Ronaldo Gogoni 2 anos atrás
A troca de tiros entre a Apple e a Epic Games acabou por acertar a Valve, que pode acabar se envolvendo no arranca-rabo sem ter a menor intenção disso. A gigante de Cupertino foi à justiça e num ato bizarro, intimou a companhia de Gabe Newell a revelar uma série de dados comerciais valiosos e altamente críticos, como forma de usá-los contra a desenvolvedora de Fortnite.
A Valve rejeitou o pedido, mas ainda há a possibilidade de que ela seja forçada judicialmente a repassar parte dos dados, ou todos eles, solicitados pela Apple, se o juiz considerar que o pedido é essencial para o andamento do caso envolvendo as duas brigonas.
Vamos entender a pendenga: quando a Epic Games instalou um método alternativo de cobrança em Fortnite, que driblava as lojas nativas da Apple e Google, o jogo foi banido de ambas lojas e desabilitado no iOS e Android, o que a desenvolvedora alega ser uma infração de acordos anteriormente estabelecidos.
Claro, ela própria quebrou regras de ambas lojas digitais para não ter que pagar a taxa de 30% para Apple e Google, e a ambas companhias estão brigando judicialmente, com a Epic defendendo que as gigantes, especialmente a Apple, usam de práticas anticompetitivas (o que é verdade) para dominarem o mercado.
Já discutimos aqui que o caso não vem sendo visto com bons olhos pela corte, especialmente por uma série de jogadas de João-sem-braço que a Epic Games usou, o que permite à Apple manobrar de certa forma para reverter o jogo a seu favor, mesmo com a empresa sendo escrutinada no Congresso dos EUA e na Comissão Europeia, por suas práticas comerciais.
Porém, a maçã usou uma carta muito estranha para fazer frente à Epic, que foi a intimação enviada à Valve para que ela se envolvesse no caso, enviada à corte de San Francisco, presidida pelo juiz Thomas Hixson, que vem cuidando do caso.
Segundo o argumento (cuidado, PDF) apresentado pela Apple, a Valve é a companhia que domina o mercado de games para computadores, e é a concorrente direta da Epic Games Store, loja de títulos digitais para desktop da Epic Games. Dessa forma, os dados que a empresa deve apresentar à corte dariam a dimensão do tamanho do mercado.
O grande, enorme e paquidérmico problema é que os tipos de dados solicitados pela Apple são altamente críticos, confidenciais e essenciais para a manutenção do negócio da Valve. Divididos em duas categorias, de documentos de movimentação financeira e acervo do Steam, eles seriam os seguintes:
Aqui cabe a velha sugestão de acompanhamento:
Segundo a Apple, a Valve deve fornecer essas informações à corte por elas "não estarem disponíveis em nenhum outro lugar" (thanks, Capitão Óbvio), e que elas são essenciais para provar que Fortnite pode ser distribuído fora do ecossistema do iOS, sem que isso cause danos notáveis à Epic Games, e de que ela pode usar "substitutos econômicos" para suprir suas necessidades.
Um deles, por exemplo, é a Samsung App Store, presente em celulares e tablets da marca, que continua distribuindo o Battle Royale. Ao calcular o tamanho do mercado que pode ser explorado pela ex-parceira, a maçã pretende justificar o ato de expulsão do jogo de sua lojinha, como consequência de quebra de contrato por tentativa de driblar o recolhimento da taxa de 30%.
Por fim, Cupertino defende que os dados da Valve "não aumentam o risco de qualquer dano competitivo", de forma a convencer o júri a obrigar a empresa a fornecê-los. Só que a Valve obviamente não pensa assim, e rejeitou o pedido de cara.
Para a companhia, tais informações são absolutamente críticas (o que é verdade), seria custoso reuni-los (a maçã não se ofereceu para cobrir tais custos), eles não são necessários para o andamento do processo, e além disso, ela não tem nada a ver com a rusga entre a Apple e a Epic, e não deseja ser envolvida na disputa entre as duas adversárias, até porque a companhia não distribui Fortnite ou qualquer outro título da Epic. Inclusive, ela perdeu Rocket League após a aquisição da Psyonix pela concorrente.
Indo além, atender à intimação seria o mesmo que entregar as chaves do reino na mão de Tim Cook, que poderia fazer com eles o que quisesse, inclusive reforçar seus próprios serviços e concorrer mais ferozmente com o Steam.
A Apple se baseia em processos anteriores contra o Google, onde intimou a Samsung a revelar informações sigilosas, argumento esse rebatido pela Valve, que afirma não concorrer no mercado mobile, embora dispute o de jogos para desktop com a Epic Games. O ponto é que a maçã não é uma competidora neste mercado, o que segundo a empresa de Gabe Newell, invalidaria a intimação.
O problema, no entanto, repousa nas mãos do juiz Hixson, que tem de fato o poder para acatar a sugestão da Apple e obrigar a Valve a revelar os dados à corte, o que pode prejudicar enormemente seus negócios.
É possível também que ele negue a requisição, ou chegue a um meio termo que satisfaça ambas as partes, mas de qualquer forma, a dona do Steam se defende, dizendo que sequer desenvolve jogos (isso até é verdade, dada a atual situação de suas franquias), e que atua como um mero distribuidor de software.
No mais, poderemos ver um desdobramento inesperado na briga entre Apple, Epic Games e talvez Valve (ou não) nas próximas semanas.
Fonte: Ars Technica