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China desiste (por enquanto) de mais restrições em games online

Proposta que afetaria finanças de jogos online na China causou prejuízos bilionários; oficial do Partido Comunista foi exonerado

25/01/2024 às 11:00

O governo da China parece ter desistido de, ou ao menos repensado, seus planos a respeito de novas duras restrições contra jogos online no país, depois que seu anúncio causou pânico no setor, entre grandes e médias desenvolvedoras de games.

A Administração Nacional de Imprensa e Publicações (NPPA), o órgão regulador de mídia, imprensa e propaganda do país, removeu de seu site a página que continha o rascunho original das propostas apresentadas em dezembro de 2023, e pelo menos um oficial foi exonerado pela presepada.

Jogadores em cyber café em Pequim (Crédito: Wu Hao/EPA/Shutterstock)

Jogadores em cyber café em Pequim (Crédito: Wu Hao/EPA/Shutterstock)

Vamos recapitular: em agosto de 2021, o jornal estatal China Economic Information Daily publicou um artigo, em que classificou os games online como "ópio espiritual" e "drogas digitais", ao dizer que "nenhuma indústria ou esporte deve ser permitido se desenvolver de modo a ser capaz de destruir uma geração inteira".

A acusação se baseava no fato de que a população, em especial os mais jovens, estavam "perdendo tempo" jogando online, por várias horas do dia a fio, o que ia de encontro aos valores defendidos pelo Partido, em que os adultos têm que trabalhar em prol do Estado, e as crianças e jovens têm que estudar muito para se tornarem cidadãos produtivos no futuro.

A declaração se alinhava com o entendimento de Pequim, vindo diretamente do premiê Xi Jinping, que é também o secretário-geral do Partido, de que os grandes empresários de multinacionais, como Tencent, Alibaba e outras, estavam se "distanciando" do ideal comunista, buscando proveito próprio ao invés do coletivo. Ainda em 2021, o governo começou a descer a lenha em todo mundo, das gigantes ao público, no caso, quem estava fazendo muito dinheiro com streaming ao vivo.

Os games não escaparam, claro. Em 2020, a China impôs um sistema de checagem de ID online, aliado a regras que limitavam a jogatina a menores por 90 minutos/dia, e 3 horas nos fins de semana e feriados, sendo proibido o login entre 22:00 e 8:00 do dia seguinte; ao mesmo tempo, menores de 8 anos foram proibidos de jogar games com microtransações.

Em 2021, a lei foi endurecida, crianças e jovens foram limitados a apenas 3 horas de jogos online por semana, apenas nas sextas-feiras, sábados, domingos e feriados, e em uma janela de tempo fixa, das 20:00 às 21:00. No ano seguinte, estúdios e desenvolvedores foram obrigados a implementar tetos de gastos em games, e fazer por onde para coibir conteúdos e discussões subversivas em seus games e apps de redes sociais.

Porém, o governo chinês ainda considerava essas regras "brandas demais", e sinalizou que novas restrições estavam a caminho, estas as apresentadas em 22 de dezembro de 2023. Desta vez, os alvos foram os modelos de negócios de jogos online, onde seriam banidas práticas como os bônus de login diário, e recompensas extras na compra de moedas premium, para incentivar o jogador a logar todos os dias e gastar mais. As lojas de leilão de itens digitais em games também seriam proibidas.

No entanto, a maior paulada seria a proibição de acesso por menores a games com loot boxes e mecânicas de gacha, no que crianças e adolescentes respondem por boa parte do público de títulos como Honor of Kings (o game líder em receita global, média de US$ 200 milhões/mês), Genshin Impact, Free Fire e Game for Peace, a versão local de PUBG Mobile, entre outros.

Itens, cosméticos, armas e personagens extras colocados atrás de roletas em gacha games, ou dentro das caixinhas com recompensas aleatórias em títulos com loot boxes, teriam que ser oferecidos para aquisição direta, com dinheiro real, caso o jogador optasse por não contar com a sorte. Não obstante, games que saíssem do ar teriam que devolver o equivalente em dinheiro por moedas premium não gastas, até o momento do encerramento dos serviços (End of Service, ou EoS).

Gesnhin Impact está entre os games online mais lucrativos da China; caso as mudanças na lei fossem aplicadas, chineses menores de idade não poderiam mais jogá-lo (Crédito: Divulgação/Hoyoverse)

Gesnhin Impact está entre os games online mais lucrativos da China; caso as mudanças na lei fossem aplicadas, chineses menores de idade não poderiam mais jogá-lo (Crédito: Divulgação/Hoyoverse)

Uma mudança que afetaria a receita de virtualmente todos os estúdios de games na China teria consequências para todo o mercado global; as gigantes locais Tencent Games e NetEase, por exemplo, perderam aproximadamente US$ 80 bilhões em valor de mercado, tão logo as propostas foram anunciadas.

Estas poderiam, por exemplo, reduzir o investimento em estúdios que controlam, são donos ou detêm participação acionária, como Activision Blizzard, Ubisoft, Epic Games, Riot Games, Krafton, Supercell, Quantic Dream e Grasshoppeer Manufacture, entre outras; de fato, a desenvolvedora de League of Legends e Valorant, da qual a Tencent detém 100% das ações, anunciou demissões em massa e fechou o estúdio Riot Forge (se relacionado, não se sabe).

A NPPA pretendia abrir uma consulta pública, sobre a proposta de novas restrições a games online em janeiro de 2024, mas as consequências do anúncio original, que transformaram bilhões de dólares em ações de gigantes locais em pó, teria tirado o governo de Pequim do sério; por mais que Xi Jinping deseje exercer controle sobre as grandes companhias, e forçar o realinhamento com os valores do Partido Comunista a todo mundo, sem exceções, uma perda colossal de dinheiro como a que ocorreu não seria ignorada. E não foi.

Cinco dias depois da proposta ser apresentada, a NPPA retrocedeu, ao anunciar que as mudanças seriam "melhor estudadas". Em 2 de janeiro de 2024, um oficial do órgão foi exonerado, este o líder do departamento de Publicidade; subentende-se que ele seria o responsável direto pela elaboração, ou divulgação, das novas regras.

Mais recentemente, a página da NPPA que trazia as novas limitações propostas foi removida, e passou a retornar erro 404. As ações da Tencent e NetEase, que vinham se recuperando conforme o governo demonstrava dar alguns passos para trás, voltaram a subir com o novo desdobramento na história.

Página da NPPA com as regras proposta... sumiu (Crédito: Reprodução/NPPA)

Página da NPPA com as regras proposta... sumiu (Crédito: Reprodução/NPPA)

Emnora pareça que a China vá deixar os games online da maneira que se encontram no momento, para Ivan Su, analista sênior da companhia de análise financeira e investimentos Morningstar, é provável que o governo de Pequim esteja esperando a poeira baixar, para apresentar um novo e melhorado conjunto de restrições a games online, que atenda os desejos do Partido sem prejudicar (muito) a entrada de capital.

Para Su, o momento agora é de incerteza, pois não dá para prever se a China vai tentar de novo descer a foice e o martelo nos games "daqui a uma semana, alguns meses, ou alguns anos", mas é quase certo que novas propostas virão, pois as restrições vigentes, mesmo que pareçam duras, ainda "pegam leve demais", segundo o governo chinês.

Fonte: BBC

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