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Aprendendo controle de danos com o porta-aviões Taihou

O porta-aviões japonês Taihou é um caso clássico que ilustra a importância de gestão de crise e controle de danos em tempo real

3 anos atrás

Meu professor de Arquitetura e Organização de Computadores costumava dizer que gestão de crise e controle de danos são práticas essenciais em qualquer situação e atividade, mesmo nas mais triviais.

Um profissional ou equipe bem preparada conseguem responder a problemas de maneira eficiente, e muitas vezes, contorná-los e saná-los antes que escalem para uma situação insustentável.

USS Yorktown é atingido durante a Batalha de Midway (Crédito: Official U.S. Navy Photograph 80-G-414423, U.S. National Archives)

USS Yorktown é atingido durante a Batalha de Midway (Crédito: Official U.S. Navy Photograph 80-G-414423, U.S. National Archives)

Curiosamente, a marinha imperial do Japão durante a Segunda Guerra Mundial não era dada a praticar controle de danos, a arrogância dos militares considerava a prática uma tarefa desnecessária, já que não viam honra no setor de engenharia. Para eles, reparos eram um trabalho menor, para ser realizado em estaleiros. Quem estava no mar tinha obrigação de combater, e não bancar o Scotty.

Essa soberba dos japoneses já havia lhes custado caro em 1942, quando a marinha perdeu 4 dos seus 6 porta-aviões principais, durante a Batalha de Midway. Em questão de horas Kaga, Akagi, Souryuu e Hiryuu foram para o fundo do mar, enquanto do lado dos aliados o Yorktown foi reparado em combate, sendo que ele já havia sido consertado em 24 horas depois da Batalha do Mar de Coral.

Em Midway, só foi preciso uma hora para que o navio voltasse ao combate, com uma velocidade de 18 nós, o que confundiu os japoneses, achando que era outro navio. Ele eventualmente foi perdido após ataques massivos das esquadrilhas japonesas, mas isso não tira o mérito de uma hierarquia descentralizada e das capacidades americanas de lidar com crises.

Por incrível que pareça, a arrogância do almirantado japonês não lhes permitiu aprender nada com Midway, e o fantasma da prática porca de controle de danos e inabilidade em gestão de crise viria assombrá-los mais uma vez, e de forma catastrófica, com o porta-aviões Taihou.

Não esta Taihou, mas podia ser (Crédito: HaneAme Cosplay)

Não esta Taihou, mas podia ser (Crédito: HaneAme Cosplay)

Ops, Taihou errada.

Porta-aviões Taihou (Crédito: domínio público)

Porta-aviões Taihou (Crédito: domínio público)

Agora sim. Comissionado em 1939 e lançado em 1941, o Taihou ("grande fênix" em japonês) foi o primeiro porta-aviões japonês equipado com radar. Graças a espionagem, ele foi baseado no projeto dos navios britânicos da classe Illustrious, os primeiros com um deck superior para decolagem blindado e reforçado. No caso da embarcação japonesa, a classe teria uma blindagem no deck superior de 3,1 polegadas, ou 79 mm de aço, distribuídos em 260,6 metros de comprimento. Isso lhe permitiria resistir mais a bombardeios aéreos.

O Taihou tinha uma blindagem de 35 mm no segundo deck e de 150 mm na linha da água, o que em tese lhe oferecia maior resistência, mas isso tinha um preço: ele deslocava 29.770 toneladas, ou 37.270 t quando totalmente equipado, com a capacidade máxima de até 82 aviões. A título de comparação, o USS Enterprise (CV-6) deslocava respectivamente 19,8 mil t e 25,5 mil t, com 232 metros de comprimento.

De qualquer forma, o Taihou acabou sendo o melhor porta-aviões da marinha imperial a entrar em serviço, visto que o Shinano, um couraçado classe Yamato convertido, foi afundado em sua primeira viagem enquanto seguia para ser finalizado, e nunca combateu.

O Taihou entrou em serviço em 7 de março de 1944 e participou da Batalha dos Mar das Filipinas, ao lado dos porta-aviões Shoukaku e Zuikaku, os dois últimos da Kido Butai, com 42 aviões a bordo e efetivamente atuando como nau capitânia da esquadra, com o vice-almirante Jisaburou Ozawa, o último comandante da frota combinada do Japão imperial, a bordo.

Representação artística do Taihou (Crédito: Waldemar Góralski/Piotr Forkaslewicz) / controle de danos

Representação artística do Taihou (Crédito: Waldemar Góralski/Piotr Forkaslewicz)

Enquanto o Zuikaku resistiria até outubro daquele ano, os dois restantes encontrariam seu fim no mesmo dia, 19 de junho de 1944, afundados pelos submarinos americanos USS Cavalla e USS Albacore. No entanto, a perda do Taihou foi uma lição didática do por que controle de danos é importante.

O Taihou possuía melhorias no design que lhe permitiam administrar melhor incêndios causados por ataques, a causa da perda dos demais porta-aviões japoneses, mas elas não eram suficientes e mais sete porta-aviões da mesma classe foram comissionados, que teriam melhorias significativas. Nenhum deles foi concluído.

Na manhã do dia 19 de junho, entre 7:45 e 8:00 da manhã, o Albacore conseguiu uma posição privilegiada e disparou 6 torpedos contra o Taihou. Quatro erraram o alvo, já o quinto foi interceptado pelo piloto Sakio Komatsu, que saiu de formação e mergulhou com seu avião, atingindo o torpedo num ataque suicida.

O sexto torpedo acertou o Taihou em cheio, atingindo o depósito de combustível de aviação (AvGas) e o elevador frontal, que ligava o deck inferior ao superior de decolagem. O Taihou no entanto continuou operacional, e o segundo elevador passou a ser usado para levar os aviões para cima.

Representação artística de como o torpedo do USS Albacore atingiu o Taihou (Crédito: acervo internet) / controle de danos

Representação artística de como o torpedo do USS Albacore atingiu o Taihou (Crédito: acervo internet)

Como boa parte da tripulação era novata, com apenas alguns do Shoukaku que vieram com o vice-almirante Ozawa, quando este trocou de navios, levou tempo até entenderem a real extensão dos danos. O que se sabia era que o rombo no casco fez a proa do Taihou baixar 1,5 m no nível do mar, e a água estava entrando no deck.

Como não havia fogo, o capitão apenas reduziu a velocidade do Taihou em um nó e meio, e ordenou que o rombo fosse fechado pela equipe de reparos, que até existia, o que foi feito com bancos de madeira e mesas dos refeitórios. Com os remendos prontos, o navio ainda lançou mais duas ondas de ataques aéreos, mas havia um problema.

O combustível de avião, que continuava vazando, começou a evaporar e se acumular nos decks afetados pelo torpedo. Foi aqui que a falta de experiência da tripulação e a costumeira arrogância dos oficiais, que não davam atenção a controle de danos, fez seu estrago, com a resposta ao problema sendo menos que o ideal. Tentativas de bombear o combustível do poço do elevador frontal falharam, e tentaram inclusive cobrir o líquido com espuma do sistema de supressão de incêndios. Nada deu certo.

Quando decidiram usar o sistema de exaustão, já havia combustível demais no ar, e nem abrir o poço do elevador novamente ajudou. O elevador traseiro foi baixado para permitir que a corrente de ar percorresse o deck, mas ele continuava operacional, e em desespero, a tripulação começou a quebrar os vidros das escotilhas, na esperança que o combustível saísse do navio.

Foi então que o chefe de controle de danos teve a ideia de acionar todo o sistema de exaustão, e que todas as portas e escotilhas do porta-aviões fossem abertas. Essa foi a pior decisão possível, pois já havia tanto combustível no ar, que ele se espalhou por todos os compartimentos que ainda não tinham sido afetados. Nesse momento, o Taihou se transformou em uma bomba gigantesca, apenas esperando por uma fagulha para explodir.

O que inevitavelmente aconteceu.

A explosão do Taihou (Crédito: arquivo internet) / controle de danos

A explosão do Taihou (Crédito: arquivo internet)

Por volta das 14:30, 6 horas e meia após o torpedo do Albacore acertar o navio, o Taihou explodiu de forma espetacular e foi engolido por chamas, o que chega a ser irônico, dado o seu nome. A detonação foi tão potente que o deck de decolagem foi arrebentado de dentro para fora e erguido a metros de altura, e as laterais também foram detonadas. A embarcação estava condenada.

O vice-almirante Ozawa foi impedido pela tripulação de afundar com o navio (segundo relatos, ele conseguiu salvar apenas um retrato do imperador Hirohito, because reasons), e depois da evacuação, uma segunda explosão sepultou de vez o Taihou, que afundou às 16:28 do dia 19 de junho de 1944.

Da tripulação de 2.150 homens, 1.650 pereceram com o porta-aviões.

Com o curso da guerra, a marinha imperial não teve muito tempo para aprender controle de danos, com derrota atrás de derrota se acumulando no Teatro do Pacífico, até a capitulação do Japão e o fim do conflito. No entanto, o caso do porta-aviões Taihou é um exemplo de como é importante ter uma equipe preparada para lidar com problemas e hábil para fazer reparos, atos que podem fazer a diferença em um conflito.

O USS Yorktown que o diga.

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