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Videogames e a licença poética para suas enormes luas

Você já reparou em como a Lua costuma ser muito maior nos games do que na vida real? Pois a a explicação para isso pode ser mais simples do que parece

2 anos atrás

Das pinturas que fazíamos nas paredes da caverna de Lascaux até o dia em que Neil Armstrong deu “um pequeno passo para o homem, mas um grande salto para a humanidade”, sempre fomos fascinados pela Lua. Essa atração obviamente seria levada para os videogames e neles o satélite costuma ser representado num tamanho bastante exagerado.

Mesmo no GTA Online a Lua é enorme (Crédito: Divulgação/Rockstar)

A minha pouco confiável memória jamais me permitiria afirmar quando foi a primeira vez que uma Lua enorme chamou a minha atenção nos games, mas sei que só recentemente me dei conta de como os game designers gostam de ignorar a realidade ao representar a Rainha do Céu.

Tudo começou enquanto eu explorava o deserto de Grand Senora no Grand Theft Auto V. Conforme o tempo passava e a noite caia, ocasionalmente vi aquela enorme esfera branca se movendo com as estrelas e por alguns segundos fiquei apenas ali parado, admirando sua beleza e pensando que, do lado de cá da telinha, a Lua não parecia tão imponente.

Não demorou até que a minha mente me levasse direto para outra região erma daquele mesmo universo, mas em outra época, o Mount Chiliad. Quando não estava aprontando as maiores confusões controlando o inesquecível CJ, foi por lá que passei bons momentos procurando o Pé Grande, um dos maiores mitos de San Andreas e que nunca passou disso, uma mera história para boi dormir.

Naquele jogo a Lua parecia ainda maior e guardava um segredo no mínimo inusitado: ao atirarmos no satélite com um rifle de precisão, seu tamanho aumentaria gradativamente, até voltar ao que, dentro daquele contexto, poderia ser considerado normal.

Masser e Secunda, as luas de Skyrim (Crédito: Reprodução/spacesailors/Reddit)

A princípio achei que aquele fosse alguma espécie de fetiche dos artistas da Rockstar, mas qual foi minha surpresa ao, dias depois, começar uma nova campanha no The Elder Scrolls V: Skyrim e perceber que por lá não havia uma grande lua, mas duas! Conhecidas como Masser e Secunda, elas possuem tamanhos e cores diferentes, mas também se destacam muito mais no céu do que aquela que serve como morada para São Jorge.

O fato é que enquanto dividia minha atenção entre não levar uma flechada no joelho e vociferar “Fus Ro Dah” contra meus inimigos, vez ou outra esquecia meu papel de Dovahkiin e relaxava observando aquelas luas se movendo sobre os belos cenários da Garganta do Mundo. Contudo, durante a contemplação uma pergunta começou a rondar minha cabeça: estaria a explicação para aquelas luas na ambientação fantasiosa do jogo?

Isso também serviria para justificar o vultoso satélite que pode ser visto nos céus de outro título onde monstros, magia e espadas são comuns, o The Witcher 3: Wild Hunt. Para Geralt, cavalgar sob aquele luar é tão natural quanto enfrentar uma striga ou uma noonwraith, sendo apenas mais uma das diferenças entre o mundo do bruxo e o nosso.

Em The Witcher 3, a lua ajuda a criar o clima de terror (Crédito: Reprodução/TammyShehole/Reddit)

Com ela influenciando diretamente a vida dos moradores de Novigrad e cercanias, permitindo, por exemplo, que vampiros possam voar durante a lua cheia, dar um maior destaque aumentando seu tamanho poderia ser apenas um recurso adotado pelos artistas e roteiristas, uma licença poética para um mundo em que coisas muito mais fantásticas acontecem constantemente.

“Um vampiro, ou upir, é uma pessoa morta trazida à vida pelo Caos. Tendo perdido sua primeira vida, um v. desfruta da sua segunda vida durante a noite. Ele deixa seu túmulo à luz da lua e apenas sob sua luz pode agir, atacando donzelas adormecidas ou jovens pretendentes que ele não desperta, mas cujo sangue suga.”

Do livro Batismo de Fogo, de Andrzej Sapkowski.

Contudo, mesmo quando olhamos para títulos que se passam em algo mais próximo da nossa realidade, os criadores não parecem ter medo de utilizar tal recurso. Em Batman: Arkham Asylum e Batman: Arkham City é possível ver o Cavaleiro das Trevas lutando contra bandidos ou planando entre os prédios de Gotham enquanto uma lua imensa ilumina o céu.

Em ambos os jogos, fica claro que a direção artística tinha como objetivo proporcionar a melhor atmosfera possível e se para isso seria preciso exagerar no tamanho da Lua, por que não fazer?

Arkham Asylum e sua gigantesca lua

Teriam os artistas do Batman Arkahm Asylum errado a mão? (Crédito: Reprodução/Minigun201/Reddit)

Pois é esta pergunta que nos leva àquela que parece ser a melhor explicação para esses exageros, algo que os americanos gostam de classificar como “Rule of Cool”. De acordo com essa norma extraoficial da cultura popular, a liberdade criativa dada aos autores é o que nos permite acionar a Suspensão da Descrença, um mecanismo que existe para aceitarmos como verdadeiras as mais absurdas premissas de uma obra de ficção.

No caso das avantajadas luas que se espalharam pelos games, o que muitos diretores devem ter se perguntado ao decidir que elas teriam tanta relevância visual foi: “porque eu criaria uma lua do tamanho de uma moeda quando vista a distância de um braço, se posso fazer dela algo magnífico, algo digno de Artemis?”

E não pense que esse desapego a realidade nasceu com os videogames. Quando em 1902 Georges Méliès usou toda a sua criatividade para lançar um grupo de pessoas em sua Viagem à Lua, ele já invocava a tal regra. De um satélite com rosto até um foguete que era pouco menor do que o alvo que acertou, o objetivo do artista era apenas fazer algo que parecesse legal e se ele tinha esse direito, novamente, por que não fazer?

Oitenta anos depois foi a vez de Steven Spielberg repetir a dose, mas colocando um garoto para voar em sua bicicleta com uma enorme Lua ao fundo. O resultado foi uma das cenas mais emblemáticas da história do cinema e sempre que alguém fala sobre E.T.: O Extraterrestre, aquela brilhante tomada é uma das primeiras que me veem à mente.

No caso de Spielberg, ele ainda se escorou em algo conhecido como Ilusão da Lua, que é a impressão que temos de o satélite ser muito maior quando está perto do horizonte ou outros pontos de referências, como torres e prédios. No entanto, sabemos que a intenção do cineasta era causar um impacto nos espectadores e para a nossa sorte, ele teve a ideia de usar aquela enorme esfera branca como moldura.

E.T. e a lua mais famosa do cinema

Obrigado, Spielberg! (Crédito: Divulgação/Amblin Entertainment/Universal Pictures)

Voltando aos jogos, esteja a Lua presente neles apenas para iluminar o nosso caminho ou servindo como parte importante da narrativa, como no caso do The Legend of Zelda: Majora's Mask, é inegável o quanto os game designers parecem encantados com ela. Isso nos levou a momentos ainda mais impressionantes do que uma "simples grande Lua", como o vislumbre que temos da Terra enquanto estamos visitando seu satélite no Mass Effect ou no pequeno passeio que damos por lá ao usar nossa arma no final do Portal 2.

Para quem busca a maior imersão possível nos games, pode parecer estranho ter que passar horas e mais horas vendo uma Lua tão diferente da que temos no céu, principalmente em histórias que se passam no nosso planeta. Porém, enquanto essa liberdade for usada pelos criadores para nos proporcionar paisagens tão bonitas e impactantes, essa é uma suspensão da descrença com a qual estou disposto a conviver.

O curioso é pensar que toda essa atenção dada à Lua não costuma ser vista quando se trata do Sol — ou seria eu que ainda não consegui atentar para este detalhe? Na dúvida, prefiro ficar com as palavras de Roger Waters: “E tudo sob o Sol está em sintonia / Mas o Sol é eclipsado pela Lua.”

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