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Impressoras, "tinta para escanear" e a defesa do indefensável

Tática de atrelar tinta a digitalização de documentos em impressoras multifuncionais é velha, e ainda rende processos para HP e cia.

30 semanas atrás

Impressoras multifuncionais nasceram com a proposta de ser um equipamento integrado que suporta impressão, digitalização, fotocópia e envio via fax (pergunte a seus pais) de documentos, fotos e outros, primeiro para o cliente corporativo e governamental, e posteriormente para o usuário final, quanto a tecnologia foi amortizada e ficou barata.

O grande, enorme, pantagruélico problema, é a fome de dinheiro das fabricantes de impressoras, que atrelaram o uso de todos os recursos das multifuncionais à disponibilidade da tinta, mesmo em funções onde ela não é usada, o que mais uma vez remete à frase que irritou alguns leitores do Meio Bit no passado: "ter uma impressora é ter um problema".

O meme da impressora babaca nunca vai morrer (Crédito: Reprodução/acervo internet)

O meme da impressora babaca nunca vai morrer (Crédito: Reprodução/acervo internet)

Pode parecer absurdo, mas as fabricantes insistem nessa tática até hoje, no que a HP (sempre ela) está atualmente enfrentando um processo nos Estados Unidos por propaganda enganosa, ao não esclarecer esse "pequeno" detalhe aos consumidores, que só descobrem a limitação estratégica das multifuncionais tarde demais.

Tinta de impressoras: mais caro que petróleo

Nós demonstramos várias vezes no Meio Bit que a tinta de impressora é um dos líquidos mais valiosos do mundo. Proporcionalmente, e considerando a quantidade presente em um cartucho padrão, 1 litro da cor preta sai por aproximadamente R$ 60 mil, enquanto o custo dos refis para modelos com tanque de tinta é mais civilizado, girando hoje em torno de R$ 800/litro. A título de comparação, um barril de petróleo vale hoje (cotação de 16/08/2023) R$ 423, mas tem capacidade de 42 galões americanos, ou 159,11 litros, o que dá ~R$ 2,66/l.

Apenas as bebidas alcoólicas mais caras do planeta, uma seleta lista que inclui o rum Legacy by Angostura (~R$ 250 mil/l), o conhaque Henri IV Grande Champagne (~R$ 10 milhões/l), e a Billionaire Vodka (~R$ 18,48 milhões/l), superam o custo proporcional da tinta de impressora fornecida em cartuchos, mas divago.

Fabricantes de impressoras como HP, Espon, Canon, Lexmark e outras, fazem de tudo para não apenas reter o consumidor para que este continue comprando seus cartuchos e refis, que é onde as empresas realmente fazem dinheiro, e sempre abominaram tentativas dos usuários contornarem meios para economizar, como a prática dos cartuchos recondicionados, ou os genéricos vendidos por terceiros, geralmente mais baratos.

A HP, por exemplo, adota desde 2016 a funesta prática da atualização OTA para suas impressoras e multifuncionais, sempre disparada na época da volta às aulas, para que os modelos deixem de reconhecer cartuchos de terceiros, e funcionem apenas com os oficiais, sejam novos (de preferência) ou recondicionados pela própria companhia (os que passaram por procedimentos na mão de outros também são rejeitados).

A Lexmark, por sua vez, tentou usar a lei de propriedade intelectual contra companhias de recondicionamento de cartuchos de tinta, dizendo que a prática violava suas patentes. No fim, a companhia foi derrotada na Justiça, que entendeu a recarga como um direito do consumidor.

De qualquer forma, os fabricantes apelam para diversas táticas que forçam o usuário a comprar tinta, que continua cara, desde entupimento e secagem por pouco uso, a processos aleatórios que gastam mais do que deviam; o custo para repor os cartuchos é tão alto em alguns casos, que chega a ser mais barato comprar uma impressora nova toda vez.

Foi assim que surgiram os modelos com tanque, quando os usuários começaram a apelar para gambiarras caseiras de modo a repor a tinta, gastando muito menos.

A verdade dói (Crédito: Reprodução/System32Comics) / impressoras

A verdade dói (Crédito: Reprodução/System32Comics)

Claro, tudo isso diz respeito à impressão de documentos. Quando pulamos para recursos presentes em multifuncionais que não envolvem o consumo de tinta, como digitalização e envio de fax, a coisa fica muito mais feia.

O scanner que (não) gasta tinta

Pare e pense: quanta tinta é necessária para escanear um documento, ou uma foto? Se você respondeu "nenhuma" acertou, mas HP e outras empresas ignoram desde sempre este detalhe. Ao invés disso, atrelaram o funcionamento pleno dos equipamentos à disponibilidade inegociável do valioso líquido.

Acabou? Sinto muito, mas sua impressora multifuncional se converterá em um enorme peso de papel, e nenhum recurso funcionará enquanto os cartuchos não forem trocados, ou os tanques reabastecidos. E é nenhum mesmo, incluindo o scanner, responsável pela digitalização, cópia e envio de fax, e que não usa uma gota de tinta para nada.

Esta é uma limitação intencional muito antiga; eu tenho uma Epson CX4700, comprada em 2006, que se comporta dessa exata forma (claro que ela está encostada há mais de uma década), e muito pouca coisa mudou de lá para cá. A HP, por exemplo, defende a prática com unhas e dentes, mesmo no tribunal.

Em meados de 2022, uma ação coletiva foi aberta contra a empresa de Palo Alto, em que ela usa de propaganda enganosa para vender suas impressoras multifuncionais. No processo, os reclamantes alegam que o bloqueio do scanner quando sem tinta, mesmo que ele não a use, é uma decisão de design intencional, e que o departamento de marketing da HP faz questão de não informar os seus consumidores disso.

A ação inclui uma menção de um técnico de suporte da companhia, que confirmou o bloqueio por design:

"(As impressoras multifuncionais da HP são) desenvolvidas de forma que, caso um cartucho de tinta esteja vazio ou ausente, todo o equipamento deixe de funcionar."

Os autos do processo afirmam que a presença de tinta não é um fator obrigatório para condicionar o funcionamento do scanner, mas a HP defende a prática e já tentou, sem sucesso, fazer com que a Corte do Distrito Norte da Califórnia (a mesma que cuida do caso Apple vs. Epic Games) dispense a ação.

Claro, a HP não é a única a fazer isso. A Canon age da mesma forma, assim como a Epson, mas esta afirma que modelos de 2008 em diante permitem o uso do scanner sem tinta, mas sempre há uma pegadinha: tais impressoras exigem que todos os cartuchos estejam instalados, mesmo vazios. Removeu, nada funciona.

Uma decisão favorável aos consumidores nos EUA poderá forçar todas as companhias a liberarem o scanner em multifuncionais para funcionarem sem tinta, o que deveria ser a norma desde o início, e assim, ao menos um recurso não dependerá de gastar muita grana toda vez que for preciso usar uma multifuncional.

Procurada, a HP não comentou o assunto.

Fonte: Ars Technica

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