Meio Bit » Hardware » ARM, RISC-V e a neutralidade dos chips

ARM, RISC-V e a neutralidade dos chips

Incerteza sobre futuro da ARM atraiu atenção para open source RISC-V, que promove neutralidade no compartilhamento de designs

35 semanas atrás

A ARM é hoje uma das maiores companhias de design de processadores, para dispositivos móveis, infraestrutura e, graças à Apple, recentemente voltou a marcar presença forte em computadores pessoais, quando a maçã deu um pé na bunda da Intel. Porém, a empresa britânica entrou em um turbilhão quando sua controladora, o Grupo SoftBank, tentou vendê-la para a Nvidia em 2020.

A manobra ligou os alarmes de todos os õrgãos reguladores do planeta, a ARM passando a pertencer a uma companhia privada dos EUA poderia significar o fim da estratégia de neutralidade, no que seus designs estão ao alcance de qualquer um. Tal possibilidade não foi descartada com o naufrágio das negociações, visto que a empresa está em vias de ir à IPO.

Arquitetura ARM enfrenta concorrência da open source RISC-V, que tem atraído parceiros de peso (Crédito: Capcom/Ronaldo Gogoni/Meio Bit)

Arquitetura ARM enfrenta concorrência da open source RISC-V, que tem atraído parceiros de peso (Crédito: Capcom/Ronaldo Gogoni/Meio Bit)

Com isso, as atenções do setor de chips se voltaram para a arquitetura concorrente RISC-V, que mesmo tendo algumas limitações, e não entregar um desempenho equivalente aos designs da ARM, desponta como uma possível rival direta da companhia do Reino Unido, graças ao crescente interesse de gigantes do setor, da Qualcomm ao Google.

ARM, RISC-V e a Suíça

A ARM, diferente de companhias como a Intel, não comercializa processadores, ao invés disso, desenvolve os designs de arquitetura e os compartilha com seus parceiros comerciais. Estes sção livres para implementar suas soluções ao pé da letra, ou adaptá-las conforme suas necessidades, como faz a Qualcomm com seus chips Snapdragon, por exemplo.

Nós já explicamos as diferenças fundamentais entre a arquitetura RISC, usada pela ARM, e a CISC de chips IA-32/x86, usada pelos processadores para PCs da Intel e AMD. Um chip CISC executa todos os passos de uma tarefa, enquanto um RISC conta com componentes dedicados cada um a uma etapa, mas que são muito rápidos e agem em sincronia.

O resultado, embora um chip CISC seja mais poderoso, ele consome mais energia, enquanto o RISC é mais rápido e tem um consumo mais eficiente. A arquitetura depende mais de software do que o CISC para tarefas pesadas, mas sua eficiência a permitiu se tornar onipresente em frentes menos exigentes do que desktops, como infraestrutura e dispositivos móveis, através da ARM e concorrentes menores.

Com o tempo, a evolução tecnológica permitiu que processadores RISC se tornassem mais poderosos, enquanto continuavam consumindo menos energia que um x86, sem contar o design SoC que integra processador, GPU e memória RAM na mesma pastilha. Esse foi um dos motivos que levou a Apple a migrar a linha Mac de volta para o RISC com os chips Silicon, retomando indiretamente o legado dos PowerPC.

No que tange à Apple, o design da ARM lhe permitiu acabar de vez com a incômoda (para a companhia) flexibilidade de upgrades por parte do usuário, algo que ela sempre detestou; mesmo o Mac Pro, tradicionalmente o mais permissivo pero no mucho, não conta sequer com slots de RAM em sua versão com chips M2, nem suporta GPUs dedicadas de sua hoje ex-parceira AMD (SoC, lembra?), visto que a Nvidia sempre foi persona non grata em Cupertino.

O máximo que você pode espetar nas entradas PCIe são placas de I/O e armazenamento, e com o fim do suporte a Boot Camp, o usuário estará eternamente preso à configuração selecionada no site da Apple. Até por isso, há indícios de que o Mac Pro será abandonado em prol do Mac Studio, que está vendendo mais por ser menos caro, e mesmo este não está 100% a salvo do corte.

Ainda assim, a Apple quer que seus Macs sejam aceitos como PCs gamer de verdade, mas estou saindo do tema. Voltando...

Arquitetura-base do processador Apple Silicon (Imagem: Divulgação/Apple)

Arquitetura-base do processador Apple Silicon (Imagem: Divulgação/Apple)

Um dos fatores que permitiu à ARM dominar o mercado de chips para mobile e infra foi a filosofia de neutralidade. A companhia não imprime chips, apenas desenha a arquitetura e fecha acordo com parceiros, e alguns desses contratos viabilizam a adoção de designs de "sala limpa", ou seja, seus próprios designs que precisam ser compatíveis com os parâmetros da ARM.

Apple, Fujitsu, Samsung e Nvidia são exemplos de gigantes tech que desenvolvem chips RISC que, embora sejam todos baseados em ARM, usam soluções de arquitetura próprias. Boa parte dessas e outras empresas não imprimem seus processadores, no que a tarefa é terceirizada para companhias como a TSMC. A Samsung é uma exceção, ela desenha e imprime a maioria de seus componentes.

Essa estratégia de atender todo mundo deu à ARM a fama de "a Suíça dos processadores", mas tal abordagem foi colocada em cheque em julho de 2016, quando ela foi comprada por US$ 32 bilhões pelo SoftBank Group, um conglomerado japonês de telecomunicações, embora a promessa de atender todo mundo tenha sido mantida.

Em 2020, o anúncio da venda da ARM para a Nvidia incomodou todo mundo, de parceiros comerciais a órgãos reguladores, por uma série de motivos. Clientes se mostraram preocupados com a gigante de Santa Clara tendo acesso a contratos de concorrentes, no que isso poderia (e iria) render vantagens significativas a ela no mercado de chips para CPUs de IA e GPUs.

Ao mesmo tempo, reguladores de fora dos EUA apontaram para possibilidade de Washington marcar a empresa como recurso estratégico de Segurança Nacional, para impedir concorrentes externos (principalmente da China, mas limitação poderia ser estendida a mais países, em especial os amigos próximos do "Eixo do Mal") de terem acesso aos designs.

No fim, todo o acordo foi por água abaixo. Atualmente, o SoftBank prepara o processo de abertura de capital da ARM em setembro de 2023, e com um valor projetado de US$ 70 bilhões, este pode ser o maior IPO do ano. Por outro lado, as ações da empresa podem acabar diluídas entre concorrentes diretas, como Intel, AMD, Nvidia, Apple e várias outras, gerando uma série de conflitos de interesses internos, e com isso, a neutralidade não mais teria lugar.

E é aí que entra a RISC-V (o "V" lê-se como five, cinco). Assim como a ARM, sua arquitetura é, como o nome sugere, RISC, mas a principal diferença está na organização como entidade. Ao invés de uma companhia, a RISC-V International é um consórcio integrado por vários parceiros e sem fins lucrativos, tendo nascido na Universidade da Califórnia em Berkeley, em 2015.

Oas designs dos chips são providos por companhias como Andes Technology e SiFive, e estes são disponibilizados em caráter livre de royalties e direitos autorais, em regime total de acesso aberto. Qualquer um, seja um nerd trabalhando na garagem do pai, ou uma grande companhia como a Qualcomm, pode pegar os esquemas, alterar o que quiser, produzir os seus chips e vender.

Protótipo de processador RISC-V, apresentado em 2013 (Crédito: Derrick Coetzee/UC, Berkeley)

Protótipo de processador RISC-V, apresentado em 2013 (Crédito: Derrick Coetzee/UC, Berkeley)

E as grandes estão de fato usando. O Google, por exemplo, implementou o RISC-V no módulo de segurança Titan M2, presente nos smartphones Pixel 6 e 7; a Nvidia usou a arquitetura nos controladores de suas GPUs, mas a abandonou em prol da ARM, enquanto nunca a paralelizou com o CUDA.

A independência da RISC-V goza também do fato de hoje ela estar sediada justamente na Suíça, para onde se mudou em 2019, para que não ficasse impedida, devido às sanções do governo dos EUA, de ceder designs de chips a qualquer um, algo que vai de encontro à sua filosofia.

Corta para 2023: as companhias de chips Qualcomm, NXP, Nordic Semiconductor e Infineon, e a Bosch, a maior fornecedora de componentes automotivos do mundo, anunciaram a criação de uma nova companhia, com sede na Alemanha, dedicada a comercializar os designs RISC-V e acelerar seu desenvolvimento, e sim, a meta é bater de frente com a ARM, de igual para igual.

Hoje, a maioria dos designs RISC-V são dedicados a microcontroladores e soluções mais simples, por diferença até mesmo geracional, no que o consórcio estaria umas três atrás da ARM; nesse sentido, a nova aliança tem o objetivo de trazer mais parceiros e mentes para o consórcio, e turbinar o P&D para que no futuro, a arquitetura possa fornecer chips para os mesmos mercados que a designer britânica, de desktops a mobile e infra de grande porte.

O alinhamento da Qualcomm, uma das maiores clientes da ARM, tem razão de ser. Em 2022, durante o imbróglio com a Nvidia, o brasileiro Cristiano Amon, CEO da Qualcomm, disse que sua companhia tinha intenção de comprar uma parte da empresa britânica, ou ela inteira. Como resposta, a ARM abriu um processo contra a "parceira", alegando que esta usa suas propriedades intelectuais (designs) "sem permissão", graças à aquisição da Nuvia.

A princípio, a nova companhia irá focar em designs para o mercado automobilístico, mas já existem planos de expansão dos negócios para mobile e Internet das Coisas (IoT), bem como parcerias com grandes companhias e governos; em última análise, a iniciativa visa fortalecer todo o mercado de semicondutores, algo que a União Europeia propôs para o mercado interno.

Concorrência é sempre bom, e uma companhia surgindo para disputar o mercado de chips com a ARM significa melhores produtos e serviços para todos. Mas se o plano vai vingar, o tempo dirá.

Fonte: The Next Web

Leia mais sobre: , .

relacionados


Comentários