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O fabuloso mundo de Tchia

Reunindo várias mecânicas, uma direção artística belíssima e um enorme mundo para ser explorado, Tchia é uma bela viagem pela cultura neocaledônia

51 semanas atrás

Imagine um arquipélago colorido e bastante ensolarado, repleto de animais silvestres e onde uma menina precisa lutar contra um tirano e uma megacorporação. Adicione a isso uma interessante habilidade sobrenatural da protagonista, salpique com cenas embaladas por uma trilha sonora empolgante e poderíamos estar falando de alguma animação da Disney, certo? Porém, este é o mundo de Tchia, um divertido jogo indie que você deveria conhecer.

Tchia

Crédito: Divulgação/Awaceb

Ao ler o nome Awaceb, é provável que você não saiba de que estúdio estou falando, assim como talvez não conheça muitos detalhes sobre a Nova Caledônia, região em que a história de Tchia foi inspirada.

No caso da desenvolvedora, em seu portfólio ela só conta com outro título, o mediano Fossil Echo. Já em se tratando do arquipélago que influenciou a criação do jogo, trata-se de uma comunidade que foi anexada a França e que se localiza na melanésia, 1500 km a leste da Austrália.

Tendo como capital a cidade de Nouméa, a Nova Caledônia possui uma população de aproximadamente 250 mil pessoas, sendo que dessas, 45% são canaques, um dos povos nativos locais. Já a língua oficial é o francês, com várias línguas melanésias sendo utilizadas pelos nativos, incluindo aí a drehu, que poderá ser ouvida durante boa parte da aventura vivida por Tchia.

Alma e a protagonista 1001 utilidades

Tchia

Crédito: Divulgação/Awaceb

Tchia começa sua história nos mostrando a vida pacata de uma garotinha e seu pai. Morando numa pequena ilha isolada dos grandes centros, a dupla não tem muito com o que se preocupar, até um dia eles recebem uma visita inesperada. A bordo de uma aeronave parecida com um helicóptero está Pwi Dua, um sujeito carrancudo que discute com o pai de Tchia e o sequestra a mando de Meavora, o ditador do arquipélago e que é metade humano, metade minhoca.

Aquele poderia ser o desfecho de uma trágica história, mas se mostra apenas o início de uma longa e emocionante jornada. Isso porque, ao ver seu pai sendo levado pelo vilão, a garota tenta alcançá-los e descobre algo inimaginável, uma habilidade conhecida como Transferência de Alma. Servindo como ponto principal da jogabilidade de Tchia, essa mecânica nos permitirá controlar não apenas qualquer animal que encontrarmos pelo caminho, mas também uma infinidade de objetos — o que, sim, soa no mínimo estranho.

Com isso poderemos, por exemplo, possuir um pássaro e sair voando pelo céu, aproveitar as pinças de um caranguejo para quebrar correntes ou cavar buracos quando estivermos no corpo de um javali. Precisa de um pouco de fogo? Sem problema, basta transferir nossa alma para um lampião e atirá-lo contra um alvo. E quanto a descer de uma enorme montanha? Uma saída pode ser controlar um pneu e simplesmente fazer ele rolar morro abaixo.

Como os animais e objetos possuem “habilidades” específicas, possuí-los acaba adicionando uma interessante camada de estratégia ao jogo, sendo que em muitas situações, a criatividade do jogador poderá render situações muito legais.

O problema, no entanto, é que só poderemos utilizar a Transferência de Alma por um determinado tempo, já que uma barra esvaziará quando estivermos fora do nosso corpo. A solução será nos alimentarmos ou até mesmo realizar desafios que estão espalhados pelo mapa, pois eles aumentarão um pouco essa duração.

Crédito: Divulgação/Awaceb

Contudo, por mais que seja o ponto de destaque de Tchia, essa mecânica é apenas uma das muitas que nos serão oferecidas. Entre os muitos talentos da protagonista temos sua capacidade de tocar um ukulele mágico, que com as notas certas poderá trocar a hora do dia, alterar o clima ou invocar seres conhecidos como Mwakens — e se você jogou o Ocarina of Time, sabe do que estou falando.

Também da franquia The Legend of Zelda vieram inspirações como escaladas que consumirão estâmina e um planador no melhor estilo Breath of the Wild (mas que aqui será uma folha de árvore) ou a possibilidade de explorar um vasto oceano enquanto estivermos a bordo de uma jangada, o que me lembrou do The Wind Waker.

A diferença é que neste jogo o velejar será bem mais complexo do que naquele lançado originalmente para o GameCube. Além de termos que içar a vela para deixar o barco na velocidade que desejarmos, pará-lo sem jogar a âncora fará com que continue seu caminho. E acredite, você não vai querer nadar uma longa distância até a praia mais próxima.

Crédito: Divulgação/Awaceb

Voltando ao instrumento musical da menina, ele também se fará presente em algumas passagens marcantes da história, onde o jogo ganha ar de musical e temos que apertar botões na hora certa. A boa notícia para quem não gosta de algo assim ou não tem um reflexo muito apurado é que com um clique podemos deixar tais cenas rodando automaticamente. Isso também nos permitirá aproveitar melhor as belas músicas.

O título ainda nos colocará diante de vários outros minigames. De corridas ao empilhamento de pedras, passando por uma máquina fotográfica cujas fotos precisam ser reveladas até a caça a tesouros, há muito a ser feito em Tchia. Mas o que torna essas atividades divertidas é que elas sempre nos presenteiam com itens diversos, alguns meramente cosméticos, mas outros tornando a aventura mais tranquila.

Aliás, tranquilidade é algo que nos acompanhará durante quase toda a jornada daquela criança. Seja com a trilha sonora típica da região, seja com os inimigos sendo raros e entregando pouca dificuldade, este não é um jogo para masoquistas. Aqui o objetivo é curtir a viagem, imergir num mundo cheio de vida e aproveitar para explorar cada canto do mapa.

A cultura e o folclore neocaledônio

Tchia

Crédito: Divulgação/Awaceb

Enquanto passava meu tempo na criação da Awaceb e me encantava pelas várias possibilidades que o jogo me dava, uma coisa não saiu da minha cabeça. Jogos como Tchia podem desagradar alguns pelo seu ar mais infantil, fascinar outros pela bonita direção de arte ou memso pela liberdade que nos dá. Porém, o que mais me chamou a atenção nele foi a confirmação de como os videogames podem ser excelentes ferramentas de disseminação cultural.

Se não fosse pelo trabalho daquela pequena desenvolvedora e sua aposta na temática, eu provavelmente jamais conheceria um pouco mais sobre uma cultura tão rica e distante. Algo assim possui um valor inestimável, principalmente por falar sobre o folclore e sabedoria de um povo que habita aquele isolado pedaço de terra há milhares de anos.

Numa indústria tão acostumada a requentar histórias ou mesmo passagens mais importantes a nós ocidentais, uma abordagem tão fascinante quanto a de Tchia chega como uma lufada de ar fresco para quem se interessa em conhecer algo novo. Pode parecer exagero, mas após experimentar o jogo, fiquei pensado em como poderia ser legal visitar a Nova Caledônia e ter contato direto com a cultura local.

Lindo, mas instável

Crédito: Divulgação/Awaceb

Como dito anteriormente, o trabalho realizado pelos artistas da Awaceb me lembrou as produções da Disney e não somente pela narrativa. Visualmente o jogo também remete às boas animações que temos visto ultimamente, qualidade que também pode ser vista, ou melhor, ouvida, nas músicas típicas dos povos do Pacífico.

Contudo, se teve um ponto que me decepcionou em Tchia foi no desempenho técnico da parte visual. Mesmo jogando no PlayStation 5, foi comum notar quedas significativas na taxa de frames — especialmente enquanto estava navegando — e como o jogo não possuiu a opção de privilegiar a qualidade visual ou o desempenho, só me restou ter que conviver com o problema.

Isso é uma pena, pois a maneira como a luz reflete na água, a chuva e a iluminação deixa tudo muito bonito. Mas estamos falando de um jogo que, apesar de se passar num mundo aberto, não apresenta texturas realistas ou ray-tracing. Talvez o desempenho no PC esteja muito melhor, mas só posso falar da plataforma em que joguei e nela eu esperava uma experiência bem mais suave.

Crédito: Divulgação/Awaceb

Exceto por esse ponto negativo, que sinceramente, talvez só incomode os mais exigentes, Tchia acabou se mostrando uma grata surpresa. Eu não acho que ele vá revolucionar a indústria, não acredito que conseguirá converter aqueles mais sedentos por sangue, nem que será capaz de prender a atenção das pessoas que procuram maiores desafios.

Já para quem gosta de uma experiência mais lúdica, onde a exploração e a diversão despontam como principais caraterísticas e sem precisar recorrer a um videogame da Nintendo para isso, provavelmente encontrará aqui um jogo que o prenderá por muitas e muitas horas. Um belo exemplo de como o destino pode ser muito menos interessante que o caminho que percorremos para chegar a ele.

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