Ronaldo Gogoni 1 ano e meio atrás
A compra da Activision Blizzard pela Microsoft é uma novela ainda sem data para terminar, e pode nem render um final feliz para as partes envolvidas. Recentemente, a Autoridade para Competição e Mercados do Reino Unido (CMA), o órgão britânico que supervisiona o livre mercado, expressou preocupações acerca do negócio, sob riscos de que ele pode prejudicar a competição nos mercados de games, streaming e serviços em nuvem.
Agora, a entidade deu mais detalhes sobre quais são suas preocupações; simultaneamente, a Comissão Europeia sinalizou sua já esperada má vontade, no que ela irá consultar estúdios rivais para ouvir o que eles pensam a respeito.
O processo de aquisição da Activision Blizzard King (ABK) pela Microsoft, firmado em janeiro de 2022 por R$ US$ 68,7 bilhões, é a maior transação do mercado de games em toda a história, e também a maior a ser paga em espécie (dinheiro vivo), independente do setor.
Isso permitirá a Microsoft assumir a terceira posição no mercado, atrás da Sony e da Tencent, exercer maior domínio sobre os setores de games para consoles (em tese, mirando no multiplataforma), PC e mobile. Ao mesmo tempo, a gigante de Redmond consolidará sua força ao deter franquias de peso, como Call of Duty, Warcraft, Overwatch, Diablo, StarCraft, Crash Bandicoot, Spyro, Candy Crush e várias outras.
O chefe da divisão Xbox, Phil Spencer, também mencionou que franquias legadas, como Guitar Hero, The Lost Vikings, Rock N' Roll Racing, Heretic/HeXen, King's Quest e Skylanders, entre outras, podem ser retomadas no futuro.
No entanto, a compra também levantou preocupações. Por mais que os fãs do Xbox desejem ter todos os games da Activision no Game Pass, especialistas acreditam que os argumentos da Microsoft e Activision, de que os títulos continuarão sendo multiplataforma, podem mudar ao sabor do vento.
Vale lembrar que dois games da Bethesda, comprada anteriormente, The Elder Scrolls VI e Starfield, que sairiam para mais sistemas, se tornaram exclusivos Xbox/Windows, e não chegarão a outros consoles.
O parecer inicial da CMA do Reino Unido vai nessa linha. Ao concluir a primeira fase de investigações do processo de compra, o órgão declarou que a compra da Activision pela Microsoft pode levar à redução da competitividade no mercado britânico, ao prejudicar estúdios locais e sistemas, ao depreciar concorrentes como Sony e Nintendo.
A CMA também menciou que, dado o atual estado de transição do mercado de games, em que conexões à internet banda larga mais rápidas, mais confiáveis e mais baratas, viabilizam a implementação adequada de serviços de games digitais por assinatura e streaming.
A Microsoft poderia posicionar o Xbox Game Pass e o Xbox Cloud Gaming como a única opção viável (com garantia de retorno e grande alcance) para estúdios grandes e pequenos que querem ver seus jogos consumidos, ainda mais depois do fiasco (previsto) do Google Stadia, e o escopo limitado de concorrentes, como Amazon Luna, Nvidia GeForce Now, e PS+Premium.
Agora, enquanto a CMA conduz a segunda fase de investigações, ela emitiu um novo comunicado, onde detalhou suas preocupações. Em primeiro lugar, o órgão acredita que a aquisição da Activision pela Microsoft causará o enfraquecimento substancial da competição em consoles, serviços de nuvem e de assinatura, com a companhia possuindo o controle das três frentes: Xbox, Game Pass/Cloud Gaming e Azure, sendo que este fornece infraestrutura às redes da Sony e Sega, e segundo rumores, também da Nintendo.
A CMA também não acredita nem um pouco na promessa de Spencer em manter franquias como Call of Duty multiplataforma, algo que a Sony já disse não ser verdade; simultaneamente, a Microsoft acusa a rival de pagar estúdios para que seus jogos não sejam incluídos no Game Pass.
O regulador britânico também notou que Call of Duty é uma das franquias de maior engajamento de público, e caso ela se torne exclusiva Xbox em consoles, a Sony seria terrivelmente prejudicada pela decisão, com muitos consumidores deixando de comprar consoles PlayStation.
Vale lembrar que a Microsoft expandiu o Game Pass para ser executado em TVs, e prepara o lançamento de um dispositivo de streaming independente, para atender modelos mais antigos e quem não quiser/não puder arcar com a compra de um Xbox.
Por fim, a CMA acredita que o acordo proverá uma "desvantagem sem paralelo" à Microsoft, principalmente em consolidar o Game Pass e o Cloud Gaming como as principais lojas de conteúdos digitais para games, graças ao Azure.
Enquanto isso, as coisas na União Europeia andavam quietas demais. As Comissões para a Competição e para uma Europa Adequada à Era Digital, comandadas pela comissária linha-dura Margrethe Vestager, são tocadas na linha Tolerância Zero com companhias fora do bloco comercial, e são especialmente críticas a avanços comerciais de empresas dos Estados Unidos.
Apple, Google, Meta e Amazon são alvos preferenciais, no que as gigantes americanas já foram condenadas, multadas e repreendidas várias vezes por operações consideradas prejudiciais a empresas, desenvolvedores e consumidores europeus. A Microsoft não é exceção, logo, era de se esperar que em algum momento, a Comissão Europeia se manifestaria a respeito da compra da Activision.
Ainda assim, ninguém esperava que o bloco fosse tomar a decisão mais ácida possível: como parte das investigações acerca da compra, a Comissão irá questionar desenvolvedoras rivais, sobre se eles consideram que Redmond irá bloquear o acesso de títulos da Activision em outras plataformas.
Segundo um documento acessado pela agência Reuters, os reguladores europeus também querem saber se os dados aos quais a Microsoft terá acesso, caso a compra seja aprovada, lhes renderão uma vantagem significativa e desleal.
A questão da consulta a outros estúdios, sobre o bloqueio de jogos em sistemas que não pertencem à Microsoft, é curiosa, mas compreensível. Na possibilidade de Sony e Nintendo deixarem de receber jogos da Activision, em especial os mais vendidos, consumidores serão impelidos a fechar com a solução de Redmond, levando a um aumento exponencial na venda de consoles Xbox e nas assinaturas do Game Pass.
Isso poderia gerar um efeito em cascata, com mais estúdios e desenvolvedores, grandes, pequenos e independentes, dando preferência à Microsoft devido à concentração maior de público, ou basicamente, por se tornar "o lugar onde o dinheiro está".
Em tal cenário, os demais consoles teriam cada vez menos lançamentos de desenvolvedoras 3rd party, e ficariam relegados a títulos desenvolvidos por estúdios internos, o que impactaria diretamente nas vendas.
Embora a Nintendo possua um portfólio poderoso de franquias, que justificam por si só a compra de um Switch, o mesmo não pode ser dito da Sony, que está lançando games para PC, ainda que com um ano atraso em relação ao PS5.
Ainda que a compra da Activision pela Microsoft tenha sido aprovada pelo CADE sem restrições, e pelo órgão regulatório da Arábia Saudita, ainda não está claro se a aquisição irá passar. Nos Estados Unidos, a FTC (Federal Trade Commission, ou Comissão Federal de Comércio) passou por modificações de modo a dificultar o processo por gigantes de tecnologia, e ninguém sabe o que o governo da China pensa a respeito.
É importante lembrar que a CMA já barrou compras de grande porte nos últimos anos, embora a mais relevante, a aquisição do Giphy pela Meta, tenha sido questionada pela corte britânica, e ainda está rendendo capítulos... curiosos. E não é difícil concluir que a Comissão Europeia, dada a estratégia de ouvir rivais, também não está tão propensa a deixar o negócio ser fechado.
Só nos resta aguardar os próximos desdobramentos dessa novela, que ainda deverá ter vários capítulos.
Fonte: Game Developer, Reuters