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Return to Monkey Island: sobre game design, medos e um garotinho

O desenvolvimento de jogos costuma estar cercado de problemas, mas com o Return to Monkey Island, Ron Gilbert e Dave Grossman estão apenas curtindo a viagem

2 anos atrás

Falar sobre o desenvolvimento de jogos muitas vezes se resume a apontar os perrengues enfrentados pelos profissionais da área, como as muitas e extenuantes horas de trabalho ou as mudanças forçadas no meio do caminho. Porém, hoje eu gostaria de abordar o tema de uma maneira um pouco diferente e para isso usarei como exemplo a criação do inesperado Return to Monkey Island.

Return to Monkey Island

Crédito: Divulgação/Terrible Toybox

Anunciado ao mundo no dia 1.º de abril de 2022, o sexto capítulo da aclamada série Monkey Island tinha tudo para não passar de uma piada de mal gosto. Além de ter sido revelado ao público numa data tão suspeita, o jogo contaria com a participação de Ron Gilbert e Dave Grossman, o que representava a maior parte do trio que criou a franquia, com o outro sendo Tim Schafer.

O que acendeu o alerta em muitos fãs foi o fato de Gilbert sempre ter se mostrado avesso as brincadeiras realizadas no “dia dos tolos”, mas também por o game designer ter dito diversas vezes que só trabalharia numa nova aventura dos piratas se fosse dono da propriedade intelectual. O problema é que a marca pertence a Lucasfilm, que por sua vez é comandada pela Disney, logo, ter o controle dela não seria fácil.

Por se tratar de uma empresa que não precisa do dinheiro oriundo da venda de uma franquia tão adorada por eles, ou pelo menos por parte dos funcionários da Lucasfilm, Gilbert passou a entender que o mais importante não era ter o controle sobre a marca, mas sim sobre a liberdade criativa. Segundo ele, sua intenção era criar o jogo que quisesse, sem alguém na sua orelha dizendo qual caminho deveria ou não seguir.

Durante algum tempo Gilbert amadureceu a ideia, até que numa daquelas coincidências do destino, num evento de games ele encontrou Nigel Lowrie. Durante a conversa, o funcionário da Devolver Digital disse conhecer John Drake, ninguém menos do que o responsável pela parte de licenciamento da Lucasfilm.

Ron Gilbert, Craig Derrick, Dave Grossman e Tim Schafer (Crédito: Reprodução/Craig Derrick)

Após se aproximar do executivo e debaterem a possibilidade de criar um jogo, o game designer decidiu ligar para Dave Grossman e este foi a Seattle para poderem pensar o projeto mais seriamente. Para ambos, existia um grande risco ao assumir algo deste porte, mas após eles levantarem algumas ideias, Gilbert se sentiu confiante de que poderiam criar algo que fizesse jus à franquia.

De acordo com Ron Gilbert, seu parceiro sempre pareceu mais empolgado do que ele em criar o Return to Monkey Island, algo que desde o início do desenvolvimento lhe serviu para acreditar que o projeto era viável. Isso, no entanto, não significa que Grossman estivesse tranquilo, já que ele teria apenas escondido seus medos e ansiedade como uma maneira de fazer com que o outro não se desviasse da diversão.

Com o anúncio do jogo feito, logo as pessoas começaram a se questionar se o título seria a realização de um desejo declarado por Gilbert em 2013. Naquela ocasião, ele afirmou que se fosse fazer outra aventura, ela seria uma espécie de Monkey Island 3, continuando aquilo que teria feito caso não tivesse deixado a Lucasfilm após a criação do LeChuck's Revenge. Porém, o game designer tratou de descartar essa possibilidade.

Na sua opinião, seria impossível eles fazerem o jogo que imaginou há tanto tempo, pois ambos são pessoas diferentes agora. Alk'me disso, com muitas das ideias que teve na época tendo sido aproveitadas em capítulos posteriores da série, não seria possível fazer com que o conceito que teve lá atrás parecesse atual. Mesmo assim, Gilbert definiu que o Return to Monkey Island começará logo após os eventos finais do segundo jogo, quando chegamos a um parque de diversões.

A bela arte de Rex Crowle (Crédito: Divulgação/Terrible Toybox)

Quanto ao desenvolvimento propriamente dito, Ron Gilbert garante que a equipe tem se entendido muito bem e que ficou estabelecido que eles não passarão pelo o que é conhecido na indústria como crunch. O objetivo é que as pessoas trabalhem por períodos de 40 horas semanais e mesmo com ele reconhecendo que alguns acabam extrapolando, a expectativa é de que não façam horas extras.

Curiosamente, tanto para Gilbert quanto para Grossman, o isolamento causado pela pandemia de COVID-19 não parece ter causado um grande impacto. A dupla vinha trabalhando remotamente muito antes da doença se espalhar pelo planeta e no caso do primeiro, o fato de não ter filhos evitou que tivesse que lidar com escola e coisas do tipo. Ainda assim, ele afirmou sentir saudade de sair do seu escritório e ter um pouco de conversa fiada com outras pessoas.

Já para Grossman a situação foi um pouco diferente. Pai de um garoto de sete anos e que só recententemente teve contato com o The Secret of Monkey Island, poder trabalhar em casa lhe permitiu acompanhar o crescimento da criança e estreitar laços com ela. Isso, no entanto, aumenta bastante a responsabilidade em relação ao projeto, já que num trabalho presencial, ele poderia ver o que está sendo feito em tempo real e caso uma correção precise ser feita, essa agilidade poderia poupar bastante tempo.

Ron, no entanto, reforçou que a parte mais difícil do desenvolvimento até agora tem sido lidar com toda a pressão que a franquia coloca sobre o projeto. Após construir uma base de fãs tão apaixonada durante décadas, ele teme não conseguir entregar uma aventura de piratas tão boa e tão sólida quanto os dois primeiros títulos.

Contudo, os desafios enfrentados durante o desenvolvimento de um jogo — e muitos ainda deverão surgir nos próximos meses — tendem a ser ofuscados pela reação positiva das pessoas. Agora imagine ela vindo de alguém que o profissional tanto ama, como quando Dave Grossman contou ao filho que estava trabalhando no Return to Monkey Island.

Aquilo não tem preço. Ele é um garotinho do ensino fundamental com uma boca grande; ele meio que nunca para de falar, então o sigilo era importante para isso se fôssemos fazer o plano do 1.º de abril funcionar. Então eu não lhe contei no que estava trabalhando por dois anos; foi assim desde que ele tinha cinco anos. E no dia em que o trailer saiu, eu o trouxe aqui [ao meu escritório] e lhe disse, ‘é nisso no que estou trabalhando’ e mostrei o trailer. E ele tinha várias perguntas, mas a mais engraçada, ele disse [fazendo uma careta], ‘VOCÊ fez isso?' E a maneira como ele disse foi tão incrédula, tipo, ‘não tem como você ter feito isso’. Eu não sabia como lidar com aquilo, mas mais tarde naquela noite, ele estava explicando o jogo para minha esposa, como se ela nunca tivesse ouvido nada sobre ele.

Fonte: Adventure Gamers

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