Ronaldo Gogoni 04/05/2023 às 10:17
Era inevitável. A evolução exponencial da IA generativa, como GPT-4, Stable Diffusion e outras, pegou a classe política global de calças curtas, que agora correm para regular o mercado em todos os cantos. A União Europeia foi a primeira a propor uma Lei de Inteligência Artificial, que deve seguir os parâmetros da GDPR e das Leis de Serviços e Mercados Digitais.
Sob suas regras, toda IA oferece riscos por design, e quem não implementar limites será multado pesadamente; a Lei também obriga empresas a revelarem os dados usados no treinamento de seus sistemas, o que pode levar a um aumento no número de processos por infrações de direitos autorais (sim, foi intencional). Por outro lado, ela prevê seu uso por órgãos de segurança pública e o governo, o que levou várias ONGs a considerá-la como um mecanismo de vigilantismo estatal.
No Reino Unido, a legislação proposta vai de encontro à mais restrita da UE, que propõe o fomento do mercado local, com mais flexibilidade e menos punições. O pacote de regras da UE, por sua vez, mal considera o uso comercial das IAs, mesmo por empresas locais, o que poderia impedir seu uso por companhias europeias, e a implementação de ferramentas das gigantes externas, o alvo preferencial dos reguladores.
O Brasil, para variar, seguiu o formato europeu. Em 2021, o PL 21/2020 foi aprovado na Câmara dos Deputados, mas não avançou desde então. O projeto foi duramente criticado por não ser submetido à consulta pública, e nos últimos anos, recebeu emendas para adequá-lo às mais recentes implementações de usos de IAs, se alinhando novamente com a Lei proposta na UE. Por exemplo, há também a classificação de níveis de risco dos softwares, a definição de que não há uso 100% benéfico, e o uso previsto por órgãos de segurança pública, novamente levantando a preocupação do vigilantismo de Estado.
Mais recentemente, foi proposta uma nova Lei que prevê a criação de (finja surpresa) um órgão regulador federal, encarregado de supervisionar as IAs em uso no Brasil, regulando fortemente seu uso por companhias nacionais e externas, exigindo registro de todas as soluções junto ao governo.
Faltavam os Estados Unidos, o que considerando a atual diretora da FTC (Comissão Federal do Comércio), a jurista Lina Khan, um dos maiores desafetos das gigantes do Vale do Silício, desde a época da Faculdade de Direito, não iria demorar muito mais a propor a regulação de IAs, mirando preferencialmente nas big techs. Pois o momento chegou.
Em uma carta aberta publicada nesta quarta-feira (3) no The New York Times, a diretora da FTC argumentou não pela criação de novas leis para a regulação de Inteligências Artificiais no território norte-americano (e além dele), mas usar a legislação já em vigor para frear seu uso pelas gigantes tech, especialmente as "Big 4" (Google, Apple, Meta e Amazon), que se aproveitaram da evolução da web 2.0, que trouxe as IAs avançadas, para consolidarem seu domínio em todas as frentes do mercado, que custou aos americanos sua privacidade online.
A ideia de Khan em usar as leis vigentes é simples, não há a necessidade de apresentar nada a plenário para votação, e como já estão em vigor, basta apenas orientar os órgãos federais e seus agentes a aplicarem a legislação, de modo que considerem os textos originais como aplicáveis para casos de uso com IAs, algo que juristas, como a própria Khan, podem identificar.
Na carta, Khan não prevê um cenário em que IAs e sistemas especialistas fiquem sem regulação, mas, ao mesmo tempo, não busca forçar regras que restrinjam a competição e o livre mercado, a exemplo do que deve ser implementado na UE e no Brasil; assim, sua visão de regulação se aproxima da legislação britânica.
Para Lina Khan, diretora da FTC, IAs não podem ser deixadas sem regulação em nenhuma hipótese (Crédito: Graeme Jennings/AP)
"Conforme tais tecnologias evoluem, estamos comprometidos em defender a longa tradição da América, que é a manutenção de mercados abertos, justos e competitivos, que sustentem tanto inovações tecnológicas quanto o sucesso econômico de nossa nação — com tolerarância zero a modelos de negócios ou práticas abusivas que envolvam a exploração em massa de seus usuários."
Embora o movimento de Khan e da FTC em regular IAs tenha como motivador o avanço de IAs generativas, como ChatGPT e cia, sua proposta não se limita a elas. Todas as soluções que envolvam tomadas de decisão baseado em algoritmos, ou automação em geral, devem passar pelo crivo das autoridades, no que o foco da agência se concentrará em 4 pontos, em que parte dos tópicos foram reunidos na Modelo de Carta de Direitos para IAs proposta pelo presidente Joe Biden, em outubro de 2022:
Embora as propostas de Biden ainda não tenham força de lei, a FTC tem jurisdição para aplicar tais entendimentos às já vigentes, e usá-las para processar e multar as empresas que não se adequarem.
Para Lina Khan, os Estados Unidos têm o potencial de liderar a corrida do uso da tecnologia de IA generativa para o mercado global, desde que as companhias responsáveis sigam a legislação e não as usem para abusar de seu poder e exercer ainda mais controle, algo que a agência fazendo de tudo para controlar.
OSenado também não anda muito contente com as "Big 4", e propôs recentemente partir Google e Meta ao meio, a fim de tornar seus negócios de anúncios em empresas separadas.
Fonte: The New York Times