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O Império Contra-Ataca: Armas nucleares russas no espaço?

Armas nucleares, quanto mais longe melhor, mas mesmo no espaço elas causam problemas, e é lá que a Rússia quer colocar algumas

16/02/2024 às 19:07

A notícia da semana é que a Uni-sorry, força do hábito- a Rússia estaria planejando colocar armas nucleares em órbita, para atacar satélites inimigos. A bomba (sorry) foi jogada por Mike Turner, deputado americano e membro do Comitê de Inteligência da Câmara.

Será mais um plano maligno de Darth Putin? (Crédito: Stable Diffusion)

Foi uma divulgação oportuna, o Congresso dos EUA está embarreirando um pacote de quase US$100 bilhões em ajuda para Ucrânia e Israel, é ano de eleições e a Rússia está aos poucos avançando, mas mesmo assim há um fundo de verdade, e a maior prova é que Moscou negou ter a tal arma. A regra é clara: Não acredite em nada até o Kremlin negar.

Em si a idéia de armas nucleares no espaço não é nova, e embora o Tratado do Espaço Sideral, de 1963, proíba, isso não impede ninguém de fazer planos e pesquisas. Sem falar que vários países não assinaram o Tratado, quem sabe o que o Sudão está planejando?

Qual a vantagem?

Em teoria, uma plataforma com armas nucleares no espaço seria uma vantagem estratégica, como mostrando no documentário Caubóis do Espaço, de Clint Eastwood. Fora do alcance do inimigo, você poderia lançar ataques impunemente.

Na prática, não é tão simples. Um foguete não pode descer em linha reta, partindo de uma estação se movendo a 28 mil km/h. Se estiver do outro lado do mundo, o tempo de vôo é o mesmo de um lançamento em terra, e mísseis lançados de submarinos continuam sendo bem mais rápidos.

O foco da nuclearização do espaço se voltou para defesa, e em 1984 a administração Reagan anunciou a Iniciativa de Defesa Estratégica, SDI, popularmente conhecida, para horror de George Lucas, como programa Star Wars. A ideia era desestabilizar o status quo, a Destruição Mútua Assegurada, apropriadamente conhecida na sigla em inglês como MAD. O conceito era que em caso de guerra nuclear, os dois lados seriam aniquilados, sem chance de sobrevivência. Incrivelmente isso manteve a paz por uns 40 anos.

O programa Star Wars (chamemos assim, pois sempre é legal irritar George Lucas) pretendia criar um escudo no espaço, para proteger os EUA de mísseis nucleares soviéticos, desequilibrando a geopolítica mundial. Escudo esse que seria bem mais complicado de construir do que o de Endor.

Eram três tecnologias principais sendo pesquisadas: lasers, raios de partículas e interceptadores cinéticos.

Esses podiam ser simples mísseis com ogivas explosivas, ou equipamentos mais sofisticados capazes de lidar com MIRVs, sigla para veículos múltiplos de reentrada, quando um míssil leva várias ogivas independentes. Um interceptador cinético seria um conjunto de veículos com carga explosiva que se desprenderiam próximo dos MIRVs, e cada um identificaria e atacaria um alvo.

Aqui um teste de um desses veículos, em terra:

Lasers todo mundo conhece, eles seriam instalados em órbita e atingiriam diversos alvos simultaneamente com uma imensa quantidade de energia. Para evitar que os soviéticos compensassem usando ogivas altamente reflexivas, foi pensado o uso de raios de partículas, onde feixes de prótons (não se preocupe, eles não se cruzariam) acelerados a altíssimas velocidades atingiram as ogivas russas, e a energia cinética seria suficiente para destruí-las.

No laboratório tudo funcionou, infelizmente, assim como Ruby, essa tecnologia não escala, e para conseguir a energia necessária para produzir lasers e feixes de partículas capazes de destruir mísseis russos a centenas de km de distância, uma opção era o uso de armas nucleares como fonte de energia.

Sim, os malucos queriam explodir armas nucleares em órbita para energizar as armas que destruiriam os mísseis inimigos.

Não é melhor usar direto armas nucleares contra eles?

Não, gafanhoto, pior que não. Ao contrário do que diz o bom-senso, armas nucleares não são muito úteis no espaço. Mesmo em terra, seu efeito é limitado. Em 1957, durante os testes da Operação Plumbbob, os EUA resolveram testar os efeitos de uma detonação nuclear em média altitude.

Um Northrop F-89J Scorpion lançou um foguete nuclear ar-ar Genie, com potência de 1,5 quilotons, a uma altitude de 15000 pés (4,57 km). Em terra, 5 voluntários e um operador de câmara que realmente não queria estar lá, testemunharam a explosão.

A dose de radiação que receberam foi insignificante, e todos viveram longas vidas.

O principal efeito em terra de uma detonação nuclear é a onda de choque, que empurra tudo à sua volta. Uma detonação no ar gera uma esfera que se dissipa muito rapidamente. No espaço, o único material para gerar a onda de choque é a bomba em si, a energia se resume praticamente a radicação eletromagnética e íons.

Por isso armas nucleares no espaço não são úteis, precisariam ser detonadas perto demais dos alvos. Elas eram mais eficientes dentro da atmosfera, como nos mísseis Nike Hercules, projetados para atingir altitudes de até 50 km, com 150 km de alcance, penetrar no meio de vastas formações de bombardeiros soviéticos e detonar uma ogiva de até 28 quilotons, duas Hiroshimas mandando os russos para o inverno, 'MURICA!!!

Com toda a energia sendo dissipada em radiação eletromagnética, logo alguém (no caso os russos) juntou A + B e descobriu que esse pulso eletromagnético tinha efeitos deletérios em equipamentos eletrônicos, e os raios-x gerados destruíam o escudo de reentrada de ogivas nucleares (Fonte: Ready, Set, Getting to Go: America’s Nuclear Test Readiness Posture – cuidado, PDF).

O conceito de PEM – Pulso Eletromagnético se popularizou, e é usado por todo canto pelo povo alarmista, em alguns casos há quem jure que uma única bomba seria capaz de destruir todas as instalações elétricas dos EUA, o que é uma imensa bobagem.

Mesmo assim a tecnologia tinha sua utilidade, e pesquisas foram feitas para afinar as armas nucleares para gerarem detonações focando nas frequências mais adequadas para destruir equipamento alheio.

Com a proibição de testes atmosféricos (ou no espaço), essa tecnologia ficou na gaveta, mas a informação agora é que a Rússia teria desengavetado um desses projetos, e estaria bem avançada.

Segundo reporta o The New York Times:

“Os Estados Unidos informaram ao Congresso e aos seus aliados na Europa, sobre os avanços russos em uma nova arma nuclear baseada no espaço, projetada para ameaçar a extensa rede de satélites da América.”

Ao contrário de armas anti-satélite convencionais, que atacam satélites individuais, essa arma destruiria vários ao mesmo tempo. Mike Turner pede para a administração Biden levantar o sigilo sobre a tal arma, revelando ao público tudo que o Governo sabe sobre ela, o que forçaria os russos a se posicionar.

O Governo dos EUA por sua vez não negou a história, apenas falou que não é nada para preocupação imediata, mas a própria amplitude da ameaça é algo preocupante sim. Se a arma russa ameaça constelações de satélites como a Starlink, temos um perigo inédito.

Um satélite da constelação Starlink tem 2,8 metros de comprimento, pesa 260 kg e a distância média entre eles é de 550 km. O alcance da Tsar Bomba, de 50 megatons, a maior detonação já produzida pelo Homem, foi de 60 km de raio.

É improvável que a Rússia, na penúria que vive, tenha desenvolvido tecnologia que coloque isso em perigo, mas historicamente nações com a corda no pescoço apelam para suas Wunderwaffen, sempre com resultados decepcionantes.

Vale o risco ignorar e descobrir mais tarde que a tal arma existe? Os EUA estão em uma sinuca, não há nada que possam fazer para deter a suposta arma, exceto intervenção direta contra a Rússia, o que NÃO vai acontecer.

Definitivamente estamos sofrendo aquela velha maldição chinesa, “que você viva em tempos interessantes”.

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