Ronaldo Gogoni 10 semanas atrás
A novela Apple vs. Epic Games ganhou um novo, porém previsto, capítulo: a maçã entrou com um pedido de apelação na Suprema Corte dos Estados Unidos, para reverter decisão em instância menor que a proíbe de barrar aplicativos e jogos no iPhone de mencionarem a existência de outros meios de pagamento, que não a App Store.
O processo, aberto pela Epic em 2020 quando Fortnite foi chutado para fora da App Store, não acabou bem para nenhuma das partes, visto que a Apple não será obrigada a restaurar o game em sua lojinha.
A guerra judicial entre Apple e Epic Games, com Fortnite como pivô, se arrasta desde 2020 (Crédito: Ronaldo Gogoni/Meio Bit)
Tente não cair sem uma asa-delta nesta celeuma:
Em agosto de 2020, a Epic Games introduziu um novo método de venda dos V-Bucks, a moeda premium de Fortnite, nas versões móveis do game para iPhone, iPad, Apple TV e Android, que circulavam ambas soluções nativas de cobrança.
O update, considerado "clandestino" pela Justiça, permitia à Epic receber 100% de cada compra realizada pelos jogadores, sem que ela fosse obrigada por padrão a ceder os 30% obrigatórios, cobrados por Apple e Google.
Tão logo o patch se tornou público, o game foi banido de ambas as lojas por quebra de contratos, e também no Mac; na atualização de versão (nova temporada) seguinte, as versões para iOS, iPadOS, tvOS e macOS deixaram de funcionar. Hoje, Fortnite roda "apenas" no Windows, PS5/PS4, Xbox Series X|S/One, Nintendo Switch, e Android via instalação manual do APK, ou lojas alternativas.
Imediatamente após a descida do banhammer, a Epic entrou com processos contra Apple e Google, acusando a maçã de monopólio e a gigante das buscas de concorrência desleal, mas nos foquemos na briga envolvendo a primeira.
A Epic alegava que o design do Jardim Murado, defendido pela Apple, permite à maçã controlar todos os aspectos de desenvolvimento, distribuição e operação de apps e games em suas plataformas, o que prejudica a inovação.
Mais importante, a empresa acredita que não deve pagar nenhum centavo à Apple para distribuir suas soluções, e, não obstante, Fortnite deveria ter lugar cativo no iOS, e ser reinstaurado inteiramente. Basicamente, Tim Sweeney quer que o jogo more de favor para sempre no iPhone.
A Apple, por sua vez, defende a cobrança dos 30% como uma maneira de custear a manutenção de seus sistemas, e também pelo prestígio que seus dispositivos possuem.
Um app ou game estar disponível para usuários no iPhone, ou iPad é um privilégio, não um direito, e o Google age da mesma forma com o Android, embora permita sideloading (não curte, entretanto), algo que Cupertino abomina.
Para azar de ambas companhias, a juíza Yvonne Gonzalez Rogers, da Corte Distrital do Norte da Califórnia, responsável pelo caso, não engoliu as ladainhas de nenhum dos lados.
Corte da Califórnia autorizou a qualquer app do iPhone mencionar métodos de pagamento alternativos; Apple está desesperada para reverter decisão (Crédito: Ronaldo Gogoni/Meio Bit)
Contra a Apple, Rogers decidiu que a companhia não pode proibir desenvolvedores de avisarem seus usuários sobre outros métodos de pagamento, paralelos ao da App Store, que recolhe os 30% para a maçã, prática proibida por seus Termos de Serviço. Pior, o que valeria apenas para aplicações de leitura, foi estendido para TODOS os apps e games presentes na lojinha.
Resumindo, um dev não pode colocar um método de pagamento alternativo em seu app do iPhone, mas pode avisar o usuário de que ele pode comprar um item, um DLC, ou fazer uma assinatura, por outros meios. É o que o Spotify faz, quando desativou a opção de assinatura dentro do iOS, anos atrás.
A Apple ficou previsivelmente possessa, e tentou apelar da decisão, o que foi rejeitado pela corte.
As bordoadas recebidas pela Apple não significam que a Epic Games foi tratada melhor; na verdade, ela apanhou mais.
Primeiro, o pedido da Epic para reinstaurar Fortnite, citando que o ban da Apple causava "danos irreparáveis" à comunidade de jogadores, foi negado, por não conseguir provar isso, e por esta não aceitar a sugestão da corte, de que o retorno do game seria imposto se pagassem os 30% sobre o que arrecadaram com o "patch clandestino", enquanto ativo.
A Epic, claro, se recusou, no que a juíza Rogers respondeu na lata, dizendo que o ato "sugere que a desenvolvedora não está primariamente preocupada com o bem-estar dos jogadores de iOS". Ouch.
A companhia de Tim Sweeney tentou, por toda a condução do processo, posar como a coitadinha da história, mas a corte não comprou esse discurso, por diferenças entre o que era dito, e como a desenvolvedora agia.
Por exemplo, tão logo Fortnite foi banido do iOS e Android, a Epic subiu para o YouTube o curta Nineteen Eigthy-Fortnite, uma paródia do antológico comercial do Macintosh original dirigido por Ridley Scott, este baseado no livro 1984, de George Orwell.
Ao mesmo tempo, a empresa entrou com os pedidos de processo contra Apple e Google, que eram extensos e muito detalhados, o que caracterizou premeditação.
A Epic sabia que o "update clandestino" feria as regras de ambas as lojas, e se preparou para o inevitável banimento, ao lançar a campanha #FreeFortine, que incluiu uma skin limitada zoando Tim Cook, CEO da Apple, para cooptar o público para seu lado, enquanto cobria legalmente as suas bases.
Nada disso foi criado em questão de minutos, logo após os martelos da Apple e Google descerem na sua cabeça. A skin Tarty Tycoon (Magnata Amargo), por exemplo, foi entendida como bullying pré-planejado, minando ainda mais a credibilidade da Epic junto ao júri.
Do curta parodiando o comercial do Macintosh, ao processo de centenas de páginas que não foi escrito em minutos, a Epic sabia muito bem o que estava fazendo (Crédito: Reprodução/Epic Games)
A decisão final da corte é considerada uma vitória da Apple, que foi favorecida em 9 dos 10 argumentos apresentados, a exceção justamente a proibição sobre os avisos de pagamentos por fora da App Store.
Por outro lado, a maçã foi desobrigada a reinstaurar Fortnite em suas lojas digitais do iPhone/iPad, Apple TV e Mac, enquanto a Epic Games terá que pagar 30% sobre todas as transações no game, desde o banimento até a data do início do julgamento.
Nenhuma das partes ficou completamente feliz, mas é a Apple quem está escalando a briga. Nesta sexta-feira, a gigante entrou com um pedido de apelação (cuidado, PDF) na Suprema Corte, a instância jurídica máxima dos EUA, para que esta considere seu caso e reverta a única derrota que sofreu, para ser permitida a, novamente, proibir alertas de pagamentos por fora de sua lojinha.
O argumento da Apple é que a 9.ª Corte Distrital "foi longe demais" ao instituir uma injunção de alcance nacional, que impede a empresa de barrar os avisos em todos os 50 estados, algo que na sua opinião, compete apenas à Suprema Corte.
O arranca-rabo entre Apple e Epic Games teve consequências para outros que não as duas, sendo a mais prejudicada a Valve, que nem tinha nada a ver com a história.
Em fevereiro de 2021, a Apple entrou com um pedido de intimação na corte de San Francisco, exigindo que a empresa de Gabe Newell, que nunca distribuiu Fortnite, a revelar dados cruciais de operação do Steam, que domina o mercado de games em PC e é a concorrente natural da Epic Games Store.
A desculpa da maçã era de ser relevante entender a dimensão do mercado, e para isso, Cupertino queria que a Valve entregasse, de bandeja:
A Valve sabia de antemão que repassar tais informações seria o mesmo que dar as chaves do Reino nas mãos de Apple e Epic, e se recusou a fazê-lo, citando dificuldades técnicas. Porém, o pedido foi acatado pelo juiz Thomas Hixson, que ordenou a entrega dos dados.
A corte, entretanto, restringiu o alcance para valores a partir de 2017, visto que Fortnite saiu naquele ano e a Epic Games Store foi lançada em 2018, e "apenas" de 436 games disponíveis em ambas plataformas, para comparação. O problema, a maioria desses títulos são AAAs e indies de grande sucesso.
Como consequência (indireta ou não), a Apple voltou a investir pesado em games para Mac, ao oferecer um kit de conversão facilitado a desenvolvedores, que poderão converter jogos do Windows para o macOS em dois tempos, além de melhores ferramentas gerais, como o Metal 3.
Hideo Kojima, que anunciou a versão Director's Cut de Death Stranding para a Mac App Store, é o garoto-propaganda da iniciativa de Cupertino, que visa concorrer com Steam, Epic Games Store e outras lojas, com títulos de peso.
Outros pegos no rolo foram os usuários da Unreal Engine e outras ferramentas especializadas, que a Apple tentou banir do Mac e fazer seus usuários culparem a Epic Games, o que não deu certo.
Na ocasião, a juíza Rogers proibiu a medida, ao entender que banir o motor gráfico era uma retaliação não contra a Epic, mas contra os usuários e a indústria de games por pura birra, e uma estratégia para voltar a opinião pública contra a desenvolvedora, no que os mesmos poderiam, com sorte, adotar as soluções proprietárias da maçã.
É importante lembrar que todo esse rolo se deu por dinheiro. A Epic Games se acha no direito de distribuir Fortnite na App Store sem pagar nada, enquanto a Apple não pretende abrir mão de seus 30%, e fará de tudo para que o usuário médio de iPhone não saiba que pode comprar itens em apps e jogos por outros métodos, que não o seu.
E o discurso de "proteção ao consumidor" é só isso mesmo, discurso.
Ainda não se sabe se a Suprema Corte dos EUA acatará o pedido da Apple e avaliará o caso; há a possibilidade de que ela simplesmente o ignore e endosse a decisão da juíza Rogers, que com isso, passaria a ser a final, sem possibilidade de recurso, para ambas as partes.
Sendo assim, só nos resta aguardar os próximos capítulos.
Fonte: Reuters