Ronaldo Gogoni 14/02/2024 às 8:39
O iMessage, o app de mensagens instantâneas exclusivo em dispositivos da Apple, foi o centro das atenções nos últimos dias, tanto nos Estados Unidos quanto na União Europeia.
Em casa, a maçã deve enfrentar uma investigação da FCC (Comissão Federal de Comunicações, órgão equivalente à Anatel), enquanto no Velho Mundo, o mensageiro não será obrigado a conversar com nenhum concorrente.
Vamos dar uma olhada nos últimos acontecimentos envolvendo o iMessage:
A Lei de Serviços Digitais (DMA) estabeleceu uma categoria a companhias, chamada gatekeeper, para as que ultrapassam o valor de 75 € bilhões (~R$ 397,62 bilhões, cotação de 14/02/2024) em capitalização de mercado, ou alcancem uma receita bruta anual superior a 7,6 € bilhões (~R$ 40,3 bilhões), e que forneçam pelo menos uma categoria de serviço de internet, podendo ser conexão, busca, streaming, armazenamento, etc.
Apple, Google, Meta, Amazon, Microsoft e ByteDance/TikTok, as 6 empresas enquadradas, devem seguir as seguintes normas, se quiserem operar nos 27 países-membros da UE:
Vamos nos ater à segunda cláusula, que discorre sobre os mensageiros instantâneos. Sob a DMA, ficam obrigados a conversarem entre si na Europa apenas apps do Meta, o WhatsApp e o Facebook Messenger, o que não representa problema algum para a companhia de Mark Zuckerberg. Porém, o Google defendia a inclusão do iMessage na lista, mesmo ele tendo ficado abaixo do threshold definido pela UE, de 45 milhões de usuários individuais por mês, e 10 mil corporativos por ano.
Motivo: o Google defende há anos a adoção do RCS, uma tecnologia de mensagens criada para suceder o SMS, como o protocolo padrão para comunicação instantânea, mas Cupertino, embora tenha cogitá-lo adotá-lo no passado, não o fez por não seria ela a ditar como ele seria implementado. Assim, a comunicação entre o iMessage e o Mensagens padrão do Android é depreciada de propósito.
A Apple sempre foi contra se submeter ao RCS, por três motivos: não querer se misturar à gentalha, às custas de enfraquecer seu Jardim murado (por mais absurdo que pareça, o iMessage justifica a compra de um iPhone para muita gente, e a maçã defende isso a sério), não desejar comprometer a criptografia das mensagens, e não estar ela no controle do protocolo, capitaneado pelo Google, que possui uma versão própria, a preferida pelas operadoras de telefonia.
A maçã pretende implementar o protocolo, mas não dentro de seu app carro-chefe.
Em uma comunicação entre dispositivos Apple, as mensagens são exibidas em balões azuis e suportam todos os protocolos modernos do app. Se a mensagem vier por RCS, o iPhone a exibe em balões verdes e maquiavelicamente a converte em um SMS, resultando em textos truncados, arquivos de mídia detonados para caber no formato MMS, e cobranças ao receptor.
Nos EUA, onde o iMessage domina o envio de mensagens instantâneas (WhatsApp quem?), os balões verdes são motivo de chacota entre usuários de iPhones (e já virou música, mais de uma vez), e muitos bloqueiam as mensagens de RCS/SMS em seus aparelhos sem dó. Na UE, o Google se uniu às operadoras locais Vodafone, Deutsche Telekom, Telefónica e Orange, para tentar convencer a União Europeia, esta favorável ao RCS como padrão para comunicações, que a Apple deveria ser forçada a implementar a interoperabilidade no iMessage, mesmo com este abaixo do limiar exigido.
Para azar de todos os envolvidos, a Comissão concluiu suas investigações e decidiu que a Apple não pode ser forçada a nada, porque, de novo, o iMessage não ultrapassou o limite de usuários, logo, não se enquadra como serviço gatekeeper; outros investigados como o navegador Edge, seu serviço agregado de anúncios, e o buscador Bing, todos da Microsoft, também foram liberados, ao serem considerados não-dominantes em seus respectivos setores, liderados pelo Google, no que o Chrome, o Search e o Google Ads foram todos enquadrados.
À gigante das buscas, resta continuar xingando muito no Talk G+ Allo Voice Buzz Hangouts Wave Duo Meet Chat RCS, mas suas reclamações continuarão chegando ao iMessage em balões verdes.
Se na Europa a Apple pode curtir uma pequena vitória, em casa a história é diferente. Em dezembro de 2023, uma startup chamada Beeper de Migicovsky, fundador da Pebble (aquela companhia de smartwatches com tela e-ink, comprada pela Fitbit em 2016), revelou ter feito engenharia reversa no iMessage, o que lhe permitiu desenvolver um aplicativo para Android, chamado Beeper Mini, que conversava com o mensageiro instantâneo e com todos os recursos de mídia habilitados, mediante plano de assinatura de US$ 2/mês.
A Apple, claro, não gostou nem um pouco, e bloqueou a comunicação entre os apps, no que a Beeper prontamente contornou e liberou. Iniciou-se então um jogo de rato e rato, com Cupertino chegando ao ponto de bloquear Macs de usuários, que por um tempo não puderam usar o iMessage em seus desktops.
No fim, a Beeper jogou a toalha e aceitou o bloqueio, dizendo que o esforço não valia a pena. O que ninguém esperava, entretanto, era a FCC se metendo da treta a favor do Beeper Mini.
Em uma postagem no X, o comissário Brendan Carr propôs que a agência investigue o bloqueio do Beeper Mini pela Apple, mesmo considerando de que a startup estava violando propriedade alheia, no que o app só roda e se comunica da melhor maneira possível com dispositivos da maçã.
Carr explica na mensagem, de forma um tanto curiosa, que seu argumento se baseia em recursos de acessibilidade e qualidade de comunicação entre aplicativos diferentes, no que, com base no código de regulações da FCC, a Apple não tinha o direito de bloquear o Beeper Mini. Mesmo que o iMessage possua uma série de ajustes para pessoas com deficiências (PCDs), isso só diz respeito a quem tem iPhones, iPads e Macs, e exclui, segundo o comissário, quem está no Android.
Estes ficam relegados às comunicações truncadas, limitadas e em baixa qualidade do SMS e MMS, ao invés do RCS, que suporta os recursos de mídia avançados do iMessage, mas de novo, a Apple não tem intenção de implementá-lo em seu app principal.
Não é esta a primeira vez que o tratamento da Apple em relação à Beeper chama a atenção do governo dos Estados Unidos. Em dezembro, uma junta bipartidária cobrou uma investigação do Departamento de Justiça (DoJ), por "práticas anticompetitivas"; antes disso, a senadora Elizabeth Warren (DEM/Massachusetts), que odeia as big techs, também se expressou contra o bloqueio do Beeper Mini, bem como os também senadores Amy Klobuchar (DEM/Minnesota) e Mike Lee (GOP/Utah), e os representantes Jerry Nadler (DEM/Nova Iorque) e Ken Buck (GOP/Colorado).
A bem da verdade, operadoras adorariam que o iMessage fosse forçado a reconhecer RCS, há muito provavelmente lobby envolvido na pressão exercida pela classe política, mas é fato que quando Steve Jobs lançou o iPhone, ele o fez comprando brigas com todo o mundo, a fim de não deixar ninguém tocar na distribuição de apps do smartphone, o que, em contrapartida, lhe permitiu estabelecer um mensageiro que só funciona da melhor forma em seus próprios produtos.
A menos que a Apple seja forçada judicialmente a implementar o RCS (o do Google, de preferência) no iMessage, quem está no Android vai ser obrigado a continuar se virando com o SMS; quem quiser uma experiência melhor, que compre um iPhone.
Fonte: Bloomberg, TechCrunch