Ronaldo Gogoni 2 anos atrás
A China segue com seus planos de controle e restrição pesada a conteúdos gerados por usuários na internet. O mais recente ato do governo mira nos streamers e influenciadores digitais, na forma de uma lista com diretrizes sobre o que pode, o que não pode, e o que deve ser transmitido aos espectadores.
As regras restringem tópicos como saúde, medicina, direito, economia e outros, que só podem ser abordados por influenciadores "qualificados", enquanto outros temas, como ostentação de artigos e uma vida de luxo, estão completamente banidos. E claro, não pode criticar o governo.
O chamado "Código de Conduta" para transmissões ao vivo na internet foi publicado pela Administração Nacional de Rádio e Televisão (NRTA) e pelo Ministério da Cultura e Turismo da China, na última quarta-feira (22). O extenso documento (em chinês) consiste em 18 artigos e 31 temas classificados como impróprios para streaming, seja por criadores individuais, ou por retransmissão por operadoras locais. Canais que usam sistemas de IA para divulgar notícias também estão sujeitos à Lei.
De cara, as novas diretrizes estabelecem que criadores de conteúdo deverão possuir "qualificações profissionais equivalentes" para abordarem em suas transmissões assuntos como Medicina e Saúde, Finanças, Direito e Educação, sem elaborar esta parte. Entende-se que Pequim restringirá tais tópicos apenas para indivíduos graduados e atuantes nos referidos campos: apenas médicos poderão falar sobre Medicina, economistas sobre Finanças, advogados, promotores e juízes sobre Direito, e por aí vai.
Não obstante, o streamer deverá submeter suas credenciais ao governo da China para provar que ele é qualificado para falar de tal assunto, e as operadoras de internet ficam igualmente obrigadas a checar se os criadores de conteúdo e influenciadores digitais que usam seus serviços atuam conforme a nova diretriz.
Embora esta diretriz tenha chamado bastante atenção da mídia ocidental, ela é uma das mais leves do conjunto. De forma resumida, o Código de Conduta para streamers é um pacote para impor os valores do Partido Comunista da China, no que todos os envolvidos, personalidades, equipes e operadoras, serão a partir de agora obrigados a seguir a cartilha.
De cara, as diretrizes forçam as operadoras a manterem, e disponibilizarem ao governo, o registro completo de todos os influenciadores e streamers aos quais prestam serviços, de modo a combater o anonimato na internet. Os usuários também se colocam à disposição de uma "supervisão social" pelos órgãos competentes, e devem cumprir a Constituição, "preservar interesses nacionais e públicos", e cumprir com responsabilidades sociais definidas por Pequim.
O Artigo 4 é um dos mais duros: o streamer é obrigado a cumprir e defender o alinhamento político nacional, orientações de opinião pública, e "valores de orientação", seguindo o que a sociedade entende como a forma correta de agir e também sobre sua aparência.
Esta é uma referência velada ao banimento dos "homens afeminados" da mídia em geral, no que emissoras, jornais, revistas e games são obrigados a retratar o sexo masculino como o idealizado pelo socialismo, másculo e viril.
A partir de agora, influenciadores homens não poderão mais se parecer com membros do BTS.
O Artigo 4 também define que o criador é obrigado a "praticar ativamente os valores fundamentais do socialismo, defender a moralidade social, agir com ética profissional e cultivar a moralidade pessoal". Em suma, não basta apenas não pisar fora da faixa, criadores devem ser membros ativos e militantes, como o Partido exige de cada cidadão chinês.
O conteúdo abordado também deverá ser alinhado "com os novos tempos" da China, voltado ao povo (leia-se utilidade pública) e refletir/divulgar os valores culturais e econômicos do país. Ao mesmo tempo, os streamers deverão exibir comportamentos de uma vida regrada (conforme o Partido) e livre de excessos de qualquer tipo.
Isso posto, a lista de assuntos proibidos é bem extensa. Entre os 31 tópicos banidos, destacam-se:
O combate à glamourização da riqueza, em especial, é um dos trends entre streamers e influenciadores populares que o governo chinês está mais focado em aniquilar. Criadores ricos entraram na mira de Pequim no último ano, em uma série de processos s investigações movidas, em teoria, para investigar sonegação de impostos e evasão de divisas.
Extraoficialmente, para minar o discurso dissidente do Partido, e promover o que a cartilha diz, a igualdade entre todos os cidadãos.
Esse ataque coordenado tem seus motivos. O mercado de streaming é um dos mais lucrativos da China, e em 2021 já movimentava ¥2 trilhões (aproximadamente R$ 1,57 trilhão, cotação de 27/06/2022). Boa parte do público está obcecada em fazer dinheiro na internet com transmissões, e muitos dos que faturam horrores o fazem vendendo produtos, que nem sempre possuem boa qualidade.
Em tese, o combate do governo aos super streamers visa proteger os cidadãos, para que estes não gastem seu dinheiro com produtos supérfluos e de baixa qualidade. Ao mesmo tempo, ele aplica as mesmas regras que o Partido impôs às grandes companhias de tecnologia, também ao público; a ideia é manter todo mundo alinhado à ideologia estatal, a visão do socialismo chinês imposta pelo premiê Xi a todos. Quem se destacar, será martelado.
A streamer Huang Wei, também conhecida como Viya, já foi a influenciadora digital mais conhecida (e rica) da China, o suficiente para atrair a atenção de gente como Kim Kardashian. Em suas transmissões pela plataforma local Weibo, ela vendia produtos diversos e chegou a somar um montante de vendas de ¥353 milhões (~R$ 276,6 milhões) em apenas um dia, durante o "Dia dos Solteiros" (11 de novembro) de 2018.
Em junho de 2021, o departamento da Receita da província de Hangzhou multou Viya em assombrosos ¥1,3 bilhão (~R$ 1,02 bilhão), um recorde do país, por evasão. Ela não foi processada, uma condição atrelada ao pagamento integral da multa. Depois disso a influenciadora sumiu, desapareceu, escafedeu-se da vida pública.
Em novembro do mesmo ano, Zhu Chenhui e Lin Shanshan, outras duas influenciadoras populares, também foram multadas em alguns milhões de yuans, e ambas igualmente sumiram da internet depois disso.
No mais, o "Código de Conduta" para streamers é só o capítulo mais recente nos esforços da China em controlar com firmeza a internet e a criação de conteúdo online no país, e ninguém, desde a maior companhia de tecnologia ao streamer de fim de semana, conseguirá fugir do longo braço da Lei.
Fonte: South China Morning Post