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TSMC, o mercado de chips e o Mercador de Veneza

Com TSMC perto da marca dos 3 nanômetros, especialistas mostram preocupação com setor tech apostando em um único fornecedor de chips ARM

3 anos atrás

A TSMC, companhia taiwanesa de semicondutores, vem nadando de braçada nos últimos anos. Impulsionada pela Apple, que a privilegiou frente à Samsung anos atrás no desenvolvimento de chips para o iPhone, a empresa investiu pesado em P&D para atender às demandas da maçã, culminando nos chips Apple M1 e o fim da parceria entre Cupertino e Intel.

Hoje, a TSMC é a líder no setor de impressão de CPUs, GPUs e SoCs, e atende uma carta enorme de clientes, desde empresas que não imprimem seus chips, a outras que terceirizam parte da sua produção, Intel inclusa. No entanto, dado o atual cenário de escassez e as tensões políticas crescentes entre China e Taiwan, muitos veem tal cenário com preocupação.

Logo da TSMC na sede da empresa em Hsinchu, Taiwan (Crédito: Ann Wang/Reuters)

Logo da TSMC na sede da empresa em Hsinchu, Taiwan (Crédito: Ann Wang/Reuters)

Até 2016, a TSMC dividia com a Samsung a tarefa de produzir chips móveis AX e AXX para a Apple, mas conforme as rusgas entre a maçã e sua rival/fornecedora sul-coreana se intensificaram, e esta começou a se embananar com a crescente demanda de Cupertino, os taiwaneses se destacaram por sempre cumprir as especificações, e seus chips terem performance melhor notável, mesmo pelo usuário final.

No fim das contas, a Samsung foi chutada do páreo e a TSMC assumiu como a única fornecedora de chips da Apple, sendo peça-chave no plano de também dispensar a Intel como fornecedora de processadores para os Macs, o que pode afetar até mesmo a AMD.

Hoje, a TSMC possui uma lista impressionante de clientes, atendendo a quase totalidade de companhias de tecnologia fabless, as que não imprimem seus próprios chips, como Apple, ARM, AMD, Broadcom, Marvell, Nvidia, Qualcomm, MediaTek, Allwinner Technology, HiSilicon, Spectra7 e Spreadtrum.

Empresas que possuem processos de impressão de componentes também costumam terceirizar parte de sua produção à companhia de Taiwan, como Texas Instruments e STMicroelectronics, e isso inclui até mesmo a Intel, que também usará seus designs de 7 nanômetros em chips gráficos. Companhias fornecedoras de dispositivos lógicos programáveis, como a Xilinx, criadora do FPGA e que pertence à AMD, são igualmente clientes da TSMC.

No passado sua concorrente direta Altera também contava com os taiwaneses para a produção de seus chips, mas a parceria foi encerrada em 2013, quando esta fechou um acordo de cooperação com a Intel, que culminou com sua aquisição pela companhia, em 2015.

Não que a ascensão da TSMC não tenha mérito. A companhia investiu pesado em seus processos para sempre cumprir as especificações insanas da Apple, sendo esta obcecada em apresentar produtos que excedam todas as expectativas e deixem a concorrência para trás em todos os aspectos. Isso lhe permitiu atingir um nível de excelência e otimização no seu processo de litografia dos processadores elevado, enquanto rivais como Samsung e Intel patinaram.

Enquanto a Intel se atrapalha para chegar aos 7 nanômetros, a TSMC alcançou tal marca com o Apple A12 em 2018, e a ultrapassou com o Apple A14 e M1 em 2020, os primeiros do mundo com 5 nm. E como se não bastasse, a empresa promete processadores de 4 nanômetros para o fim de 2021, e se diz pronta para introduzir os primeiros chips de 3 nm em 2022, sempre com a Apple saindo na frente com seus iPhones, iPads e Macs.

Como resultado, a TSMC é hoje a 11ª companhia mais valiosa do planeta, com um valor de mercado de US$ 550 bilhões. A crise do setor de tecnologia, causada pela queda no suprimento de semicondutores devido a pandemia da COVID-19, a afetou, mas bateu com mais força em seus concorrentes diretos, lhe permitindo pegar tração no período.

Estrutura do processador Apple M1 (Crédito: Divulgação/Apple)

Estrutura do processador Apple M1 (Crédito: Divulgação/Apple)

A introdução dos chips Apple M1, que demonstram uma performance excepcional frente a computadores equipados com processadores x86, sejam Intel ou AMD, reacendeu o interesse de outras companhias em investir novamente no ARM voltado para desktops, o que inclui a Microsoft, que junto com a Qualcomm vai desenvolver chips próprios para a linha Surface, mas também poderá licenciar a tecnologia para terceiros. Tudo vai depender de como o Windows 11 será posicionado no mercado.

A TSMC não é a única empresa de semicondutores que imprime chips, mas é a maior e boa parte delas está concentrada em Taiwan. De acordo com a TrendForce, a companhia respondeu por 55% do market share no primeiro trimestre de 2021, seguida por Samsung (17%), UMC (7%) e GlobalFoundries (5%). De fato, segundo a empresa de consultoria Capital Economics, a gigante taiwanesa responde por 92% de todos os processadores de ponta que usamos. O resto fica por conta, sem muita surpresa, da Samsung.

Esse cenário vem preocupando especialistas do setor de tecnologia e Segurança da Informação, por um motivo bem simples: China. O país vem investindo em um programa de independência tecnológica, de modo a driblar as sanções impostas pelos Estados Unidos, mas ao mesmo tempo, Pequim considera Taiwan como parte de seu território. O premiê Xi Jinping já ameaçou o país de reunificação mais de uma vez, inclusive com o uso de força militar.

Num improvável, mas não tão impossível cenário onde a China acabe por anexar e absorver Taiwan como parte do país novamente, o controle da TSMC passaria para as mãos do País do Meio, instantaneamente tornando todo o mercado de tecnologia do mundo dependente do que o premiê Xi decidir. É algo difícil de acontecer, mas esperar para ver não é uma decisão muito sensata.

Até por isso o presidente dos EUA Joe Biden autorizou um fundo de US$ 50 bilhões para fomentar o investimento e desenvolvimento local de semicondutores, para diminuir a dependência do país de empresas externas, especialmente de uma região politicamente conturbada. A ARM, que fora comprada pela Nvidia poderia acabar mudando de nacionalidade, não fossem China e Reino Unido contra a aquisição.

Hoje a TSMC é a cesta cheia de ovos, metáfora esta usada por William Shakespeare na peça O Mercador de Veneza, que a adaptou para o contexto comercial.

A cena do julgamento (Ato IV, Cena 1) da peça "O Mercador de Veneza", por Robert Smirke (Crédito: Reprodução/RSC Theatre Collection)

A cena do julgamento (Ato IV, Cena 1) da peça "O Mercador de Veneza", por Robert Smirke (Crédito: Reprodução/RSC Theatre Collection)

No primeiro ato, Antônio responde a Salarino e Salânio, quando estes tentam descobrir o motivo pelo qual o mercador está triste, e supõem ser preocupação por suas cargas, que chegam a Veneza pelo mar:

“Podeis crer-me, não é assim. Sou grato à minha sorte; mas não confio nunca os meus haveres a um só lugar e a um barco, simplesmente nem depende o que tenho dos azares do corrente ano, apenas. Não me deixam triste, por conseguinte, as minhas cargas.”

Por conveniência e excelência (este último indiscutivelmente mérito da TSMC), o setor de tecnologia se tornou dependente de um só barco/cesta de ovos, e na possibilidade de uma tempestade repentina ou mudança de ares, se veriam em uma situação extremamente desconfortável. A saída para isso é investir por conta, mas nada é tão simples.

Segundo a empresa de consultoria IC Insights, um país teria que investir em tecnologia um montante mínimo de US$ 30 bilhões, durante 5 anos, e poucos têm capital e know-how para isso, como os Estados Unidos, Reino Unido e Índia, além de players menores. Ao mesmo tempo, a TSMC está construindo uma fábrica no Arizona, para a produção local de chips de 5 nm, ao custo de US$ 12 bilhões.

Por mais que seja confortável contar com uma empresa de ponta para desenvolver e imprimir chips, definitivamente não é muito esperto depender apenas de uma delas, independente de como as coisas andem pelos lados de Taiwan.

Fonte: Phone Arena

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