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IA: diretora da FTC propõe regulação nos EUA

Lina Khan, diretora da FTC, defende regulação de IA para impedir que gigantes de tecnologia dos EUA se tornem ainda mais poderosas

45 semanas atrás

Era inevitável. A evolução exponencial da IA generativa, como GPT-4, Stable Diffusion e outras, pegou a classe política global de calças curtas, que agora correm para regular o mercado em todos os cantos. A União Europeia foi a primeira a propor uma Lei de Inteligência Artificial, que deve seguir os parâmetros da GDPR e das Leis de Serviços e Mercados Digitais.

Sob suas regras, toda IA oferece riscos por design, e quem não implementar limites será multado pesadamente; a Lei também obriga empresas a revelarem os dados usados no treinamento de seus sistemas, o que pode levar a um aumento no número de processos por infrações de direitos autorais (sim, foi intencional). Por outro lado, ela prevê seu uso por órgãos de segurança pública e o governo, o que levou várias ONGs a considerá-la como um mecanismo de vigilantismo estatal.

ChatGPT rodando no Safari (Crédito: Ronaldo Gogoni/Meio Bit)

ChatGPT rodando no Safari (Crédito: Ronaldo Gogoni/Meio Bit)

No Reino Unido, a legislação proposta vai de encontro à mais restrita da UE, que propõe o fomento do mercado local, com mais flexibilidade e menos punições. O pacote de regras da UE, por sua vez, mal considera o uso comercial das IAs, mesmo por empresas locais, o que poderia impedir seu uso por companhias europeias, e a implementação de ferramentas das gigantes externas, o alvo preferencial dos reguladores.

O Brasil, para variar, seguiu o formato europeu. Em 2021, o PL 21/2020 foi aprovado na Câmara dos Deputados, mas não avançou desde então. O projeto foi duramente criticado por não ser submetido à consulta pública, e nos últimos anos, recebeu emendas para adequá-lo às mais recentes implementações de usos de IAs, se alinhando novamente com a Lei proposta na UE. Por exemplo, há também a classificação de níveis de risco dos softwares, a definição de que não há uso 100% benéfico, e o uso previsto por órgãos de segurança pública, novamente levantando a preocupação do vigilantismo de Estado.

Mais recentemente, foi proposta uma nova Lei que prevê a criação de (finja surpresa) um órgão regulador federal, encarregado de supervisionar as IAs em uso no Brasil, regulando fortemente seu uso por companhias nacionais e externas, exigindo registro de todas as soluções junto ao governo.

Faltavam os Estados Unidos, o que considerando a atual diretora da FTC (Comissão Federal do Comércio), a jurista Lina Khan, um dos maiores desafetos das gigantes do Vale do Silício, desde a época da Faculdade de Direito, não iria demorar muito mais a propor a regulação de IAs, mirando preferencialmente nas big techs. Pois o momento chegou.

Em uma carta aberta publicada nesta quarta-feira (3) no The New York Times, a diretora da FTC argumentou não pela criação de novas leis para a regulação de Inteligências Artificiais no território norte-americano (e além dele), mas usar a legislação já em vigor para frear seu uso pelas gigantes tech, especialmente as "Big 4" (Google, Apple, Meta e Amazon), que se aproveitaram da evolução da web 2.0, que trouxe as IAs avançadas, para consolidarem seu domínio em todas as frentes do mercado, que custou aos americanos sua privacidade online.

A ideia de Khan em usar as leis vigentes é simples, não há a necessidade de apresentar nada a plenário para votação, e como já estão em vigor, basta apenas orientar os órgãos federais e seus agentes a aplicarem a legislação, de modo que considerem os textos originais como aplicáveis para casos de uso com IAs, algo que juristas, como a própria Khan, podem identificar.

Na carta, Khan não prevê um cenário em que IAs e sistemas especialistas fiquem sem regulação, mas, ao mesmo tempo, não busca forçar regras que restrinjam a competição e o livre mercado, a exemplo do que deve ser implementado na UE e no Brasil; assim, sua visão de regulação se aproxima da legislação britânica.

Para Lina Khan, diretora da FTC, IAs não podem ser deixadas sem regulação em nenhuma hipótese (Crédito: Graeme Jennings/AP) / IA

Para Lina Khan, diretora da FTC, IAs não podem ser deixadas sem regulação em nenhuma hipótese (Crédito: Graeme Jennings/AP)

"Conforme tais tecnologias evoluem, estamos comprometidos em defender a longa tradição da América, que é a manutenção de mercados abertos, justos e competitivos, que sustentem tanto inovações tecnológicas quanto o sucesso econômico de nossa nação — com tolerarância zero a modelos de negócios ou práticas abusivas que envolvam a exploração em massa de seus usuários."

Embora o movimento de Khan e da FTC em regular IAs tenha como motivador o avanço de IAs generativas, como ChatGPT e cia, sua proposta não se limita a elas. Todas as soluções que envolvam tomadas de decisão baseado em algoritmos, ou automação em geral, devem passar pelo crivo das autoridades, no que o foco da agência se concentrará em 4 pontos, em que parte dos tópicos foram reunidos na Modelo de Carta de Direitos para IAs proposta pelo presidente Joe Biden, em outubro de 2022:

  • Garantir a competição justa: Impedir abusos de poder por parte de grandes companhias, para explorar sua dominância no setor e usar táticas como conluio, pressão ou aquisição, para frear técnicas ou soluções inovadoras propostas por competidores menores;
  • Fortalecer mecanismos de proteção ao consumidor: Aumentar o combate a golpes que podem se valer de IA para se tornarem mais eficientes, como phishing, Deepfake (que está prestes a se tornar um crime global), clonagem de voz e aparência para usos escusos, etc.;
  • Promover a privacidade de dados: Sistemas e IAs serão constantemente monitorados, para que as companhias cumpram as leis vigentes sobre privacidade e coleta de dados, sem que o usuário autorize;
  • Combater práticas discriminatórias: Casos como o da United Health, que priorizava o atendimento a pacientes brancos, devido décadas de dados contaminados em relação à comunidade negra dos EUA (por viverem em condições sócio-financeiras piores, eram classificados como maus pagadores e jogados para o fim da fila), não podem acontecer de maneira alguma. IAs não podem reproduzir, perpetuar, ou amplificar preconceitos humanos (algo que o papa Francisco também apontou), em sistemas de tomada de decisão para acesso a serviços básicos, recrutamento, moradia, etc.

Embora as propostas de Biden ainda não tenham força de lei, a FTC tem jurisdição para aplicar tais entendimentos às já vigentes, e usá-las para processar e multar as empresas que não se adequarem.

Para Lina Khan, os Estados Unidos têm o potencial de liderar a corrida do uso da tecnologia de IA generativa para o mercado global, desde que as companhias responsáveis sigam a legislação e não as usem para abusar de seu poder e exercer ainda mais controle, algo que a agência fazendo de tudo para controlar.

OSenado também não anda muito contente com as "Big 4", e propôs recentemente partir Google e Meta ao meio, a fim de tornar seus negócios de anúncios em empresas separadas.

Fonte: The New York Times

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