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Moskva: Ucrânia afunda principal navio russo no Mar Negro

Moskva era a nau capitânia da frota russa do Mar Negro, e foi afundado pelos ucranianos. Problema: Isso deveria ser impossível

2 anos atrás

O Moskva, orgulho da Frota do Mar Negro, segundo autoridades russas afundou depois de um incêndio a bordo, durante uma tempestade. O incêndio foi provocado por uma extrema alergia do Moskva a dois mísseis ucranianos Netuno, mas essa parte os russos omitiram.

Moskva

O Moskva, em dias melhores e menos glubglub (Crédito: MOD - Rússia)

O que ninguém consegue esconder é a surpresa mundial entre os especialistas em guerra naval. Isso não deveria acontecer. Mesmo comparações com Star Wars não funcionam. Não há nenhuma falha de projeto específica, nenhuma porta de exaustor do reator. Não foi um Jedi quem destruiu o Moskva, foi um míssil competente mas completamente defasado para o qual o Moskva deveria estar mais que preparado.

Que tipo de navio era o Moskva?

Moskva, ou em russo Москва significa “Moscou”, era o novo nome do navio originalmente batizado Slava, Glória. Construído no tempo da União Soviética, sua quilha foi batida em 1976, e foi comissionado em 1983. Ele é, ou era um cruzador de mísseis guiados classe Slava, com 12.490 toneladas de deslocamento, 186,4 metros de comprimento, 19 mil km de autonomia e velocidade máxima de 59 km/h.

Ele foi o primeiro de sua classe, com três construídos dos oito planejados. Seu objetivo era simples: aterrorizar e destruir porta-aviões americanos, podendo lançar 12 16 mísseis de cruzeiro P-1000 Vulkan, cada um com autonomia de 550 km e levando uma ogiva convencional de uma tonelada ou uma ogiva nuclear.

Moskva lançando mísseis P-1000 Vulkan, durante um exercício..

Seguindo o que foi aprendido na Segunda Guerra Mundial, o Moskva era, ao menos em teoria inexpugnável em termos de defesa aérea, podendo proteger uma área considerável, com mísseis S-300F. O alcance desse míssil é de 90 km, atingindo alvos a até 25 km de altitude.

O que aconteceu afinal?

Na noite de 13 de abril de 2022, começaram a pipocar nas redes de Inteligência Open Source notícias de que o Moskva havia sido atingido por mísseis Netuno ucranianos. Como sempre a informação foi recebida com uns 5 pés (1,52 metros) atrás, que aliás é a forma correta de tratar qualquer informação desse tipo. Lembrando Carl Sagan, afirmações extraordinárias exigem provas extraordinárias.

Gradualmente começaram a aparecer confirmações, primeiro de um conselheiro da presidência da Ucrânia, depois do Presidente da Estônia. Mais dados acrescentaram que o Moskva teria sido atingido em meio a uma tempestade.

Horas depois os russos emitiram um comunicado dizendo que o Moskva havia sofrido uma explosão em um paiol de munição, decorrente de um incêndio. Os tripulantes abandonaram o navio, mas ele continuava flutuando.

Yeah, não. (Crédito: reprodução Twitter)

Ao mesmo tempo grupos de OSINT (Open Source Intelligence) detectaram transmissões de rádio do Moskva, pedindo socorro, incluindo uma transmissão automática de SOS em Código Morse.

A informação do ataque agora dizia que o Moskva foi atingido por dois mísseis Netuno, começou a fazer água e capotou antes de afundar. O Pentágono confirmou que o navio estava em chamas, mas não afirmava ou negava que o incêndio foi causado por um ataque.

O chamado “Fog of War”, a neblina de desinformação típica de acontecimentos graves em tempo de guerra estava à toda. Os americanos disseram que o Moskva estava rumando para o porto em Sevastopol por conta própria. Outros diziam que ele estava sendo rebocado.

O orgulho da esquadra (Crédito: MOD - Rússia)

Na manhã do dia seguinte, os russos admitiram que o navio havia afundado enquanto era rebocado para o porto, e que o afundamento foi causado por uma tempestade. Só esqueceram de conferir a meteorologia, o mar estava especialmente calmo.

Um ataque generalizado de mísseis às principais cidades ucranianas meio que comprovou que os russos sentiram forte a perda do Moskva. E não é pra menos.

A Importância histórica

O Moskva era a nau capitânia da esquadra do Mar Negro. Junto com o Marechal Ustinov e o Varyag, os sobreviventes da Classe Slava, estava entre os maiores navios da marinha russa, maior que eles só o Almirante Nakhimov e o Pyotr Velikiy, dois cruzadores de batalha classe Kirov, com 26 mil toneladas, e o porta-aviões Almirante Kuznetsov, com 59 mil toneladas. Desses, fora os Slava somente o Pyotr Velikiy está operacional.

Alguns compararam o afundamento do Moskva com o General Belgrano, torpedeado pelos ingleses durante a Guerra das Falklands, mas o estrago no orgulho nacional foi bem maior. O belgrano era um cruzador leve, uma relíquia da Segunda Guerra Mundial, quando serviu como USS Phoenix. Estava longe de ser o orgulho da frota.

O Knyaz Suvorov vai a pique. (Crédito: Domínio Público)

Já a perda do Moskva se tornou a maior tonelagem perdida para um míssil desde que um Exocet argentino afundou o cargueiro britânico Atlantic Conveyor, nas Falklands. Também é interessante saber que nào é a primeira vez que um Moskva é afundado no Mar Negro, o primeiro foi a pique em batalha com o NMS Regina Maria, da Marinha Romena, em 1941.

Por outro lado, em termos de primeira vez, essa é a primeira vez que uma nau capitânia da esquadra russa é afundada desde que o Japão botou a pique o encouraçado Knyaz Suvorov, na Batalha de Tsushima, em 1905.

Como deveria acontecer

O Moskva foi projetado para detectar, identificar e eliminar ameaças aéreas em três conchas concêntricas. Ele é repleto de sistemas para isso, incluindo:

  • Um radar de busca Voskhod MR-800 com alcance de +200 km
  • Um radar de busca Fregat MR-710 com alcance de +300 km
  • Um radar de tiro 9K33 Osa com alcance de +30 km
  • Um radar de tiro Volna 3R41 com alcance de +100 km
  • Três radares de tiro AK-630 para os canhões duplos CIWS

Todos esses radares fornecem informações para os armamentos antiaéreos, que incluem:

  • 64 mísseis S-300F, com alcance de +90 km
  • 40 mísseis 9M33M2 "Osa-A", com alcance de +15 km
  • 1 canhão duplo AK-130, de 130 mm, disparando 40 tiros por minuto em alvos aéreos a 15 km de distância
  • 6 canhões de 30 mm AK-630, disparando 10 mil tiros por minuto, com alcance de 5 km

Todos esses sistemas funcionam de forma independente, rastreando e engajando vários alvos simultaneamente. O radar do OSA-A por exemplo consegue coordenar 12 mísseis contra 6 alvos ao mesmo tempo.

Alguns dos sistemas do Moskva

Alguns dos sistemas do Moskva (Crédito: reprodução Twitter)

Essa capacidade toda forjou a doutrina pela qual a única forma de atingir um cruzador como o Moskva é com um ataque de saturação, lançando contra ele mais mísseis do que ele é capaz de lidar ao mesmo tempo.

Lançando 20, 30 mísseis contra ele ao mesmo tempo, de várias direções, estatisticamente um ou dois vão passar, e duas ogivas de 500 kg são suficientes para acabar com o dia de um cruzador, como demonstrado, aliás.

A questão é que a Ucrânia não fez um ataque de saturação. Ela nem sequer tem mísseis pra isso.

Que mísseis a Ucrânia tem?

O Moskva foi atacado a uns 150Km da costa de Odessa, perto do estaleiro Mykolayiv, onde foi construído, décadas atrás. Um dos relatos diz que os ucranianos usaram um drone Bayraktar para distrair o Moskva, que se concentrou em rastrear/derrubar o drone e não percebeu os mísseis chegando. Isso não faz sentido.

Quanto aos mísseis, é reportado que a Ucrânia usou este bicho aqui:

É o R-360 Netuno. Desenvolvido na Ucrânia, ele é baseado no russo Zvezda Kh-35, um míssil de cruzeiro antinavio voltado para alvos pequenos, de menos de 5000 toneladas.

https://youtu.be/YFKjUnXSL_E

O Netuno, sendo acompanhado por um Su-27

O Netuno foi melhorado tanto em termos de navegação e detecção de alvo. Ele é lançado de terra, podendo estar a até 25 km longe da costa. Depois de algum tempo voando mais alto, quando sobre o oceano ele desce a menos de 10 metros de altitude, dificultando sua detecção pelo radar inimigo.

Seu sistema de navegação inercial o leva até a região do alvo, e quando mais próximo seu radar começa a procurar e identificar o objetivo. O alcance do Netuno é de 300 km, a velocidade é de 900 km/h e a ogiva é de 150 kg de alto explosivo. Nada que afunde um porta-aviões, mas faz estrago em alvos menores.

R-360 Netuno (Crédito: VoidWanderer / Wikimedia Commons)

O que o Netuno não é, é um míssil avançado. Os 12 P-1000 Vulkan que o Moskva leva carregam uma tonelada de explosivos por 550 km a 3 vezes a velocidade do som. São ordens de magnitude mais difíceis de interceptar.

Há conversas sobre os Estados Unidos fornecerem mísseis Harpoon para a Ucrânia, mas isso ainda não se concretizou.

Então como o Moskva foi atingido?

O Netuno está literalmente saindo da fábrica. Ele se tornou operacional na marinha ucraniana em março de 2021, quando receberam as primeiras unidades, mas a produção vinha avançando lentamente. Simplesmente não há unidades suficientes para um ataque de saturação.

A hipótese de que o Moskva foi distraído por um drone também não funciona. Um Bayraktar seria trucidado sem a menor cerimônia, se chegasse perto do Moskva.

Outra versão disse que o Bayraktar lançou um míssil que destruiu o radar russo, mas também não funciona, o Moskva tem vários radares independentes.

A foto que todo mundo está usando, mas é linda. (Crédito: MOD - Rússia)

O provável é que, assim como em acidentes aéreos, a destruição do Moskva tenha sido causada por uma conjunção de fatores. O principal, a corrupção desenfreada nas forças armadas russas. Todo mundo viu carros de combate fora de combate com pneus estourados, danos causados por pneus vagabundos chineses deixados parados por mais de um ano.

A Marinha Russa é especialmente corrupta, recentemente foi relevado um esquema do qual dos 1 bilhão de rublos alocados para reparos e atualização da Frota do Norte, nada menos de 692 milhões sumiram em esquemas de corrupção.

Marinheiros sem treinamento, sem motivação, sem disciplina, abusando da vodca e não levando seu trabalho a sério. Isso é provável, junto com oficiais corruptos preocupados não em manter uma tropa de qualidade, mas em conseguir formas de roubar o que der pra ser roubado.

É provável que toda manutenção que pudesse ser negligenciada, feita só no papel e o dinheiro embolsado, seguiu esse caminho. Ninguém imaginava que a Marinha entraria em uma guerra de verdade, afinal. E de qualquer jeito a expectativa era a Ucrânia se render em três dias.

Moskva: O resultado

A Ucrânia está exultante. Algumas horas antes os correios de lá haviam lançado um selo com a já clássica mensagem “russian warship go fuck yourself”, agora conseguiram afundar o maior e mais importante navio da região.

Isso significa menos proteção para aviões russos, menos mísseis em alvos ucranianos e uma derrota moral histórica. Um país que nem marinha tem (mais) afundar a nau capitânia de uma superpotência? Isso equivale aos EUA entrarem em guerra com a Bolívia e o Evo Morales afundar o USS Nimitz.

Do lado russo, tem gente querendo sangue. Há relatos de que o Almirante Igor Osipov, comandante da Frota do Mar Negro, foi preso por homens em trajes civis, e a prisão foi violenta, deram uma surra no ajudante do Almirante. A CIA fala até em possibilidade de retaliação nuclear limitada por parte de Putin.

♫Just two good ol' boys, Never meaning no harm♫ (Crédito: MOD - Rússia)

Em termos práticos, a frota do Mar Negro perdeu seu maior navio, e não há reposição, pois a Turquia invocou a Convenção de Montreux e fechou o Bósforo para navios militares, só podem passar os que tiverem como porto de registro alguma cidade no Mar Negro.

E agora?

A Guerra na Ucrânia está desafiando todos os analistas. Um monte de coisas que todo mundo jamais apostaria que aconteceria, está acontecendo. A Rússia está se mostrando um inimigo completamente inepto, confundindo mais ainda, Vladmir Putin parece não estar mudando de tática. Ele insiste na estratégia de enviar tanques e blindados isolados para áreas urbanas, e ainda não conseguiu dominar o espaço aéreo.

O afundamento do Moskva não tem grandes efeitos práticos no Grande Esquema das Coisas, mas é algo que, por toda a lógica e o bom-senso, não deveria, não poderia ter acontecido.

Putin parece estar vivendo em seu mundo particular, alheio a isso tudo. Só que uma hora, em algum momento, como dito naquele quadrinho da genial Laerte, a ficha vai cair.

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