Ronaldo Gogoni 2 anos atrás
Enquanto a guerra entre a Rússia e a Ucrânia continua, Vladimir Putin está em busca de pequenas vitórias em outros setores, incluindo o espacial. Na última terça-feira (12), ele anunciou um pacote de “velhas novidades”, promessas bem antigas como a espaçonave Orel e o rebocador espacial nuclear, além da retomada de missões rumo à Lua, do programa Luna.
O que todo mundo se pergunta, claro, é se haverá verba para isso, visto que a Rússia intensificou os ataques à Ucrânia nos últimos dias, e não dá sinais de que pretende reduzir o escopo de sua "operação militar especial".
O anúncio foi feito para comemorar os 61 anos do voo orbital de Yuri Gagarin, o primeiro ser humano no espaço, mas não é preciso ser um gênio para entender que Putin está procurando formas de manter a mídia interna (e os pró-Rússia fora de suas fronteiras) entretidos com outros assuntos que não a guerra, ainda mais depois da perda do Moskva.
Durante evento no cosmódromo de Vostochny, estando acompanhado do diretor da Roscosmos Dmitry Rogozin, e do presidente da Bielorússia Alexandr Lukashenko, este um dos principais aliados políticos da Rússia, Putin disse que o país “precisa estar à altura dos desafios da exploração espacial”, e para isso, anunciou novamente os trabalhos nos projetos citados acima.
Vamos analisar cada um deles:
A Orel ou Oryol, "águia" em russo, é o desencruado projeto de espaçonave que visa substituir o rei dos pés-de-boi, a cápsula Soyuz, que permanece em uso desde 1967, com pouquíssimos ou nenhum upgrade relevante. Por apenas funcionar e dificilmente dar pau, Moscou a foi empurrando com a barriga ao longo das décadas, mas agora ela está mais que defasada, sem contar que estações futuras de outros países não manterão a compatibilidade legada.
A princípio, a Orel deverá ser plenamente compatível com projetos futuros da ESA e da NASA, como o programa Artemis (mesmo com a Rússia se recusando a fazer parte, afinal, vai que mudam de ideia), e também conversar com os de outras nações, especialmente a China, que está expandindo sua estação espacial.
Os trabalhos em torno da Orel começaram em 2006, e sem muita surpresa, a espaçonave está muito, muito atrasada. O primeiro lançamento "de testes" estava previsto para 2023, já foi adiado para 2024, e o primeiro lançamento tripulado, só em 2025, isso sem considerar o cenário atual.
Com o conflito contra a Ucrânia sem dar sinais de que vai acabar tão cedo, é fato que boa parte das verbas para outros setores, incluindo o espacial, está sendo direcionada para o esforço de guerra, assim, ninguém está botando fé de que a Orel vá voar de fato nas datas já fixadas. Putin se limitou a dizer que a Roscosmos "está trabalhando" na cápsula, mas mesmo essa afirmação é questionável.
Dos três projetos espaciais mencionados por Putin, o do rebocador espacial Zeus é talvez o mais impressionante, no sentido "história de pescador". O conceito é até bem simples: imagine uma espaçonave ancorada permanentemente no espaço, usada para remover uma carga, ou uma nave menor, de uma órbita baixa e transportá-la para outra mais alta, ou mesmo colocá-la em uma trajetória de escape.
Um dos principais problemas a serem resolvidos na viagem espacial é o combustível. Nossas naves queimam quase tudo no lançamento e viajam o resto do percurso praticamente na banguela, levando muito tempo. Um rebocador poderia ser usado para diminuir o consumo de combustível e encurtar a viagem, e não há fonte de energia mais adequada para um projeto desses, do que um reator nuclear.
A NASA possui um projeto de uma usina atômica lunar, que seria instalada em 2027, com um reator de 10 kW. O rebocador Zeus, proposto pela Rússia, está em uma escala bem superior: ele prevê o uso de um reator de 500 kW, que viabilizaria uma viagem até Júpiter, com escalas na Lua e em Vênus, em cerca de 4 anos e 2 meses, encurtando o tempo de uma missão atual, com a tecnologia da qual dispomos atualmente, em um ano. Russos não sabem brincar, afinal.
Exatamente por ser tão ambicioso, o Zeus é o menos provável de se tornar realidade, mesmo a longo prazo, e pode acabar nunca saindo do papel, ao contrário do que Putin afirmou.
Dos três anúncios, as missões Luna 25, 26 e 27 são as mais pé-no-chão. Trata-se de sondas robóticas que serão mandadas à Lua, nomeadas na sequência do programa original, mantido entre 1958 e 1976. Foi ele que realizou o primeiro impacto de um objeto humano com a superfície lunar, com a sonda Luna 2, em 1959.
Quando a União Soviética perdeu a corrida espacial para os Estados Unidos, devido ao sucesso da missão Apollo 11 e as explosões dos foguetes N-1, restou o programa Luna para coletar e trazer de volta amostras do solo lunar, feito nas missões Luna 16, 20 e 24, esta a última sonda, lançada em agosto de 1976.
A mudança do nome da sonda Luna-Glob para Luna 25 tem motivação política, claro. É um resgate do orgulhoso programa soviético, o que, em simultâneo, coloca um peso enorme na Roscosmos, para que tudo corra perfeitamente. O problema, outra vez, são os constantes atrasos.
Os trabalhos acerca da Luna-Glob, hoje Luna 25, começaram em 1998 e sofreram adiamentos, cancelamentos e replanejamentos completos, principalmente após o fracasso da sonda Phobos-Grunt, que deveria ter chegado a Fobos, um dos satélites naturais de Marte, mas morreu na órbita terrestre e reentrou na atmosfera em 15 de janeiro de 2012, mergulhando no Pacífico Sul, próximo à costa do Chile.
O projeto original foi praticamente todo jogado no lixo, dando lugar à sonda que estaria pronta para voar em julho de 2022, mas como de praxe, a data já foi adiada mais uma vez. A Rússia JURA que a Luna 25 será lançada em 22 de agosto próximo, se nada mais der errado; o sistema de propulsão, que condenou a Phobos-Grunt, foi desenvolvido do zero e implementado em 2017, então há grandes chances de que desta vez, as coisas funcionem.
O grande impedimento, como já dito, é verba. Embora Putin afirme ser necessário que a Rússia se mantenha equiparada a outras nações na exploração espacial, é quase certo que qualquer centavo extra no caixa será realocado para a guerra contra a Ucrânia, enquanto o conflito durar.
Mais: horas após o anúncio de Putin, a ESA (Agência Espacial Europeia) emitiu um comunicado cancelando a parceria no lançamento das missões Luna, deixando a Roscosmos sem nada para lançá-las, enquanto a guerra durar. E não está certo se a China irá emprestar seus foguetes Longa-Marcha para isso, visto que Pequim está até o momento em cima do muro.
Talvez a Roscosmos devesse usar um trampolim.
Fonte: The Moscow Times