Carlos Cardoso 13/03/2024 às 14:59
Um simples bip não faz mal a ninguém, certo? Não exatamente. Alarmes hospitalares nos EUA estão relacionados com pelo menos 566 mortes, entre 2005 e 2010, e o problema só piora.
Interface cérebro-máquina controla próteses sem esforço
Interface é o que tem afastado um público maior dos RTSs
O bip em si não é o problema, o problema é uma área extremamente negligenciada por empresas de tecnologia de setores especializados: Interfaces e Experiência de Usuário. A culpa inicial é dos programadores. Sim, meus colegas escovadores de bits odiamos perder tempo com frufrus e fofoletizações como interfaces.
Se dá para resolver com linha de comando, perfeito. Se exigirem, a gente taca uma API safada e o povo do frontend que se vire. Em último caso, fazemos uma interface bem safada minimamente funcional.
Isso é errado. Interfaces são fundamentais para transferir informação, e quanto feitas direito, são verdadeiras obras de arte. Veja esta cena do A Ameaça Fantasma, quando a sabotagem de Sebulba danifica o pod de Anakin Skywalker. Todo o processo de diagnóstico e resolução do problema (inclusive com um painel de farol alto de Fiat Uno – sério, pode checar) é feito sem uma palavra, sem um texto na tela (exceto se você sabe ler Aurebesh, seu nerd!).
E sim, interfaces vão muito além de computadores. Quase tudo com que interagimos no dia-a-dia tem uma interface, da sua AirFryer a seu ventilador. Algumas vezes as interfaces são criminosamente ruins, chegando ao ponto da comédia, como em 30 Rock, quando Jack apresenta o novo produto da GE, um misto de Scanner de fotos e Triturador de Papéis (Photo Scanner e Paper Shredder, no original).
Ou, a mais hilária e real ainda situação causada por este painel:
Menos engraçado é o paper Improving auditory alarms: Reducing perceived annoyance with musical timbre (a randomized trial), que fez várias constatações desconcertantes.
O problema não é uma máquina fazendo BIP ou Ping no hospital. O problema é que tudo faz Bip, Ping, Bzzz e outros barulhos irritantes. Durante um turno normal, um profissional de saúde é exposto a mais de 1000 alarmes, o que faz com que eles sejam sumariamente ignorados, voluntariamente ou não.
Para piorar, em uma UTI, somente 15% dos alarmes têm relevância clínica. Os profissionais, irritados ou condicionados a ignorar os alarmes, acabam prejudicando pacientes.
No estudo do paper citado, 42 voluntários foram testados, com alarmes no estilo bip tradicional, e alarmes mais modernos, com tons de xilofones e marimbas. Os testes incluíram a percepção se o alarme era irritante ou não, e se era mais fácil de identificar em meio à cacofonia típica de um ambiente hospitalar.
Em 88% das vezes os alarmes modernos foram considerados mais eficientes e agradáveis, tons musicais são muito menos irritantes que *BZZZZZZZZZZZZT*, mas, na prática, dificilmente algo irá mudar.
O principal motivo: Dinheiro. Certificar equipamentos hospitalares custa uma fortuna e leva anos. A maioria dos equipamentos nem tem hardware capaz de emitir sons complexos, usam buzzers que custam centavos e fazem bips, nada mais que bips:
Redesenhar equipamentos que não são mexidos às vezes por décadas é caro demais. Se essas lições forem aplicadas, vão chegar no mercado daqui a uns 10 anos pelo menos. E as lições são simples: Menos alarmes desnecessários, alarmes mais distintos e agradáveis, e alarmes contextuais.
Você não precisa de um bip quando está avançado em uma interface com um botão físico e um indicador visual. Você não precisa fazer TODOS os equipamentos com relógios apitarem a cada hora cheia.
Principalmente, as interfaces devem ser simplificadas, não há necessidade de painéis como os instrumentos de aviões dos Anos 60, como deliciosamente demonstrado por Ted Stryker:
Na prática, as empresas vão seguir o hype do momento, dizer que estão desenvolvendo equipamentos com IA para gerenciar os alarmes, e justificar verbas de desenvolvimento (e custos finais) 4 vezes maiores que o normal.