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Ucrânia: pode Putin usar armas nucleares?

Vladmir Putin poderia usar armas nucleares na Ucrânia? Teria motivos pra isso? Vários especialistas estão começando a achar que sim

2 anos atrás

Vladmir Putin e seus lacaios têm feito ameaças sobre o uso de armas nucleares, dizendo que países que interferirem com a “operação especial militar” russa na Ucrânia sofrerão “consequências nunca antes vistas”.

Nukes are bad, M'kay? (Crédito: Ready.gov)

Na TV russa o apresentador Dmitry Kiselyov abriu seu programa com um monólogo lembrando que o país tem capacidade de lançar 500 ogivas nucleares de seus submarinos, mais que suficiente para destruir os Estados Unidos e todos os membros da OTAN. Ele completou, no mais clássico pragmatismo russo: “De que vale o mundo, sem a Rússia nele?”

Eu confesso, estou com medo, e você também deveria estar, mas não por causa dessa retórica de brandir espadas, como dizem na gringa. Esse tipo de ameaça às vezes não muito velada não é novidade, e nem falo de Kim Jong Un e da Melhor Coréia, que por anos assustaram os EUA com o papo de que possuem agora  armas nucleares, e só sossegaram depois que esse nó górdio foi rompido por um maluco maior do que o maluco deles.

Basicamente Donald Trump disse que os EUA tinham muito mais armas nucleares e se o Fogueteiro da Melhor Coréia quisesse brigar, era só cair dentro. Isso resultou em um inédito encontro entre os líderes dos dois países e anos sem testes de mísseis. Loucura, mas a base da paz nos últimos 50 anos. Tem até nome MAD, sigla em inglês para Destruição Mútua Assegurada.

Insano? Totalmente, mas se mantém a paz, funciona. (Crédito: Depto de Estado)

O conceito é bem simples: se eu sou muito mais forte que você, eu te dou uma surra, então tudo bem brigar contigo, mas você não vai iniciar nada comigo Se a diferença for menor, tanto eu quanto você podemos começar uma briga, acabamos os dois meio estropiados, mas tudo bem.

Já se nós dois tivermos dezenas de milhares de ogivas nucleares, capazes de destruir o mundo inteiro várias vezes, não é interesse de ninguém começar uma briga, pois não importa quem começou, todo mundo perde no final. É a Destruição Mútua Assegurada.

Durante a Guerra Fria chegamos muito perto de uma Guerra Total Termonuclear. Durante a Crise dos Mísseis Cubanos os americanos se prepararam para um conflito final, e ele quase ocorreu à revelia de Washington e Moscou. Em dezembro de 1962 um submarino soviético classe Foxtrot estava patrulhando no Caribe quando foi detectado por uma esquadra americana.

Jogo estranho, Mr Putin. (Crédito: MGM)

Instruído a emergir, o B-59 ignorou os ianques, que começaram a lançar cargas de profundidade de baixa potência, para forçar o barco soviético para a superfície. No B-59 eles estavam a vários dias sem comunicação com Moscou. O Capitão pensou que a guerra havia começado. Ele decidiu que deveriam lançar seu torpedo nuclear e aniquilar a frota americana. 

Assim como nos filmes, os russos determinaram que pelo menos duas pessoas concordam com a ordem de ataque, o Capitão e o Oficial político. Ambos concordavam, mas o B-59 estava em uma situação especial: A bordo estava Vasily Arkhipov, ele era comandante em chefe da flotilha de submarinos soviéticos na região, e Segundo Oficial do submarino. A regra era que os três deveriam concordar antes de lançar uma arma nuclear.

Não esse submarino exatamente. (Crédito: Fox Films)

Vasily foi firme e se recusou a autorizar o lançamento, convenceu o Capitão a emergir e entrar em contato com os americanos. Vendo que o mundo não havia acabado, tudo se resolveu. Vasily Arkhipov literalmente salvou o mundo.

Vários outros casos de quase desastre aconteceram, mas propositalmente pelo menos dos Anos 80 em diante não havia um clima de apocalipse iminente, mas ao mesmo tempo uma idéia estava germinando na cabeça dos envolvidos, e era algo muito ruim: As Armas Nucleares Táticas.

É simples: armas nucleares estratégicas são ogivas de grande potência, 10, 20 megatons, capazes de destruir cidades inteiras. Elas são lançadas através da chamada Tríade Nuclear: Mísseis Balísticos Intercontinentais, Submarinos e Bombardeiros. São as armas do fim do mundo, criadas para um ataque de surpresa, lançando tudo, mas tudo mesmo, sabendo que a resposta viria minutos depois, na mesma moeda. São a base da doutrina MAD.

Teste de míssil Peacekeeper no atol Kwajalein, mas Ilhas Marshall. Cada míssil leva 10 ogivas independentes - MIRV (Crédito: Depto de Defesa dos EUA)

Já as armas nucleares táticas são um conceito no qual armas convencionais são substituídas por ogivas nucleares de menor porte, pequenas, com 13 quilotons, como a bomba de Hiroshima (um quiloton equivale a mil toneladas de TNT) ou até mesmo a famosa bazuca nuclear Davy Crockett, com uma ogiva XM388 com potência equivalente a 20 toneladas de TNT.

Chega a ser hilário ver filmes como Starship Troopers mostrando ogivas nucleares portáteis como algo extremamente avançado, quando tínhamos a tecnologia em 1961.

Outras armas foram desenvolvidas, como o canhão nuclear Atomic Annie, que em um tiro de teste lançou uma ogiva nuclear W9, de 15 quilotons, a uma distância desconfortavelmente próxima de 11 quilômetros. 

Também havia a Munição Atômica de Demolição, a camada mochila nuclear. Com 23 kg ela levava uma ogiva W54 com capacidade variável, podendo ser configurada entre 10 e 1000 toneladas de TNT de potência explosiva. 

Os ingleses tinham o projeto Pavão Azul, uma espécie de mina terrestre nuclear com potência de 10 quilotons, que seria enterrada na Alemanha, na passagem eventualmente usada por tanques russos em uma invasão. As minas seriam detonadas remotamente ou por um timer, caso ficassem oito dias sem comunicação. A Alemanha, compreensivelmente não gostou da idéia.

A proliferação de armas nucleares de pequeno porte, dos dois lados (os russos tinham equivalentes para todas as armas do Ocidente) não significava que elas seriam usadas, era mais uma coisa de “a gente tem que ter pois o outro lado tem”, e por anos o consenso era que uma arma nuclear tática seria respondida com outra arma nuclear tática, e isso levaria muito rapidamente a uma guerra total termonuclear.

Exceto que a doutrina russa gradualmente foi mudando.

OTR-21 Tochka, capaz de levar uma ogiva convencional ou uma nuclear de 100 quilotons, a alvos a 185 km de distância. Estão sendo usados na Ucrânia. (Crédito: Wikimedia Commons / Владислав Фальшивомонетчик)

Em 2000 a Rússia publicou uma mudança de doutrina. Até então eles afirmavam que jamais usariam armas nucleares em um primeiro ataque, somente como resposta a uma agressão nuclear externa. Com a nova doutrina, o uso de armas nucleares seria possível

"Em resposta à agressão em larga escala utilizando armas convencionais em situações críticas para a segurança nacional da Federação Russa."

Mais ainda: A Rússia passou a acreditar que o uso limitado de armas nucleares seria possível, sem a inevitável escalada para um conflito global termonuclear.

Um dos conceitos da nova doutrina é “escalar para desescalar”, ou seja: durante um conflito convencional, caso a Rússia estivesse em situação de extrema desvantagem, ela utilizaria uma, ou algumas armas nucleares táticas, destruindo alvos inimigos, como postos de comando ou suprimentos, ou talvez até atacando áreas remotas, como demonstração de poder.

Isso levaria o outro lado a negociar, e a Rússia conseguiria no mínimo uma posição status quo ante.

A doutrina é ousada o suficiente para ser pensada mesmo contra inimigos que possuam armas nucleares, os russos acreditam que ninguém seria louco de iniciar o fim do mundo por causa de uma bomba explodindo na periferia de uma cidade, ou no meio de um deserto. Isso é muito perigoso, dificilmente o outro lado deixaria de responder na mesma moeda, anulando a vantagem russa. 

Essa doutrina de escalar para desescalar foi formulada por um então secretário do Conselho de Segurança da Rússia, no final dos Anos 90. Mais tarde esse secretário chegou à Presidência, e em maio do ano 2000 assinou a doutrina que ele mesmo criou. O nome do Secretário? Vladmir Putin.

Isso é ridículo. (Crédito: Reprodução Internet)

Putin não é um militar, não é um estrategista. Ele tem o treinamento e a visão paranoica de uma vida na KGB. Ele acredita que demonstrações de força podem ser feitas sem retaliação. Isso é muito perigoso.

Anos de corrupção mostraram que a Rússia é um tigre de papel (com armas nucleares), seus veículos estão caindo aos pedaços, seus soldados precisam saquear lojas de conveniência para conseguir comer, mesmo a menos de 100km da fronteira russa, e um dos países mais pobres da Europa está a 46 dias recusando ser conquistado pela segunda maior potência do planeta. 

Vai Putin! (Crédito: Twitter)

As tropas russas estão recuando, fugindo de uma Ucrânia devastada mas em pé como Rocky Balboa. Há indícios de que irão se reagrupar e tentar consolidar a região de Donbas, agregando as áreas separatistas, mas enquanto isso a Ucrânia continua recebendo armas e voluntários. 

Depois das atrocidades em Mariupol e outras cidades, a percepção geral é que todos os russos devem ser exterminados ou expulsos da Ucrânia, e não parece que o Presidente Zelensky vá aceitar abrir mão do que equivale a 30% de seu território.

Os russos estão deixando seus mortos para trás. A população não está sendo informada da gravidade da situação, mas uma hora as mães vão perceber que os filhos não estão voltando para casa. A Rússia precisa desesperadamente de uma vitória palpável, e na cabeça de Putin ele estar em grave risco é o mesmo que a Rússia estar em grave risco.

A Rússia em grave risco é uma das situações onde armas nucleares táticas são aceitáveis para Moscou, e internamente há a questão: os americanos estão se recusando a mandar tropas para a Ucrânia. Estão fazendo tudo para evitar um conflito direto. Será que eles mudariam de idéia, se um artefato nuclear de alguns kilotons explodisse no Karkiv? 

A cidade já está devastada mesmo, A Ucrânia já resistiu a Chernobyl, será mesmo que Washington, ainda mais com Biden, visto como um líder fraco por Moscou, faria mais do que ameaçar mais sanções?

Mariupol está devastada, na cabeça de Putin uma bomba aqui não faria diferença (Crédito: CNN)

Putin não está vendo a situação como um estrategista. Na Segunda Guerra Mundial mesmo Hitler vetou a idéia de usar armas químicas contra os Aliados, ele sabia que a resposta viria na mesma moeda e isso seria não só terrível com o povo alemão, como acabaria com a agilidade de suas tropas. Já Vladmir Putin enxerga a “operação militar especial” na Ucrânia como um Bully. Ele está acostumado a bater sem que a vítima reaja, como um civil torturado em um porão em Mariupol. 

Só que não estamos na velha União Soviética, o mundo tem um trauma coletivo com armas nucleares. A doutrina americana é que ataques com armas de destruição de massa são respondidos na mesma moeda, mas Putin está certo: os EUA não lançariam um ataque atômico em resposta a uma arma nuclear russa detonando na Ucrânia. 

Ele está errado em achar que a resposta não seria um maciço ataque convencional, enquanto seus aliados, como China e Índia se tornariam invisíveis, no melhor estilo “te virá aí, meu nego”. 

A resposta russa dificilmente seria diferente de mais armas nucleares, tentando forçar uma negociação, e em algum momento Putin iria escalar mais ainda, tentando desescalar. Se Kiev não foi o suficiente, talvez um ataque nuclear russo faça a OTAN sentar na mesa de negociações.

Claro, depois que uma capital da OTAN for nukada, é game over, man, game over.

Tipo isso.

Um monte de gente diz que esse tipo de especulação não é saudável, que Putin jamais faria algo assim. São as mesmas pessoas que um dia antes da invasão da Ucrânia chamaram as notícias de alarmistas, juraram que ele jamais invadiria. Também falaram que ele não atacaria Kiev ou outras grandes cidades, e se manteria nas regiões separatistas.

Enquanto isso a Romênia está distribuindo pílulas de Iodo para a população, para tentar reduzir uma eventual contaminação radioativa.

É para construirmos abrigos nucleares, e começarmos a assistir Mad Max como filme de treinamento? Não, mas não há problema nenhum em ter medo. Décadas de Guerra Fria não preparam a gente para a perspectiva do fim do mundo.

Na Primeira Guerra do Golfo Saddam Hussein tentou provocar a entrada de Israel no conflito, o que afetaria o equilíbrio dos Aliados, com vários países árabes que dificilmente lutariam ao lado dos judeus. Saddam lançou dezenas de mísseis Scud contra Israel, supostamente com armas químicas.

Em determinado momento Israel lançou dois caças com destino a Bagdad, levando armas nucleares. George Bush Pai teve que usar todo seu convencimento para que eles retornassem, e encheu Israel de baterias de mísseis Patriot. (que não funcionaram mas isso é outras história).

Tendo acompanhado toda essa ação, afirmo que hoje estamos mais próximos de uma grande nuvem em forma de cogumelo do que quando Israel ficou com sangue nos olhos. E eu tenho medo.

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