e conseguem diferenciar entre civis e militares, somente detonando se encontrarem sinais indicando a presença de soldados, sendo inofensiva para crianças, mulheres e animais.

Parou de rir? Ok, eu espero.

Não, infelizmente não existe essa tecnologia do Homem de Ferro, de armas que só matam gente ruim. Países como Iraque, Vietnã, Egito, Líbia, Somália, Uganda e muitos outros sofrerão por gerações com minas terrestres, cada vez mais instáveis, enferrujando e esperando uma criança inocente e curiosa se aproximar.

E não, minas terrestres não deixarão de ser usadas. Elas ainda são uma das formas mais eficientes e baratas de matar os outros, alguns dizem serem até mais eficientes como arma psicológica. Quando o primeiro soldado pisa em uma, todos os outros entram em alerta, uma única mina consegue deter o avanço de uma tropa inteira.

Muitas vezes, e essa estratégia foi bastante usada por todo mundo, nem precisa de mina. O simples cartaz de campo minado é suficiente para parar tudo. De novo -infelizmente- na maioria das vezes o cartaz fala a verdade.

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