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Turistas, o pesadelo do retro game nas lojas japonesas

Morador de Kyoto reclama de como os turistas estão limpando as prateleiras das lojas japoneses, o que tem colocado a prática de retro game em risco

16/04/2024 às 11:11

De forma não intencional, há pouco mais de 15 eu comecei uma coleção de jogos antigos. Querendo ter vários títulos que marcaram minha infância/adolescência, eu passava horas garimpando lojas especializadas e aos poucos vi as estantes aqui de casa encherem. Porém, com o tempo percebi que o interesse por retro game estava tornando esse um hobby muito caro e desisti da ideia.

Na verdade, já me desfiz de boa parte do que adquiri desde então e embora me arrependa um pouco disso, a verdade é que aquele se tornou uma brincadeira que eu não conseguia mais sustentar. Das taxas de importação muito altas aos valores absurdos cobrados por quem tinha essas joias, fruto da procura por parte dos fãs, decidi que o melhor era deixar os clássicos para quem tinha os bolsos mais fundos — ou um pouco menos de juízo.

Crédito: Reprodução/Derek Story/Unsplash

O que eu não sabia era que esse é um problema que não tem afetado apenas o lado de cá do planeta. Conhecido pelas lojas dedicadas a vender jogos antigos, o Japão sempre respondeu como o paraíso do retro game, mas de acordo com um americano que mora em Kyoto, a invasão de turistas fez com que as prateleiras fossem varridas por um enxame de compradores sedentos pelos clássicos.

Usando sua conta no X, Oliver Jia fez um relato interessante sobre como tem sido difícil encontrar produtos nessas lojas e não teve receio de colocar a culpa naqueles que visitam a cidade.

“[A loja] Surugaya, em Kyoto, é um esqueleto agora. Um ano atrás havia muitos jogos de Famicom Disk System, mas isso é tudo o que resta [citando a foto abaixo, das prateleiras]. A seção de PS1 está metade vazia. Os turistas levaram tudo. Eu não me preocupo mais em comprar retro game em grandes cidades japonesas.

Tirando o fato de não comprar tanto como antes pela falta de espaço, se realmente houver algo que quero, eu simplesmente encontro online. Você precisa de um endereço japonês para ter as coisas enviadas, então normalmente são coisas que os turistas não encontrarão.

Costumava haver dois andares de jogos em Surugaya, agora existe apenas um. Vi um cara levando tudo da já insignificante prateleira de [Nintendo] DS. Há muitas pessoas como ele e pouco que alguém possa fazer, porque obviamente não é ilegal. Então não me incomodo mais.

Estou na metade de colecionar todos os 200 jogos licenciados do Famicom Disk System, mas esse objetivo será adiado até que eu me mude para um lugar maior. Felizmente já consegui a maioria dos títulos mais cobiçados. A pandemia foi o melhor momento e aproveitei isso ao máximo.”

Retro game

Crédito: Reprodução/Oliver Jia

Ainda segundo Jia, ele não vê problemas naqueles que estão passeando pelo Japão e compram os jogos antigos por terem o real interesse em jogá-los. O problema está nas pessoas que “limpam as prateleiras apenas para faturar online vendendo mais caro ao voltarem para casa.” Para ele, essa prática arruína o hobby para todos.

O pesquisador também fez questão de deixar claro que os habitantes locais precisam entender o interesse dos turistas pelo Japão, o que aumentou muito com o término da pandemia de COVID-19. Outro ponto reconhecido por ele diz respeito a como essa busca por jogos antigos poderá diminuir com o tempo.

“A demanda por videogames retrô e outros itens nostálgicos semelhantes vai e vem,” declarou. “Atualmente estamos em um período de alta demanda, mas uma vez que for saciada essa procura, os preços e oferta tendem a se estabilizar novamente. Prevejo que levará cerca de cinco anos, no máximo.”

Quanto a isso, não sei se Oliver Jia está sendo muito otimista, se eu que estou vendo o copo meio vazio ou se lá no Japão o cenário retro game funciona de maneira diferente. Digo isso porque, pelo que tenho visto por aqui, lá se vão pelo menos uma década desde que os preços aumentaram muito e não vejo o menor sinal de recuo.

Crédito: Reprodução/Christo/Wikimedia Commons

Tudo bem, no Brasil essas tendências costumam começar mais tarde e por aqui lojas dedicadas a esse nicho são tão raras, que mal podemos considerar. Assim, resta àqueles interessados em aumentar suas coleções recorreram a grupos em redes sociais ou sites como Shopee e Mercado Livre.  Neles podemos encontrar muitos produtos, mas o problema? Os preços quase sempre exorbitantes que estão pedindo por eles.

Contudo, o que pesa contra a otimista previsão de Jia é o fato que, quanto mais o tempo passar, mais raros os jogos antigos se tornarão, o que consequentemente fará com que seus valores aumentem, especialmente se os itens estiverem em boas condições. Isso independe do local em que estivermos, por mais que em certos países, como o Japão, a atenção dada ao retro game seja mais comum.

O interessante é que essa escassez não parece ser generalizada, já que segundo Paulo Eduardo Cruz, um amigo que esteve no Japão em novembro passado e visitou a loja Surugaya localizada em Akihabara, Tóquio, por lá as prateleiras estavam bem abastecidas, como pode ser visto no seu relato e nas fotos que me enviou.

“Fiquei impressionado com a quantidade de títulos usados disponíveis para a venda nesta loja,” disse. “Além de ter os jogos que eu estava procurando, encontrei várias raridades e jogos praticamente recém-lançados para venda.”

Opções não faltam na Surugaya de Tóquio (Crédito: Reprodução/Paulo Eduardo Cruz)

De qualquer forma, concordo plenamente quando Oliver Jia se mostra indignado com as pessoas que se aproveitam da nostalgia dos outros para faturar. Por mais que realmente não exista nada de errado com isso, como consumidor e alguém apaixonado por jogos antigos, é difícil não ficar chateado com quem está nesse meio apenas para lucrar.

Confesso que já movimentei muito esse mercado, pois boa parte do que tenho guardado em casa veio de lojas ou pessoas que comercializavam jogos e consoles antigos. Eu mesmo já vendi alguns clássicos por valores que nunca teria coragem de pagar, mas sempre fiz com o intuito de renovar a coleção e aproveitar a impressionante valorização de alguns intens.

O que fico pensando é como deve ser frustrante visitar lojas que costumávamos frequentar e descobrir que muito do que havia ali desapareceu só para encher os bolsos de um ou outro. Faz parte do negócio, uma loja não pode deixar de faturar pensando no hobby dos outros, mas que para um colecionador local isso deve ser um tanto desanimador, deve.

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