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Portopia, IA e o tiro que saiu pela culatra

Para divulgar sua nova inteligência artificial, a Square relançou o adventure The Portopia Serial Murder Case, mas resultado é, no mínimo, decepcionante

50 semanas atrás

Se você é uma empresa com um vasto catálogo e quer divulgar uma tecnologia que está desenvolvendo, uma boa ideia pode ser aproveitar uma das suas marcas como plataforma. Foi nisso que apostou a Square Enix ao relançar o The Portopia Serial Murder Case, mas a reação do público ao que foi entregue passou muito longe do que pode ser considerado satisfatório.

The Portopia Serial Murder Case

Crédito: Divulgação/Square Enix

Embora não seja muito conhecido no ocidente, o jogo lançado originalmente como Portopia Renzoku Satsujin Jiken foi muito importante no Japão, quando chegou ao NEC PC-6001 em 1983. Idealizado por ninguém menos do que o criador da série Dragon Quest, Yuji Horii, depois o título ainda apareceria em várias outras plataformas, como o Nintendinho japonês e o MSX. Mas afinal, do que ele se trata?

Funcionando como um visual novel, em The Portopia Serial Murder Case seremos um investigador de polícia cujo objetivo será solucionar o assassinato do presidente de um banco. Para isso teremos que visitar várias cidades japonesas, conversar com personagens, coletar provas e resolver alguns quebra-cabeças.

Hoje algo assim pode ser considerado comum, mas estamos falando de um jogo lançado há 40 anos e que nos colocava para interrogar testemunhas e explorar um mundo aberto. Não surpreende, portanto, que a criação de Horii tenha influenciado outros game designers japoneses que se tornariam extremamente relevantes na indústria, como Hideo “Metal Gear” Kojima e Eiji “The Legend of Zelda” Aonuma.

Portopia rodando em um PC-88 (Crédito: Reprodução/Unicorn Lynx/MobyGames)

“Na época em que o jogo original foi lançado, a maioria dos adventures eram jogados usando um sistema de ‘entrada de comandos’, onde o jogador era solicitado a digitar um texto para decidir as ações do seu personagem,” explica a Square Enix. “Sistemas de entrada de textos como esses permitiram que os jogadores sentissem uma grande liberdade, no entanto, eles vinham uma fonte comum de frustração: os jogadores sabiam que ação queriam realizar, mas não conseguiam porque não podiam encontrar as palavras corretas.”

Sendo assim, um jogo como o The Portopia Serial Murder Case poderia se beneficiar muito de técnicas como Natural Language Processing (NLP) e Natural Language Understanding (NLU), fazendo com que a imersão se tornasse muito maior, já que não precisaríamos ficar limitados a palavras ou frases que teriam que ser digitadas exatamente como as presentes no código. Porém, bastou o experimento chegar (gratuitamente) ao Steam para sabermos que a promessa não foi cumprida.

O problema é que ao dispararmos comandos para o personagem que serve como nosso assistente, Yasu, o mais comum é recebermos como respostas apenas três frases: “Não tenho certeza do que dizer sobre isso,” “Talvez devêssemos focar nas tarefas que temos em mãos?” e a nada motivadora “Hmm...”.

Ou seja, aquilo que deveria funcionar interpretando nossas palavras e dando continuidade à aventura, tem se comportado praticamente da mesma forma que víamos em jogos do gênero lançados há algumas décadas.

Crédito: Divulgação/Square Enix

Como pode ser visto nas diversas críticas publicadas pelos jogadores na página do jogo, o sistema/assistente é incapaz de interagir corretamente com questões simples, como, por exemplo (tradução nossa):

  • Quem é você?
    R: Talvez devêssemos focar nas tarefas que temos em mãos?
  • Você poderia me contar algo sobre a vítima?
    R: Talvez devêssemos focar nas tarefas que temos em mãos?
  • Quem eram seus inimigos?
    R: Hmm...
  • Me leve até a cena do crime.
    R: Talvez devêssemos focar nas tarefas que temos em mãos?
  • [Após chegar à mansão de Kozo Yamakawa] Vamos investigar.
    R: Não tenho certeza do que dizer sobre isso.
  • Quando o Kozo morreu?
    R: Sua garganta foi cortada com uma faca. A morte deve ter sido instantânea.
  • Conte-me sobre a arma usada no assassinato.
    R: Talvez devêssemos focar nas tarefas que temos em mãos?

Veja esse outro diálogo, ainda mais absurdo e reproduzido pelo usuário Rob:

  • Vamos ao porto.
    R: Não tenho certeza do que dizer sobre isso.
  • Vamos para o porto de Kobe.
    R: Não tenho certeza do que dizer sobre isso.
  • Ir para o porto de Kobe.
    R: Não tenho certeza do que dizer sobre isso.
  • Ir para o porto.
    R: Não tenho certeza do que dizer sobre isso.
  • Ir para os Apartamentos Nagisa.
    R: Eu não sei onde isso fica, mas vamos ao porto primeiro.

Fica claro, portanto, que a ferramenta que deveria servir como a solução para um problema, na verdade, não consegue exercer sua principal função, que é interpretar o que estamos dizendo e garantir que a experiência seja a mais natural possível.

Como resultado, das 344 análises feitas pelos usuários do Steam, 87% classificaram o The Portopia Serial Murder Case negativamente, fazendo com que ele já apareça como um dos piores jogos disponíveis no serviço.

The Portopia Serial Murder Case

Crédito: Divulgação/Square Enix

Talvez essas pessoas tenham encarado o jogo com uma expectativa elevada demais, achando que o Yasu se comportaria como uma interface para algo nos moldes de um ChatGPT. Porém, a partir do momento em que a empresa o divulga como uma solução (ou pelo menos o embrião) para tornar os adventures mais imersivos, será que estamos errados ao esperar algo que se reaja de maneira mais realista, pelo menos ao se deparar com perguntas dentro do contexto da história?

Com o sistema implementado pela Square Enix não conseguindo reconhecer uma frase simplesmente pela falta da palavra “The”, o ato de verificar um quadro ou utilizar uma chave nos fará ter que testar diversas construções de sentenças. Isso posto, qual a diferença para o que Yuji Horii implementou há quatro décadas?

Pode até ser que com o passar do tempo essa “inteligência artificial” seja aperfeiçoada, passando a atuar de maneira mais natural e até reagindo de forma parecida com um interessante mod para o Mount & Blade II: Bannerlord ou da promissora tecnologia Ghostwriter, da Ubisoft. Por enquanto, para boa parte daqueles que testaram o The Portopia Serial Murder Case, uma palavra que serve para descrever a experiência é frustração e particularmente, “Não tenho certeza do que dizer sobre isso.”

Fonte: GamesRadar+

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