Ronaldo Gogoni 2 anos e meio atrás
A HP sabe muito bem que a substância mais valiosa da face da Terra é tinta de impressora. Hoje um litro da cor preta, tendo como base a quantidade presente em cartuchos tradicionais (4,5 ml), custa a inacreditável cifra de R$ 29 mil. O custo em refis de tanque de tinta é um pouco mais civilizado, em torno de R$ 1 mil/litro.
Não surpreende, portanto, que a HP use de meios maquiavélicos para amarrar seus consumidores à companhia, desde impedir o uso de cartuchos de terceiros (prática que todas as fabricantes tentaram implementar) a planos de consumo supostamente vantajosos.
Ainda assim, as práticas particulares da HP surpreendem pelo alto grau de malícia, sem paralelo entre as concorrentes. Vamos dar uma olhada em duas delas.
Hoje em dia, boa parte das impressoras para usuários finais funcionam online, permitindo ao usuário enviar documentos para impressão a distância, enquanto a fabricante pode despachar atualizações do firmware via OTA. E é aqui que reside o problema.
Assim como a Lexmark, Epson e outras empresas, a HP odeia clientes "espertinhos" que usam cartuchos de tinta de terceiros, ou que recondicionam os antigos. É interessante para a companhia que os clientes continuem comprando novos cartuchos, mesmo quando você sabe que há tinta e a impressora diz que não, ou você quer imprimir um documento em preto apenas e ela diz "pouca tinta magenta, não posso imprimir".
O lançamento das impressoras com tanques de tinta foi justamente uma tentativa de contornar esse problema, oferecendo uma forma mais amigável de recarga mas ainda sujeita a velhas práticas. O sistema de ajuste de impressão, por exemplo, é um tradicional comedor de tinta que, na prática, não faz praticamente nada relevante.
Mas voltemos aos modelos com cartuchos de tinta. Em março de 2016, a HP liberou uma controversa atualização para suas impressoras conectadas, que ao atualizar o firmware, instalava um contador programado para ativar um recurso em setembro do mesmo ano.
O recurso fez com que os equipamentos rejeitassem cartuchos de terceiros, apenas os dela própria passaram a ser aceitos. A atualização foi calculada minuciosamente para coincidir com o período de volta às aulas, onde pais e estudantes deram de cara com a limitação ao comprar novos suprimentos e materiais escolares.
Oficialmente a HP se refere ao update como uma "atualização de segurança", mas só se for para proteger a empresa dos seus consumidores. A "bomba-relógio" foi sob todos os aspectos um malware, programado para permanecer assintomático por meses, até ser ativado no momento oportuno.
Claro que a marmotagem pegou muito mal. A HP entrou em modo full-caveat emptor, dizendo que nunca prometeu ao consumidor que suas impressoras iriam funcionar sempre com cartuchos que não fossem fabricados por ela mesma, e que a "medida de segurança" foi tomada para evitar que "cartuchos maliciosos", que pudessem comprometer os equipamentos, pudessem ser instalados.
Como nada disso colou, a HP acabou liberando uma atualização que removeu o update malvado, apenas para fazer tudo de novo em 2017, 2018, 2019 e 2020, sempre sincronizando o disparo do malware com a volta às aulas.
Para evitar a prática, os usuários devem desabilitar as atualizações de firmware via OTA; quem é afetado precisa entrar no site da fabricante, baixar um firmware antigo livre do malware e instalá-lo manualmente, a fim de reverter a limitação.
O HP Instant Ink é um plano de conveniência disponível em alguns países (não no Brasil), que oferecia originalmente um serviço supostamente vantajoso: uma quantidade específica de páginas a serem impressas por mês, separados em vários planos, com a HP fornecendo a quantidade de tinta necessária no momento em que a troca fosse necessária.
Por exemplo: o plano mais barato, que custa US$ 2,99 por mês, prevê a impressão de 50 páginas mensais, enquanto o mais caro, de US$ 25/mês, prevê 700 páginas e uma troca mensal de cartuchos.
Caso seja preciso imprimir mais, o usuário paga US$ 1 extra para cada 15 páginas, ou 10 páginas no plano mais caro. Como a tinta é fornecida em comodato, caso o consumidor se recuse a pagar, a impressora simplesmente se recusa a funcionar.
É uma tática bem estranha, mas estava prevista no contrato inicial. Caso o usuário não consuma toda a sua cota de páginas em um mês, poderá transferí-las para o seguinte, até um certo limite, de acordo com o plano.
Eis a pegadinha: o plano de entrada, oferecido com novas impressoras elegíveis, dava direito a 15 páginas de graça por mês, com a HP fornecendo a tinta, como forma de incentivar o assinante a migrar para um plano mais robusto e pago.
Pois bem...
Em outubro, a HP se lembrou que trabalhar para pobre é pedir esmola para dois, e tomou a liberdade de mudar unilateralmente os planos do Instant Ink, conforme previsto no regulamento, encerrando assim a oferta de tinta grátis.
Todos os assinantes foram migrados para a nova categoria de entrada do serviço, que mantém as mesmas 15 páginas por mês e o fornecimento de tinta, mas ao custo de US$ 1 por mês. As notificações foram enviadas por e-mail, e a alteração entra em vigor a partir de 26 de dezembro de 2020.
Algo me diz que os consumidores da HP, que usavam o plano gratuito de impressão não devem estar muito felizes.
O motivo para a mudança é bem simples: a pandemia da COVID-19 forçou as pessoas a ficarem mais tempo em casa, e na impossibilidade de empresas, repartições e escolas imprimirem documentos com equipamentos corporativos (que possuem suas próprias regras), as pessoas estão dependendo mais das impressoras domésticas.
Assim, mais clientes consumindo tinta não é interessante para a HP, que decidiu encerrar a oferta e maximizar os ganhos com quem precisa imprimir. Claro que o usuário pode optar por não assinar ou cancelar o plano, voltando a ele mesmo comprar a tinta, mas no geral, membros dos planos Instant Ink são reféns: não são donos da tinta e não podem imprimir ao estourar a "franquia", a menos que paguem a mais.
Essa é mais uma prática da HP que vai para sua sacolinha de maus momentos, como quando instalou keyloggers e spywares em seus notebooks, ou quando sua ex-CEO Carly Fiorina demitiu 30 mil funcionários, fato esse lembrado quando ela tentou se candidatar a presidente dos Estados Unidos.
Fonte: EFF.org