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60 anos da Crise dos Mísseis de Cuba

A Crise dos Mísseis de Cuba foi o momento mais tenso da Guerra Fria, e até hoje nunca estivemos tão perto do Armagedom

1 ano atrás

A Crise dos Mísseis de Cuba foi o mais próximo que chegamos do Apocalipse. Nem em tempos modernos com Putin e o Grande Líder da Melhor Coréia fazendo ameaças nucleares, o Fim esteve tão próximo, mas o que foi essa crise, como começou, quanto durou? Vem comigo...

Míssil nuclear Júpiter, estacionado na Turquia (Crédito: U.S. Army, Redstone Arsenal, Jupiter Missile History)

O que foi a Crise dos Mísseis de Cuba

Resumidamente, os soviéticos tentaram instalar mísseis nucleares em Cuba, o Governo Kennedy não gostou, impôs um bloqueio naval, os dois lados quase chegaram às vias de fato, mas no último momento Moscou piscou, desistiu de brigar e tirou seus mísseis de Cuba, de mala e cuia.

Tipo assim. (Crédito: Paramount Pictures)

O que REALMENTE foi a Crise dos Mísseis de Cuba

Como sempre a história é bem mais complexa, e muitos detalhes permaneceram secretos por décadas. A Crise pode ser rastreada até o final da Segunda Guerra Mundial, com a chamada Operação Paperclip, quando os Estados Unidos contrataram a maioria dos cientistas nazistas responsáveis pelos foguetes V2.

Os soviéticos também levaram uma boa quantidade de engenheiros, mas como não eram exatamente bons anfitriões, seus “hóspedes” não rendiam tanto quanto os Von Brauns da vida. Eventualmente a URSS (não confundir com URSAL) conseguiu produzir seus primeiros mísseis, mas os Estados Unidos tinham modelos melhores e em muito maior quantidade, exceto que isso era segredo.

Kennedy cunhou o termo “míssil gap”, para referenciar a disparidade entre os estoques de mísseis soviéticos e americanos, os relatórios, públicos ou secretos eram assustadores. Havia previsões de 1500 mísseis balísticos intercontinentais soviéticos por volta de 1963. O número real? Quatro.

A maioria dos mísseis soviéticos nos desfiles? Fakes, mas enganaram e apavoraram os EUA. (Crédito: TASS)

Para tentar deter esse trator soviético, Kennedy instalou mísseis balísticos de alcance intermediário (IRBMs) nos aliados dos EUA na Europa. Em resposta os soviéticos instalaram mísseis nas fronteiras de seus estados-satélites.

Os EUA por sua vez negociaram e no final de 1959, instalaram vários esquadrões de mísseis Júpiter na Itália e na Turquia. Os soviéticos não gostaram, o que só piorou a Crise de Berlim, em 1961, quando a cidade foi dividida e o famigerado muro que o Pedro Bial derrubou foi erguido.

Em Moscou a situação estava russa. Os EUA tinham mísseis na Turquia, colados na União Soviética. Podiam aniquilar Moscou, Leningrado, Stalingrado e qualquer outra grado que quisessem, e o tempo de vôo seria de poucos minutos.

Alcance de um míssil Júpiter: 2700Km (Crédito: MapDevelopers)

Pior, os soviéticos no máximo poderiam retaliar destruindo a Europa, eles não tinham mísseis intercontinentais para atacar os Estados Unidos.

A solução? Achar um lugar mais perto para lançar seus mísseis. Claro, isso significa pintar um enorme alvo no país, e garantia que em caso de guerra nuclear, ele seja atomizado. Somente alguém sem nada a perder toparia uma parceria Caracu dessas, e esse alguém era Fidel Castro.

Fidel era alvo constante de tentativas de assassinato. Os EUA financiavam guerrilhas anti-castristas, e em Abril de 1961 rolou a famosa Invasão da Baía dos Porcos, quando um grupo de guerrilheiros financiados pela CIA tentaram desembarcar em Cuba. Foi um fracasso, vexame total, mas mostrou que os EUA estavam ativamente querendo eliminar Fidel.

Colocando mísseis em Cuba, junto com tropas soviéticas e toda a defesa antiaérea convencional que faz parte desse tipo de instalações seria uma excelente forma de dissuadir os americanos de invadir, pois os soviéticos considerariam como um ataque direto a suas posições.

Fidel e Khrushchev, BFFs (Crédito: TASS)

Depois de muitas negociações secretas entre Fidel e Khrushchev, no começo de 1962 técnicos soviéticos começaram a enviar homens e equipamentos. A operação ocorreu em segredo total, fazendo uso de muita teatralidade e dissimulação. Os homens embarcavam usando roupas de inverno, com os navios saindo com ordens de rumar para o ártico, apenas para algumas horas depois os capitães abrirem suas ordens e descobrirem que seu destino era Cuba, onde o Sol era quente, assim como... a camaradagem.

No total a União Soviética enviou 43 mil homens para Cuba, entre maio e outubro de 1962. Os americanos começaram a desconfiar por volta de agosto, quando os russos negaram veementemente a possibilidade de instalarem mísseis na ilha caribenha.

Naquela época já valia a máxima do DarthPutinKGB: “Não acredite em nada até o Kremlin negar”.

Era ano de eleições nos EUA, então o foco era doméstico. Os relatórios foram desconsiderados, se os mísseis não fossem confirmados, não haveria necessidade de agir, então a administração Kennedy enfiou a cabeça na areia até quando pôde. No comecinho de agosto aviões-espiões U2 fotografaram baterias de mísseis antiaéreos SA-2 em Cuba, se Moscou estava instalando seus preciosos SA-2, alguma coisa eles queriam proteger.

Obras de instalação de mísseis balístcos em Cuba, fotografadas em 1/11/1962 por um avião-espião U2. (Crédito: National Archive)

Isso virou um memorando que provavelmente nem chegou a Kennedy, mas em 31 de agosto o caldo foi entornado quando o Senador Kenneth Keating fez um discurso no Congresso alertando para a construção de uma base de mísseis em Cuba, e uma iminente invasão soviética.

Por quase cinco semanas quase nada aconteceu. Um U2 de Taiwan havia sido derrubado na China, então os EUA ficaram com medo de sobrevoar Cuba. Tentaram usar satélites, mas em 1962 eles não eram exatamente avançados, usavam filmes e as cápsulas de retorno tinham que ser capturadas por aviões, era algo extremamente complicado. Ha sim, também havia uma cobertura de nuvens atrapalhando.

Em 14 de setembro o tempo abriu, e um U2 conseguiu tirar mais de 900 fotografias. O resultado era inquestionável: Mísseis R-12 Dvina e R-14 Chusovaya, com 2500 e 4500Km de alcance respectivamente estavam sendo instalados em Cuba.

Alcance dos mísseis soviéticos sendo instalados em Cuba (Crédito: Defense Intelligence Digest: Special Historical Edition)

Dessa vez a informação subiu direto até John Kennedy, que formou um comitê de segurança nacional, incluindo seu irmão, Bob Kennedy, que exercia o cargo de Procurador-Geral, que apesar do nome nos EUA é uma mistura de  Procurador-Geral da República, Advogado-Geral da União e Ministro da Justiça.

Bob era a favor de um ataque imediato, muita gente no Pentágono considerava a possibilidade. Destruir os mísseis antes que estivessem operacionais. As conseqüências não seriam agradáveis, os soviéticos atacariam algum aliado como retaliação, seria invocado o Artigo 5 da OTAN, e aí, meu amigo, game over, man, game over.

As outras opções não eram muito melhores. Os EUA poderiam não fazer nada, zerando o jogo e perdendo a vantagem estratégica, poderiam fazer um ataque limitado, uma invasão completa ou mesmo tentar uma solução diplomática.

A solução diplomática soa razoável, mas ela levaria inevitavelmente à situação dos soviéticos instalando seus mísseis enquanto negociavam, aí eles não precisariam mais de diplomacia.

A solução, ao menos momentânea para a Crise dos Mísseis de Cuba foi um bloqueio naval, ou melhor, quarentena, bloqueio era uma palavra feia.

John F. Kennedy assinando o Bloq-digo a Quarentena de Cuba (Crédito:
Robert L. Knudsen)

O caso foi levado à assembléia da Organização dos Estados Americanos (OEA), que votou a favor do bloqueio, com envio de embarcações da Argentina, Venezuela e Colômbia para auxiliar a frota americana.

Em um discurso na TV 22 de outubro, Kennedy explicou a situação para o povo americano, que reagiu de forma ordeira e controla-não, foi pânico generalizado, pessoas corriam para cavar abrigos antiaéreos em seus quintais, supermercados eram esvaziados de tudo que o povo conseguisse comprar. Escolas ensinavam o clássico “duck and cover”, afinal entrar debaixo da carteira era garantia de se proteger de uma detonação nuclear.

Soldados instalando arame farpado em Key West, com uma bateria de mísseis antiaéreos ao fundo. (Crédito: US Army)

Nas praias da Flórida banhistas dividiam espaço com mísseis antiaéreos. Prédios eram transformados em abrigos nucleares, alguns davam o ataque soviético como inevitável. Em Washington, o nível de alerta das forças armadas americanas foi movido para DEFCON 3.

Em 25 de outubro de 1962, a Crise dos Mísseis de Cuba chegou a seu momento mais midiático. Em uma reunião do Conselho de Segurança da ONU, o embaixador soviético desconversou a existência de mísseis nucleares em Cuba, e questionou os EUA, que afirmavam, mas nunca apresentavam provas.

Ele não sabia que Adlai Stevenson, embaixador dos EUA na ONU estava preparado. Após exigir uma resposta, que não obteve, ele chamou uns assistentes que trouxeram um cavalete e fotos ampliadas dos mísseis, tiradas por um U2.

 

Secretamente o nível de alerta foi atualizado para DEFCON 2.  DEFCON 1 significava guerra.

Esquadrões inteiros de bombardeiros foram dispersados pelo país, incluindo aeroportos civis. Centenas de aviões ficaram no ar permanentemente, sendo reabastecidos em vôo, armados com ogivas nucleares. As bases de mísseis intercontinentais, todas em alerta máximo, com poucos minutos entre a ordem e o lançamento.

O bloqueio naval continuava, um ou outro navio conseguiu furar o boqueio. Outros foram inspecionados e seguiram viagem, diversos deram meia-volta, mas os mísseis em Cuba continuavam a ser preparados para uso. Internamente Kennedy agora achava que teria que atacar.

Um Lockheed P-3A-20-LO Orion da Marinha dos EUA sobrevoa o navio soviético Metallurg Anosov e o destróier USS Barry (DD-933) (Crédito: US Navy)

Publicamente todos os lados eram intransigentes, mesmo os americanos sabendo que seus mísseis Júpiter eram obsoletos e seriam retirados da Turquia de qualquer jeito, e Khrushchev estava seguindo a linha dura do Politburo, meio contra sua vontade. Ele não tinha interesse no fim do mundo, e havia dado ordem para suas tropas não atirarem em aviões americanos isolados. Os cubanos receberam as mesmas ordens mas claro que ignoraram, e em 27 de outubro um U2 pilotado pelo Major Rudolf Anderson foi abatido por um míssil SA-2. Alguns dizem que foi um comandante soviético violando ordens. Khrushchev diz que foi ordem de Raul Castro.

O Fim da Crise?

O que ninguém sabia é que um dia antes o chefe da KGB na embaixada soviética em Washington havia chamado John Scali para um almoço informal. Scali era correspondente da ABC, mas antes havia sido embaixador dos EUA nas Nações Unidas. Ou seja: Ele tinha muitos, muitos contatos.

Scali foi informado de que se os americanos estivessem dispostos a negociar, os soviéticos estavam dispostos a ouvir. A proposta soviética envolvia uma promessa de que os EUA não iriam invadir Cuba, que em troca declararia publicamente que não aceitaria futuras armas nucleares soviéticas em seu território. A remoção das armas existentes também estava no pacote.

Fidel estava ensandecido vendo tudo acontecer, tudo que ele queria era ver Cuba lançar os mísseis (achou que eu não faria essa piada?), mesmo sabendo que isso significaria o fim de seu país.

Os russos, que não eram bobos, mantiveram controle rígido sobre os mísseis. As ogivas ficavam armazenadas a cinco horas de distância dos lançadores, e não havia chance de um cubano maluco lançar algo sem autorização.

No final do dia os dois lados chegaram a um acordo; o bloqueio naval contra Cuba seria removido, A União Soviética retiraria seus mísseis do país, e Washington não tomaria mais atitudes militares contra Castro, incluindo financiar guerrilhas.

The End, todos viveram felizes para sempre.

A Crise dos Mísseis de Cuba que Ninguém Viu

As negociações oficiais envolveram detalhes secretos mesmo para a maioria do governo americano. Somente décadas depois foi revelado que havia uma cláusula secreta: Os Estados Unidos se comprometeram a remover os mísseis Júpiter da Itália e da Turquia. A Itália não ligou muito, já os turcos subiram nas tamancas, estrategicamente era uma grande perda, em termos bélicos e em termos de prestígio.

Fidel por sua vez também odiou a solução. Ele queria sangue, mas percebeu que era só uma marionete, uma moeda de troca entre duas superpotências. Isso azedou as relações a ponto de Moscou mandar retirar as armas nucleares táticas que havia deixado em Cuba, e que os americanos não sabiam que existiam.

Os 42 mísseis balísticos soviéticos foram desmontados e removidos de Cuba em 5 de novembro de 1962, os mísseis Júpiter foram removidos da Itália e da Turquia entre 1º e 24 de abril de 1963. Como prometido, eles estavam tão obsoletos que nem foram reaproveitados, removeram as ogivas e destruíram o resto.

O Quase Armagedom

Além dos mais de 40 mil homens, a defesa soviética em Cuba contava com quatro submarinos, que haviam sido enviados para o Caribe, logo antes da crise.

Movidos por propulsão convencional, não-nuclear, os quatro Fox-Trots atravessaram o Atlântico enfrentando uma tempestade que jogava os barcos em oscilações de mais de 5 metros, vários marinheiros ficaram feridos, arremessados dentro dos compartimentos.

Apesar das costelas quebradas, os submarinos chegaram à zona do Bloqueio, apenas para descobrir que os submarinos soviéticos não funcionavam bem nas águas quentes caribenhas, e se transformavam em máquinas de sous vide gigantes. Alguns marinheiros perderam quase metade do peso, ao final da Crise.

Por serem submarinos convencionais, eles precisavam emergir de tempos em tempos para acionar seus motores diesel e recarregar as baterias, mas isso provocava o assédio dos americanos, que tinham ordem de fazer os russos emergirem.

Um Martin SP-5B Marlin da Marinha dos EUA sobrevoa o submarino soviético B-36 classe Foxtrot. O destróier USS Charles P. Cecil é visível ao fundo. (Crédito: US Navy)

Um a um os submarinos foram sendo identificados, encurralados e no jogo de gato e rato da guerra submarina, acabavam “se rendendo”. Não de verdade, mas quando você é obrigado a emergir ao lado do inimigo, sabe que só está vivo por vontade dele.

Um desses submarinos, o B-59, era comandado pelo Capitão de Segunda Classe Valentin Savitsky, e na noite do dia 27 de outubro de 1962 ele enfrentou seu maior pesadelo.

Quase sem baterias, com as reservas de ar perigosamente baixas, o B-59 seguia cercado de contatos de sonar. Eles estavam a mais de uma semana sem comunicação com Moscou, com poucas oportunidades de emergir, e o inimigo gerando interferência de rádio. Para o Capitão Savitsky, a Guerra poderia já ter estourado.

Não ajudava os navios passarem por cima do B-59 com marinheiros lançando granadas de mão, que não danificariam o casco mas causavam um belo e assustador estrondo.

Capitão de Brigada (2ª Classe) Vasily Arkhipov (Crédito: Reprodução Internet)

Naquela noite ele arriscou ir para a superfície. Savitsky foi para a vela do submarino, junto com seu segundo em comando, o Capitão de Brigada (2ª Classe) Vasily Arkhipov. Logo a noite virou um inferno. Tiros de advertência, navios à volta, aviões passando a 20 metros de altura, holofotes. O Capitão achou que estavam sendo atacados, desceu correndo dando ordem para submergirem.

Essa não foi a única ordem. O B-59 estava equipado com um torpedo especial, um torpedo carregando uma ogiva nuclear de 15 Kilotons. Era uma arma criada pra destruir frotas inimigas inteiras, e muito provavelmente o submarino que a lançou também morreria no processo.

O Capitão Savitsky havia decidido atacar os americanos a queima-roupa. O Oficial Político também concordou, mas os soviéticos trabalhavam com o modelo de três homens para autorizar o lançamento de uma arma nuclear.

Arkhipov manteve a cabeça fria, se recusou a autorizar o lançamento. Com bastante calma ele convenceu o Capitão de que os americanos só estavam sinalizando. Emergindo de novo e sinalizando aos americanos para deixarem ele em paz, o B-59 recarregou suas baterias, encheu seus tanques de ar, se comunicou com a base e rumou de volta para a União Soviética.

Vasily Arkhipov fez algo quase inédito: Ele é um homem que, sozinho, salvou o mundo da destruição mútua assegurada. Sua recusa em autorizar o lançamento evitou uma guerra nuclear, e por isso ele e seus homens foram recompensados com ostracismo, sabotagem profissional e desconfiança.

Civis e militares trataram as tripulações dos quatro submarinos como perdedores e covardes. A Marinha Soviética achava que eles haviam falhado pois as ordens eram não ser detectados e muito menos “capturados”.  Já o povo repetia aquela romantização de guerra que vem desde o tempo de Esparta, “Volte com seu escudo, ou sobre ele”.

Parte dessas informações só foram relevadas nos Anos 80, outras, como os detalhes do B-59, só em 2012, e o resto do mundo finalmente soube o quão perto realmente estivemos de uma Guerra Total Termonuclear.

Para uma visão surpreendentemente fiel da Crise dos Mísseis de Cuba, recomendo o ótimo filme de 2000, Thirteen Days.

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