Ronaldo Gogoni 38 semanas atrás
A "operação militar especial" da Rússia na Ucrânia continua, e como Putin precisa de mais buch- digo, soldados, os grandes órgãos estatais foram convertidos em centrais de recrutamento, para treinar e formar batalhões de ataque, basicamente milícias. Um desses é a Roscosmos.
Um dos grupos de milícia mais populares no momento, o batalhão "Uran" (Urano), estaria sendo treinado pela agência espacial russa e subsidiárias, e o pessoal próximo à NASA não gostou nem um pouco disso.
O batalhão Uran possui forte apelo junto à população russa, embora seja uma milícia e não um esquadrão propriamente dito, ou mesmo uma organização "independente" (mercenários), como o Wagner Group.
Esses grupos se valem de programas de recrutamento endossados por Moscou, por fora do processo militar tradicional, no que o Uran conta com site oficial, presença em redes sociais, e até propagandas em outdoors pelo país.
Além do recrutamento tradicional de militares ativos e da reserva, a Rússia incumbiu suas estatais de organizarem esquadrões integrados por civis, que seriam treinados e mandados para o Fronte na Ucrânia. A Gazprom, companhia energética e a maior exportadora de gás russo, é obviamente uma delas.
Segundo uma investigação do site Financial Times, a Roscosmos e diversas outras subsidiárias, no ramo de pesquisa aeroespacial, também fazem parte da rede de formação de milícias. Propagandas em vídeo e imagens destacam claramente o envolvimento da agência, em produções que buscam retratar os milicianos como heróis de videogame, com direito a trilha de terceiros e cenas de ação.
Em um deles, membros do esquadrão Uran aparecem exibindo suas AK-47s e lança-foguetes, com equipamentos exibindo a bandeira da Rússia, ao som de Daft Punk.
No fim, o narrador solta "a agência estatal Roscosmos convoca você para se unir ao batalhão voluntário Uran, onde você será treinado para vencer esta grande guerra".
O batalhão Uran seria composto essencialmente por funcionários da Roscosmos e suas subsidiárias; os conscritos receberiam uma bonificação imediata de ₽ 100 mil (~R$ 5,7 mil, cotação de 21/06/2023), e mais um salário pelo serviço no Fronte de ₽ 270 mil (~R$ 15.381,00).
Vale lembrar que esses valores estão bem acima do salário médio dos funcionários da agência, ao menos os que não são do corpo executivo; enquanto chefe da Roscosmos, Dmitry Rogozin recebia aproximadamente US$ 460 mil anuais, contra US$ 6 mil/ano - US$ 12 mil/ano do pessoal do chão-de-fábrica.
Os vídeos de recrutamento estariam sendo exibidos nas instalações da Roscosmos espalhadas pelo país, que conta com aproximadamente 170 mil funcionários. Considerando que boa parte deles ganham mal, muitos devem considerar o alistamento em troca de um incremento no fim do mês.
Se voltarem da Ucrânia, claro, o que nem sempre é o caso (NSFW, NSFL).
Claro que a Roscosmos alimentando a máquina de guerra russa contra a Ucrânia, em uma situação onde Moscou jura ser a certa da história (dica: invasor NUNCA está certo), pegaria muito mal entre gente próxima à NASA.
A agência, e por tabela, o governo dos Estados Unidos, continuam sustentando a colaboração da Rússia na pesquisa espacial referente à Estação Espacial Internacional (ISS), por questões práticas. O módulo russo gera propulsão, controla as manobras e fornece controle de altitude, enquanto o americano, onde ficam os painéis solares, capta, converte e redistribui energia.
Na essência, um não funciona sem o outro, o que descarta a possibilidade de um desacoplamento unilateral, o que em último caso, só pode ser feito de comum acordo.
Só que essa passada de pano de NASA e cia. para os russos está gerando um climão atrás do outro, o primeiro envolvendo os cosmonautas atualmente a bordo, que se manifestaram a favor da invasão, em 2022.
Quando Rogozin foi substituído por Yury Borisov, havia a esperança de que a Roscosmos se emendaria e reduziria os ataques e ameaças contra o ocidente, mas logo isso se mostrou um sonho, com o atual diretor reforçando a ameaça da Rússia sair da ISS em 2024.
No entanto, o tom das negociações foi amenizado com Sergey Krikalev, ex-cosmonauta e diretor-executivo do departamento de voos tripulados, assumindo as Relações Públicas da Roscosmos. Mais moderado, este garantiu a colaboração a longo prazo contínua com a NASA, e minimizou todas as presepadas passadas, de Rogozin e Borisov.
A agência espacial norte-americana estava suficientemente confortável, ao ponto de manter o cronograma de uso cruzado das Soyuz por astronautas, e as cápsulas subsidiadas pela NASA por cosmonautas. Na última sexta-feira (16), foi anunciado que o Kontantin Borisov subirá via cápsula Dragon, da SpaceX como um dos especialistas da missão Crew-7.
Só que com a Roscosmos ativamente atuando como uma engrenagem da guerra contra a Ucrânia, endossar a permanência dos russos no programa ISS pode ter se tornado insustentável.
Vários ex-astronautas, de Scott Kelly a Terry Virts, alegam que a Roscosmos hoje é "uma organização que apoia um estado terrorista, que mata ucranianos todos os dias", e na pior das hipóteses, o contínuo acordo seria basicamente endosso dos EUA para a Rússia.
É sabido que a ISS deve encontrar seu fim até 2030, mas mesmo antes disso, alguns advogam para que a NASA desenvolva um sistema de propulsão próprio, considerando até mesmo modificar uma cápsula Dragon para isso.
A decisão de chutar, ou não, os russos da ISS precisa passar pelo Congresso, que até o momento tem feito vista grossa para a situação. Porém, há quem acredite que isso não deverá durar por muito tempo, dadas as tensões globais.
Fonte: Financial Times