Ronaldo Gogoni 10/02/2023 às 10:15
A Blue Origin acaba de ganhar seu primeiro contrato interplanetário com a NASA, mesmo sem nunca ter colocado nem um parafuso no espaço. A companhia de Jeff Bezos foi selecionada para uma missão científica em Marte, que será lançada de sua "obra de igreja" particular, o foguete New Glenn, em 2024.
O grande problema reside no fato de que o New Glenn ainda não fez seu primeiro voo de testes, e a Blue Origin continua se enrolando com os motores BE-4. Ainda assim, Bezos teria sido agraciado com o contrato como um "prêmio" por sua mania de processar o governo dos Estados Unidos, sempre quando contrariado.
Representação artística das sondas ESCAPADE na órbita de Marte (Crédito: Rocket Lab USA/UC Berkeley)
A missão científica da NASA, chamada ESCAPADE (Escape and Plasma Acceleration and Dynamics Explorers), é composta de duas sondas gêmear, que ficarão em órbita do planeta vermelho para estudar sua magnetosfera, de dois pontos distintos. O objetivo é determinar como a região magnetizada ao redor de Marte interage com os ventos solares, e como energia e plasma a atravessam, em ambos sentidos.
A iniciativa faz parte do programa dos contratos VADR (Venture-Class Acquisition of Dedicated and Rideshare) da NASA, para realização de projetos de custo baixo e intermediário, dentro do cronograma de 5 anos e orçamento máximo de US$ 300 milhões, dividido entre todas as 13 companhias participantes, que incluem SpaceX, Blue Origin, ULA, Rocket Lab, Virgin Orbit e Northrop Grumman, entre outras.
O programa VADR foi criado para viabilizar projetos aprovados junto à FAA, na sua maioria comerciais, que oferecem baixo risco e, consequentemente, não dependem de orçamentos polpudos. Até por isso, a Boeing não faz parte do programa, dado que ela adora gastar.
A surpresa na história foi a NASA usar o VADR para realizar um lançamento voltado à pesquisa científica, e mais surpreendente foi a Blue Origin assegurá-lo, ainda mais com o lançamento previsto para o fim de 2024, ou seja, a companhia tem uma janela de tempo bem pequena para apresentar resultados.
Fosse a SpaceX a parceira selecionada, a notícia não causaria tanto estranhamento, dado que embora o Falcon Heavy ainda não tenha sido usado para valer, ele já está mais do que testado, selado, registrado e carimbado, enquanto o New Glenn, e a Blue Origin como um todo, nunca fez um lançamento fora dos limites da Terra, mesmo sendo uma companhia dois anos mais velha que a empresa de Elon Musk.
O New Glenn, assim como o Falcon Heavy, é um foguete reutilizável, mas o projeto em si impressiona: ele possui 98 m de altura, capacidade para colocar até 45 toneladas em órbita baixa, ou 13,6 t em órbita geoestacionária. Ele é movido por 7 motores BE-4, desenvolvidos internamente, cada um com capacidade de produzir 2,45 MN de impulso ao nível do mar.
No papel o New Glenn é excelente, o problema é que ainda não saiu do chão (Crédito: Divulgação/Blue Origin)
O motor em si, que usa metano como combustível, já foi testado e certificado, tanto que a Jeff Bezos fechou um contrato para que ele seja usado no Vulcan Centaur, o projeto de foguete reutilizável da ULA, porém o BE-4 está para lá de atrasado. A Blue Origin não consegue cumprir a demanda de unidades para testes e lançamentos, e Tory Bruno só recebeu as primeiras duas unidades funcionais do motor em outubro de 2022, 5 anos além da data combinada.
Se a Blue Origin não consegue atender pedidos de clientes pagantes (para piorar, o relacionamento com a ULA se deteriorou, quando Bezos tentou renegociar o valor do contrato em 2017, buscando arrancar mais grana de Bruno, o que pode ter contribuído para os atrasos), a situação do New Glenn é ainda pior. Originalmente planejado para voar em 2020, o lançamento inaugural foi adiado várias vezes; oficialmente, ele deverá finalmente sair do chão no quarto trimestre de 2023, se não houver outro adiamento.
A pergunta óbvia é "por que a NASA fechou um contrato de lançamento para uma pesquisa importante, com uma companhia que nunca lançou nem uma jujuba para o espaço"? A explicação provável é de isso foi feito para agradar Jeff Bezos, cuja fama de mau perdedor já rendeu algumas dores de cabeça para o governo.
Em 2019, a Amazon perdeu um contrato de US$ 10 bilhões com o Departamento de Defesa, para aplicações em nuvem, para a Microsoft, no que a empresa entrou com um processo para reverter a situação. Como consequência, o projeto JEDI foi para o vinagre inteiramente.
Em 2021, Bezos de novo processou o governo dos EUA através da Blue Origin, por esta ter perdido o contrato para a construção de um módulo lunar do Programa Artemis, para a rival SpaceX. Embora ele tenha perdido nessa, posteriormente o presidente Joe Biden ampliou o orçamento da NASA, para assegurar a contratação de uma empresa para construiu um segundo módulo.
Graças a contatos e lobby, ainda que majoritariamente verbal, em prol da exploração espacial, a Blue Origin tem muito mais chances de ser escolhida em detrimento da Dynetics, mesmo com seu projeto, o ILV, custando duas vezes mais que o HLS da concorrente, e 4 vezes mais que a Starship da SpaceX.
O contrato para o lançamento da missão ESCAPADE seria uma espécie de prêmio de consolação para a Blue Origin, preterida na disputa inicial para o módulo lunar, enquanto o resultado para a segunda opção não sai. Simultaneamente, ele serviria para manter seu CEO na linha, evitando que comece a pirraçar de novo, e entre com mais um processo contra o governo.
De certa forma, Jeff Bezos está conseguindo o que quer, ao assegurar contratos governamentais no grito, ainda que este não seja muito lucrativo; por outro lado, a missão pode servir como vitrine para o New Glenn, e atrair mais compradores para o BE-4 e interessados em usar seu foguete, o que, claro, significa mais dinheiro.
Mesmo depois de todos os problemas que arrumou com a NASA e a SpaceX, Jeff Bezos riu por último (Crédito: Cliff Owen/AP)
Claro, o plano de Bezos depende do New Glenn se provar funcional dentro do prazo estipulado pela NASA, envolvendo voos de teste reais da plataforma ainda em 2023, para cumprir o cronograma e colocar a missão ESCAPADE em Marte.
Após o lançamento, as sondas levarão 11 meses para chegar ao destino, e mais alguns para se posicionarem corretamente, para começarem a enviar dados para cientistas entendam melhor as condições climáticas fora da Terra.
No mais, é provável que a NASA considere que, dada a situação atual do New Glenn, o lançamento tem grandes chances de atrasar.
Fonte: NASA