Ronaldo Gogoni 3 anos atrás
O Projeto Artemis da NASA, que visa levar o próximo homem e a primeira mulher à Lua até 2024 tem também seu lado político: em abril de 2020, a Casa Branca emitiu uma ordem executiva delineando as regras para a exploração do satélite, em que embora a cooperação internacional seja estimulada, o empreendimento em si tem que ser encabeçado pelos Estados Unidos.
O programa vem sendo alvo de críticas diversas, e agora mais uma voz se uniu ao coro: Dmitry Rogozin, diretor da agência espacial russa (Roscosmos) diz que o programa como um todo é "americano demais".
O Programa Artemis é, sob todos os aspectos uma iniciativa de cunho principalmente político: o presidente dos EUA Donald Trump decidiu que o país deve voltar à Lua (de preferência durante seu segundo mandato, se reeleito), e como não há mais Guerra Fria para justificar uma corrida e chegar na frente dos soviéticos, a ordem executiva definiu parâmetros para o "uso de recursos espaciais" encontrados no satélite.
Basicamente, a Casa Branca estabeleceu os critérios para a mineração e exploração comercial da Lua, e mesmo que tecnicamente ninguém é dono do satélite, os "Acordos Artemis" definem os Estados Unidos como seu "caseiro", uma vez que todo e qualquer empreendimento e projeto deve ser capitaneado pelos americanos, de foguetes e cápsulas a módulos de pouso.
Os acordos preveem que a exploração lunar deve ser "sustentável e inovadora", e que o ambiente de cooperação internacional será "transparente e seguro", de modo a trazer benefícios "para o bem de toda a humanidade", mas a gente já viu esse filme e sabe como ele termina.
Pesquisadores e especialistas veem o projeto com muitas ressalvas; Aaron Boley e Michael Byers, da Universidade de British Columbia, disseram em entrevista à Nature que os Estados Unidos agem como os guardiões da Lua, onde o país define quem pode entrar e explorar, o que beneficiaria os "amigos do rei" na ausência de acordos multilaterais rígidos.
A longo prazo, o ambiente lunar poderia ser severamente prejudicado sem que isso trouxesse benefícios à maioria, enquanto os mesmos de sempre ganhariam mais dinheiro, igualzinho como acontece aqui embaixo.
O diretor da Roscosmos, crítico frequente da NASA e de empresas espaciais privadas, como a SpaceX, pensa de forma similar; em julho, Dmitry Rogozin disse ao tabloide russo Komsomolskaya Pravda que o Projeto Artemis era "puramente político" (não está errado), e que os americanos estavam se afastando de uma iniciativa de mútua cooperação igualitária, a fim de adotar uma abordagem "manda quem pode, obedece quem tem juízo".
Para Rogozin, tal modo de operação é similar ao da OTAN, onde os países parceiros só se limitariam a pagar e cooperar de forma limitada, e sem participação no mesmo nível, como foi a construção da ISS, a Rússia não se envolveria no projeto.
Nesta semana, Rogozin fez novas críticas durante uma coletiva de imprensa virtual, realizada no Congresso Astronáutico Internacional; o diretor da Roscosmos voltou a bater na tecla de que a Rússia só entrará no projeto caso os Estados Unidos revejam sua posição no projeto, que ele considera "americentrado", e permitam participação igualitária de outros países.
Ao mesmo tempo, Rogozin disse que o Portal Lunar deve ser construído seguindo especificações padrão, que permitam a acoplagem dos módulos russos. Ele disse isso não na possibilidade da Rússia aceitar os Acordos Artemis no futuro (particularmente, algo tão improvável quanto o acordo ser revisto na gestão Trump), mas para permitir que o país possa usar a estação mesmo na condição de usuário visitante, obviamente pagando (a mais) por isso.
Após as declarações de Rogozin, o diretor da NASA Jim Bridenstine disse ao site The Verge que a agência irá usar o IGA (Intergovernmental Agreement), o framework padrão da ISS, na construção do Portal Lunar, o que assegurará a compatibilidade com sistemas já usados na Estação Espacial.
Sobre a participação da Rússia no projeto, Bridenstine afirma que os mesmos memorandos recebidos pelos países que toparam participar também foram enviados à Roscosmos em novembro de 2019, mas desde então não houve resposta. Quanto a isso, as declarações de Rogozin deixam claro que a agência russa não concorda com os termos atuais.
Um desses pontos de desacordo provavelmente diz respeito aos módulos de acoplagem: a NASA quer estabelecer padrões compartilhados entre os países participantes neste e em outros aspectos, como formatação e transferência de dados, navegação, sistemas de suporte de vida, comunicações e etc., enquanto os russos provavelmente não querem (ou não podem, talvez por falta de grana) se livrar das cápsulas Soyuz.
Até o momento, sete países assinaram os Acordos Artemis: Reino Unido, Canadá, Austrália, Itália, Japão, Luxemburgo e Emirados Árabes Unidos. A documentação não está concluída, mas você pode ler as determinações no site da NASA.
Fonte: The Verge