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Ghostwriter, NPCs mais realistas e uma pitada de IA

Ubisoft revela detalhes da Ghostwriter, uma ferramenta que usará inteligência artificial e machine learning para gerar diálogos mais naturais para os NPCs

51 semanas atrás

O cenário é bastante conhecido por quem gosta de videogames: enquanto exploramos mundos virtuais que se tornam cada vez maiores e mais realistas, os personagens que encontramos pelo caminho se limitam a repetir apenas algumas palavras. Isso pode prejudicar bastante a imersão e para solucionar o problema, a Ubisoft está criando uma ferramenta que usa inteligência artificial para gerar as falas dos NPCs. Senhoras e senhores, conheçam a Ghostwriter!

Crédito: Divulgação/Ubisoft

Visando principalmente poupar o tempo que as pessoas passam tendo que criar essas falas, a Ubisoft afirma que a “Ghostwriter não está substituindo os roteiristas, mas sim aliviando uma das tarefas mais trabalhosas para eles: escrever latidos.”

Embora possa parecer estranho, latido é como a indústria se refere a frases curtas ditas pelos NPCs quando um determinado gatilho é acionado. Isso pode ser quando estamos em perigo, quando precisamos prestar atenção em algum evento ou mesmo quando nos dirigimos a um comerciante. Normalmente essas falas ou sons não possuem muita variedade e o objetivo da ferramenta idealizada por Ben Swanson é justamente garantir que os latidos pareçam mais naturais.

Um cientista da computação especializado em processamento de linguagem natural que já trabalhou no Google, ele se interessou por utilizar a tecnologia de forma criativa quando ainda estava fazendo o doutorado. Lá ele conheceu dois roteiristas e foi apresentado à ideia de criar arte usando modelos generativos, mas o embrião da Ghostwriter só nasceria em 2021, após ele participar da Game Developers Conference (GDC).

Foi naquele evento que Swanson assistiu uma palestra da equipe responsável pelo Watch Dogs: Legion, título que nos permite controlar qualquer pessoa que encontrarmos pelo caminho. Fascinado pelo que foi mostrado, ele passou a desejar trabalhar em algo parecido e se candidatou a uma vaga na editora. Como a Ubisoft já estava buscando uma solução para esse problema, o casamento não poderia ter surgido em melhor hora.

Crédito: Divulgação/Ubisoft

A partir de então a equipe comandada por Swanson passou a desenvolver uma maneira de tornar o comportamento dos NPCs mais realista, com a conversa entre eles soando mais natural e as reações aos gatilhos passando uma melhor sensação de estarmos perto de uma pessoa de verdade. O problema é que fazer isso manualmente exige muito tempo e esforço criativo, recursos que os roteiristas poderiam dedicar a tornar as histórias melhores.

Porém, isso não quer dizer que o processo será todo automatizado, já que “ao invés de escrever os primeiros rascunhos, a Ghostwriter permite que os roteiristas selecionem e aperfeiçoem os modelos gerados,” explicou Ben Swanson. Ou seja, conforme os personagens forem criados, a ferramenta indicará algumas variações de latidos que o roteirista poderá escolher, sendo este apenas o primeiro passo do processo de criação.

Usando um método de avaliação de emparelhamento, o sistema oferecerá duas opções para que o roteirista escolha a melhor, cabendo a ele ainda decidir se quer fazer alterações nas falas para que elas se tornem mais adequados ao tipo de NPC e as situações em que ele estará envolvido. Essas escolhas também ajudaram a melhorar a inteligência artificial, pois quanto mais sugestões ela receber, mais efetiva e precisa se tornará na hora de fazer sugestões.

Crédito: Divulgação/Ubisoft

Mas enquanto a Ghostwriter desponta como uma bela solução para um problema que tende a se tornar cada vez maior, muitas pessoas não estão enxergando a novidade de maneira positiva. Para Alana Pearce, do Santa Monica Studio, “ter que editar roteiros/diálogos gerados por IA soa muito mais demorado do que ter que escrever” suas próprias linhas temporárias. Por isso a roteirista defende que seria muito melhor se os estúdios grandes investissem na contratação de mais escritores.

As críticas também falam sobre o medo desse tipo de tecnologia tornar uma indústria já tão competitiva ainda mais restrita e há ainda aqueles que questionam o quão realistas poderão ser as conversas geradas por uma máquina, com a alegação de que se hoje os jogos nos entregam um par de frases repetidas, no futuro poderemos ser jogados em mundos virtuais repletos de falas pasteurizadas.

Por fim, existe uma questão ética que vai muito além da indústria dos videogames. Para aqueles que trabalham com criação, ferramentas como a Midjourney tem sido criticadas justamente por se valerem da arte de outras pessoas para gerar novas imagens. Por se tratar de um terreno ainda pouco explorado, o debate deverá se estender por um bom tempo e algo como a Ghostwriter será certamente lembrada por aqueles que abominam a utilização de inteligência artificial (ou machine learning) na produção de conteúdo.

Todas essas preocupações são válidas, mas Ben Swanson tem feito questão de salientar como a Ghostwriter deve ser encarada apenas como uma ferramenta de apoio. Durante um painel que realizou recentemente na GDC, o pesquisador esclareceu que a IA não será usada para criar cenas não-interativas ou o roteiro geral.

Ele então citou quatro casos em que algo assim poderá ajudar os roteiristas. No primeiro, o escritor precisará definir qual a motivação do NPC, com o sistema sugerindo a opção de, por exemplo, definir que o sujeito está rezando e a ferramenta indicar o que ele poderia dizer.

Outra utilidade seria gerar grandes quantidades de linhas de falas para multidões, permitindo assim que o jogador ouça o que as pessoas estão falando e incrementando a imersão. Esse me parece a ideia mais útil para a Ghostwriter, pois nem consigo imaginar o quão trabalhoso (e chato) deve ser precisar criar tantos diálogos.

Já a terceira opção seria para o que Swanson chamou de “atos duplos”, que é definir os papéis de dois NPCs e associá-los a um determinado tópico. Imagine uma conversa entre um mordomo e um milionário que envolvesse um convite. O empregado diria algo como, “encontrei um convite para você na caixa de correio,” com resposta sendo algo como, “Ah, sério? Isso é muito interessante, por favor, coloque-a ao lado do meu chá.” Ou então, o diálogo entre um bandido e um policial sobre um roubo: “Então é você quem está roubando as lojas de brinquedo?” “Do que você está falando? Eu sou um homem adulto, não tenho tempo para brinquedos.” Hoje, tudo isso teria que ser feito manualmente, mas se a IA for bem implementada, poderá acelerar o processo e sugerir como as histórias se desenrolarão.

Crédito: Reprodução/Ubisoft/GDC

E para terminar, temos o que as pessoas que estão trabalhando na Ghostwriter consideram o melhor uso para ela, que é parafrasear os latidos. Ou seja, sempre que um roteirista precisar criar dez versões de uma frase como “Estou recarregando!”, ele não terá que se esforçar para gerar variações de um mesmo comentário.

Será interessante ver como algo assim poderá tanto facilitar a vida dos escritores, quanto tornar os comportamentos dos NPCs mais naturais. A dúvida é se uma ferramenta tão poderosa como essa será utilizada para o bem, ou para “o mal”.

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