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Amazon fez US$ 1 bilhão com algoritmo que inflava preços

Algoritmo "Projeto Nessie" estimulou concorrentes da Amazon a aumentarem seus preços, na esperança de venderem mais

28 semanas atrás

A Amazon está sendo processada nos Estados Unidos pela FTC (Federal Trade Commission, ou Comissão Federal de Comércio), o órgão governamental equivalente ao CADE no Brasil, sob a acusação de que a companhia de Jeff Bezos opera um monopólio ilegal no setor de comércio eletrônico. A maioria dos autos são confidenciais, mas o The Wall Street Journal teve acesso a uma parte citando um algoritmo secreto, criado para inflar preços de concorrentes.

Chamado "Projeto Nessie", o algoritmo estimulou o encarecimento de diversos produtos, ao forçar competidores a praticarem os mesmos valores da Amazon, enquanto a gigante das compras embolsou aproximadamente US$ 1 bilhão enquanto o algoritmo esteve ativo.

Centro de logística da Amazon na França (Crédito: Pascal Rossignol/Reuters)

Centro de logística da Amazon na França (Crédito: Pascal Rossignol/Reuters)

O "Projeto Nessie", descontinuado em 2019, atuava monitorando a precificação de produtos comercializados pela Amazon em sites e redes online de competidores, e entrava em ação ao identificar uma ocorrência em que sua oferta era similar, ou mais barata, que a concorrência. Ele serviu um experimento em que a companhia observava até que ponto poderia esticar a corda, encarecendo seus próprios preços, sem que a procura caísse, e as vendas se mantivessem estáveis.

A verdadeira razão de ser do "Projeto Nessie", dessa forma, era de garantir a hegemonia da Amazon na venda de bens de consumo em seu próprio site, mitigando ações de competidores visando descontos e promoções. O algoritmo era programado para que a elevação dos preços fosse sutil e não afetasse as vendas, e assim, a concorrência teria a falsa impressão de que reduzir preços não criaria um impacto real nas vendas, apenas reduziria as margens de lucro.

Isso levou a uma "cartelização" involuntária dos preços, em que todos os rivais da Amazon aumentavam o tíquete médio de seus produtos, colocando-os à par com os praticados pela lojinha de Bezos, que se destacava graças as diversas vantagens do plano Amazon Prime, como entrega no mesmo dia e frete grátis, além de assinaturas adicionais dos serviços Prime Video, Music Prime, e Prime Gaming.

Nos autos, a FTC alega que o plano da Amazon com o "Projeto Nessie" demonstrou aos rivais, de forma enganosa, que "preços baixos não implicam em mais vendas — o oposto do que deveria acontecer em um mercado regulado", e que a cartelização (todos praticando o mesmo preço) seria a melhor opção, quando ela só beneficiaria a própria Amazon, devido às vantagens acima citadas.

A Amazon desligou o algoritmo em 2019, mas não antes dele render aproximadamente US$ 1 bilhão aos cofres da gigante, em uma jogada que prejudicou concorrentes e o público, que deixou de ter acesso à competição por preços mais atraentes.

A Amazon, claro, não curtiu. Em nota, ela diz que o Projeto Nessie foi usado para impedir que os preços por ela praticados "fossem baixos demais", ao ponto de serem insustentáveis, que ele foi desligado "por não funcionar como planejado", e que as alegações da FTC "descaracterizam grosseiramente" o objetivo da ferramenta.

David Zapolsky, SVP de Políticas Públicas e conselheiro-geral da Amazon, publicou no blog da gigante uma resposta à agência, acusando-a de "não entender como o varejo funciona", que o algoritmo foi projetado para "igualar os preços" da Amazon aos de competidores.

O problema é que, caso o "Projeto Nessie" identificasse que um concorrente estava vendendo um produto mais caro, e aumentasse a oferta do seu lado, sem impactar nas vendas, o competidor invariavelmente reagiria aumentando também os seus preços, buscando os mesmos resultados.

A Amazon está encarando o processo movido pela FTC como um Ato de Vingança da diretora Lina Khan, notória desafeto das big techs norte-americanas, desde os tempos de faculdade de Direito. Quando ela foi alçada ao comando da agência pelo presidente Joe Biden, uma moção das gigantes de tecnologia tentou impedir sua posse, sem sucesso.

Amazon, Microsoft, Broadcom... todos foram alvos da ira de Lina Khan (Crédito: Paramount Pictures/Kevin Wurm/Reuters/Ronaldo Gogoni/Meio Bit)

Amazon, Microsoft, Broadcom... todos foram alvos da ira de Lina Khan (Crédito: Paramount Pictures/Kevin Wurm/Reuters/Ronaldo Gogoni/Meio Bit)

Mais recentemente, Khan encampou um esforço para impedir a compra da Activision Blizzard pela Microsoft, uma negociação que quase todos os órgãos reguladores do mundo já aprovaram (a CMA britânica, a única que barrou o acordo de fato, deve dar a resposta final até o dia 18 de outubro de 2023, graças à Microsoft ter vendido os direitos sobre os games da Activision para a Ubisoft, por 15 anos), mas que sua agência ainda tenta barrar, embora seus argumentos não tenham sido sólidos.

Outros alvos recentes foram a compra da ARM pela Nvidia, que foi para o beleléu devido nenhum regulador ter se disposto a aprová-la, e a Broadcom, também acusada de manter um monopólio na produção e fornecimento de chips para soluções de infraestrutura, redes, e produtos para o público final como TVs e computadores de placa única (SBCs), no que o Raspberry Pi é o mais popular.

Na sua postagem, Zapolsky diz que a FTC "entendeu tudo ao contrário" sobre como a competição funciona, e que caso a agência vença o processo, a companhia será forçada e deixar de praticar vários processos mantidos hoje, e seria forçada a "destacar" os preços baixos que pratica, "uma consequência perversa" e anti-competitiva, que prejudicaria a concorrência. No seu entendimento, uma vitrine de promoções na loja mais procurada da internet só serviria para derrubar as vendas das demais.

A FTC, por outro lado, diz que a Amazon entende a importância de manter a ideia de que pratica os preços mais baixos, mas, ao mesmo tempo, o "Projeto Nessie" foi desenvolvido "especificamente para dissuadir competidores a praticarem valores mais baixos" que os seus.

A agência afirma que as práticas anti-competitivas da Amazon impactaram as vendas, os negócios de competidores, e prejudicaram o usuário final por anos, enquanto os cofres da gigante continuavam se enchendo de grana; especialistas e defensores do livre mercado entendem que não é preciso o governo regular o mercado de mão pesada, mas é necessário haver diretrizes para evitar que companhias poderosas abusem do poder que possuem, prejudicando todos ao redor, consumidor incluso, em prol do lucro a todo custo.

Fonte: The Wall Street Journal

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