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Assistimos Flash – Um digno início de um Multiverso que nunca será

Flash é um bom filme que chegou tarde demais para salvar um multiverso condenado. Deve ser assistido? Leia e descubra.

37 semanas atrás

Flash tinha tudo para ser a renascença da DC nos cinemas, mas diversos fatores contribuíram para que o filme fracassasse nas bilheterias. Nenhum desses fatores tem a ver com a história.

Barry Allen correndo pra fazer mais caca (Crédito: Divulgação/DC Studios/Warner Bros. Pictures)

ALERTA: SPOILERS MEDIANOS

Vamos então a uma resenha (quase) sem spoilers do filme em que Barry Allen faz caquinha em dobro.

O filme do Flash em sua encarnação atual vem sendo planejado desde 2014. Ezra Miller apareceu como o personagem em duas pontas, em Batman vs Superman e Esquadrão Suicida, ambos de 2016, mas só foi introduzido (epa!) formalmente em Liga da Justiça, em 2017.

Curiosamente o personagem só foi chamado de Flash agora, no filme de 2023,  mas a honra desse batismo ocorreu bem antes, em 2019, no episódio de Arrow no CW, durante o excelente arco Crise nas Infinitas Terras, quando o Barry Allen do cinema encontra o da TV:

Flashpoint

Flash, o filme, é baseado no excelente arco Flashpoint, publicado em 2011.

Nele Barry Allen decide voltar no tempo e salvar sua mãe, morta em circunstâncias misteriosas, o que levou seu pai a ser condenado injustamente pelo crime. Quando retorna ao futuro, Barry encontra a mãe viva, mas perdeu seus poderes.

Ele alterou o passado e desencadeou uma série de outras mudanças. Ninguém conhece o Superman, Batman é Thomas Wayne; Bruce morreu durante o assalto na saída do cinema, e Martha (MARTHA!!!!) enlouqueceu e se tornou o Coringa. Ah sim, Atlântida e as amazonas estão em guerra e a humanidade apanha dos dois lados.

Flashpoint, e as histórias derivadas são ótimas! (Crédito: Reprodução/DC Comics/Warner Bros.)

Flashpoint foi adaptada em várias mídias, de TV a animação. Desta vez o roteiro varia bastante da história original, mas de forma bem positiva.

Flashpoint em Flash

O filme começa com uma sensacional e exagerada sequência de ação, com o Batman do Ben Affleck perseguindo gangsters, ajudado pela Mulher-Maravilha, enquanto Flash protege um hospital desabando, com cenas dignas de quadrinhos, incluindo bebês caindo pelas janelas.

É uma forma bem explícita de deixar claro que não é um filme típico da DC, dark e depressivo. Flash é um filme que coloca bebê em microondas, mas no bom sentido.

Depois de seu pai ter mais um recurso negado e permanecer na cadeia, Barry fica deprimido e acaba tendo a idéia besta de voltar ao passado e tentar salvar a mãe. Bruce diz que é uma ideia idiota, mas o destino de Barry Allen é fazer caquinha.

Matando a saudade do morcegoso (Crédito: Divulgação/DC Studios/Warner Bros. Pictures)

Ele volta ao dia em que a mãe morreu, altera sutilmente o que aconteceu, fazendo com que o pai não saia de casa e Nora Allen não seja morta. Quando Barry corre de volta para o futuro, toma um soco de um velocista misterioso e cai da cronosfera, aparecendo na casa dos pais quando ainda tinha 18 anos.

Depois de momentos bem emotivos (Ezra Miller é um degenerado, mas um senhor ator), Barry percebe Barry voltando da faculdade. Ele sequestra a si mesmo pro próprio quarto, e tenta explicar para o abobado que era com 18 anos tudo que aconteceu.

Barry descobre que aquele dia é o dia em que ele, estagiário do CSI sofre o acidente com um raio que cai em uma prateleira de produtos químicos e lhe dá seus superpoderes. Ele corre para o laboratório com o Outro Barry, e tenta recriar o acidente, mas algo dá errado e Barry perde seus poderes, ao mesmo tempo em que o Outro Barry os ganha.

Barrychello descobre que o Outro Barry divide apartamento com um grupo de hippies que na linha temporal original eram seus colegas de trabalho, mas profissionais bem-sucedidos.

Ele também descobre um monte de alterações, nessa linha temporal Marty McFly havia sido interpretado por Eric Stoltz, e Maverick, por Kevin Bacon.

"I'm Batman!" (Crédito: Divulgação/DC Studios/Warner Bros. Pictures)

Também não havia Superman nem Mulher-Maravilha. Era um mundo sem super-heróis, mas Batman existia. Assim como... Zod.

Por algum motivo a invasão kryptoniana estava acontecendo anos antes do esperado, e Barry vai pedir ajuda de seu único superamigo que ainda existia: o cruzado embuçado. Só que a mansão Wayne quase abandonada não era o que ele esperava, nem encontrar um velho eremita meio trololó das idéias: Batman não era mais necessário, Gotham era uma cidade das mais pacíficas e seguras. Bruce Wayne perdeu sua razão de existir, e Michael Keaton volta brilhantemente ao papel.

Depois de se negar a ajudar a encontrar onde o Superman está sendo mantido prisioneiro pelo governo, Batman muda de ideia, e temos uma sequência de fuga de prisão excelente, exceto que quando chegam na cela, não encontra Kal-El, mas sua prima, Kara Zor-El, em uma interpretação estoica de Sasha Calle.

Ela é totalmente diferente do estilo namoradinha da América da Supergirl de Melissa Benoist, e encaixa perfeitamente no clima da história.

Uma boa surpresa (Crédito: Divulgação/DC Studios/Warner Bros. Pictures)

Kara é salva, mas decide enfrentar Zod sozinho. Não dá certo e ela some. Barry, desesperado, projeta um equipamento para captar a energia de um raio e tentar recuperar seus poderes. Assim como nos quadrinhos ele quase morre, mas consegue. Agora são dois Flashes, Batman e Supergirl (claro que ela voltaria) para enfrentar Zod.

Durante a batalha, eles decidem que a única forma de vencer é voltar alguns minutos no tempo e corrigir seus erros. Eles tentam, cometem novos erros, tentam de novo, e depois de inúmeros loops temporais, Barry percebe que alguns acontecimentos são inevitáveis, mas o Outro Barry insiste.

Esse monte de viagens danificou o tecido do espaço-tempo, rasgos estão se abrindo e vemos diversos universos, onde personagens icônicos da DC observam o multiverso colidir.

Essa cena em particular foi uma declaração de amor aos quadrinhos, TV, cinema de super-heróis. Universos totalmente incompatíveis, mas que nós, fãs, amamos. Ganhamos até momentos de universos que nunca chegaram a existir, mas que os verdadeiros fãs gritarão feito garotinhas apontando para a tela. Kevin Smith com certeza o fez.

Se um Flash já faz caca, imagine dois (Crédito: Divulgação/DC Studios/Warner Bros. Pictures)

Barry percebe que aquele mundo está condenado, e que ele precisa voltar ao passado e desfazer a caca. Ele o faz, e em uma cena de partir o coração, se despede da mãe, mas Barry Allen é Barry Allen. Ele precisa fazer caca, então uma pequena alteração, para criar um álibi para o pai, não deve alterar nada, certo?

Ele volta ao seu presente, o pai é inocentado, e todos vivem felizes para sempre, até ele receber uma ligação de Bruce, que chega em sua Mercedes, sai do carro e, bem, não é Ben Affleck.

O Elefante Velocista na Sala

Algumas pessoas conseguem separar autor de obra, mas a maioria não tem essa habilidade. Ezra Miller tem colaborado bastante para essas pessoas estão acompanhando as bobagens que eles tem feito -haha peguei vocês. Desculpe, Ezra, não estou nem aí pros seus pronomes- As pessoas estão acompanhando as bobagens que aquele traste tem feito, e não são poucas.

A capivara é extensa, Ezra quer gabaritar o Código Penal (Crédito: HPD)

Ele apareceu em vídeo esganando uma mulher, foi preso várias vezes no Havaí, tem um relacionamento muito esquisito com uma adolescente de 18 anos que ele conheceu com 12, uma história de que mantinha uma família em cárcere privado e até uma acusação de invasão de domicílio e roubo.

Ele não participou da divulgação do filme, que chegou a ter seu cancelamento cogitado. Sua reputação manchou profundamente a produção, muita gente boicotou abertamente o filme por causa de Ezra Miller. A Marvel só não riu mais, porque está enfrentando os mesmos problemas com Jonathan Majors, com múltiplas acusações de abuso, o que vai provavelmente por um fim à sua carreira como Kang, o Conquistador que não sabe ouvir não.

Flash não é saudosista

Buscar referências do passado é uma técnica bem comum em cinema preguiçoso, e em primeira vista Flash parece fazer isso, mas o grande ponto do passado, o Batman de Michael Keaton é um Batman totalmente novo.

É um Batman que passou por muita História, é um Batman com novos bat-brinquedos e que não fala do passado. A cena com os personagens antigos também não funciona como saudosismo, e sim como uma homenagem.

A parte mais estranha

Barry Allen é um mala, isso é um fato. Ele é extremamente irritante. Merecia uma flechada do Hawkeye, mas o Barry de 18 anos é MUITO pior, é o Barry colocado no 11, e o próprio Barry percebe isso.

No filme ele é obrigado a controlar seu eu jovem, e talvez pela primeira vez na História, Barry Allen é o adulto na sala. Ele precisa refletir, explicar a situação e com isso ele cresce como pessoa e personagem.

Você vai odiar o Teen Flash, ele é o bode na sala (Crédito: Divulgação/DC Studios/Warner Bros. Pictures)

Flash é um raro filme de super-herói com desenvolvimento de personagem, e conseguir enfiar isso no meio dessa correria toda, é um feito.

A parte que não funciona

Incrivelmente não é o humor, é a Supergirl.

Não entenda errado, a atriz é ótima no papel, e a personagem é muito boa, ela apenas não tem função, e quando você pode remover um personagem e a história continua funcionando, é um mau sinal.

Uma pena, essa Kara é legal (Crédito: Divulgação/DC Studios/Warner Bros. Pictures)

Kara poderia ser apagada e com um mínimo de alterações, tudo funcionaria. DOIS Flashes são OP o suficiente para dar cabo de um bando de kryptonianos.

A crítica que não funciona

Algumas pessoas estão reclamando que multiversos fazem as histórias perderem sua força, que se há infinitas versões dos personagens, a morte deixa de fazer sentido, é só buscar uma cópia de outro universo e pronto.

Isso é uma bobagem. Tem uns 80 anos que ninguém fora o Tio Ben morre em quadrinhos e não volta, nem por isso as histórias perderam sua força. Esse tipo de imortalidade faz parte do meio. Forçar uma continuidade radical só serve para limitar os roteiros e histórias.

Elseworlds é uma linha da DC só com histórias alternativas à cronologia oficial. Em geral excelentes (Crédito: Reprodução/DC Comics/Warner Bros.)

De resto, também não perderia a força a gente saber que James Bond nunca vai morrer no 1.º ato?

Flash é down?

Boa pergunta. Flash trata de perda, trauma, de família e da inevitabilidade do Destino, e das consequências de tentar alterá-lo. Tenho certeza que cineastas suecos fariam a festa com isso, mas Flash não é depressivo. Nós sentimos a dor de Barry Allen, mas também vemos que ele não fica choramingando.

Barry Allen é muito mais otimista do que tem o direito de ser, e nisso Flash retrata fielmente a versão mais popular do herói, que sempre foi o coração da Liga da Justiça, a inocência e esperança de todos, mesmo Batman, embora ele nunca admita.

O filme consegue mostrar esse Flash, mostrar as terríveis consequências de suas ações, sem trivializar o fim do mundo.

Aonde Flash foi injusto

Nos primórdios do cinema surgiu uma rivalidade com o povo do teatro. Cinema nem era considerado arte, no máximo uma curiosidade tecnológica, e ninguém sério chegaria perto daquilo. Nós vimos isso acontecer com as produções web, somente gente iniciante aceitava participar de programas para YouTube. Foi preciso a Netflix botar o bilau na mesa, com algumas centenas de milhões de dólares, e produzir conteúdo com nomes de peso.

A televisão teve o mesmo caminho, até hoje ela é tratada como uma mídia menor, um Emmy nunca terá o mesmo prestígio que um Oscar, e o preconceito entre os atores ainda é forte. A ciumeira também atinge produtores, por isso Kevin Feige fez de tudo para não reconhecer a existência de Agentes da S.H.I.E.L.D. no MCU.

Arrowverso manteve vivo o Universo DC (Crédito: Divulgação/Berlanti Productions/Warner Bros.)

Na verdade nenhuma série da Marvel foi sequer mencionada, até a aparição de Matt Murdock no filme do cabeça-de-teia.

O canal CW, com seu Arrowverso bem mais diversificado e bem-sucedido que a Marvel, também foi totalmente ignorado pelo cinema da DC, o que é injusto. Oliver Quinn andou para que o Pacificador pudesse correr.

Flash é guarda-chuva para peixe

Flash deveria abrir o multiverso para a DC, com infinitas possibilidades de histórias, múltiplas versões dos personagens, várias franquias, sem a necessidade de uma continuidade rígida e uma linha temporal única.

Esses universos interligados poderiam render sagas gloriosas, combinando personagens de realidades distantes, ou pequenos e intimistas filmes ou minisséries, mas a Realidade real falou mais alto.

A baixa performance dos filmes da DC estava afetando até filmes legitimamente divertidos, como Shazam e O Esquadrão Suicida, a inconsistência entre os títulos também não ajudava, e “stunt casting” como botar o cara de Crepúsculo para ser o Batman também não ajudou.

Chegaram ao ponto de chutar o pau da barraca e cancelar o filme da Batgirl depois de praticamente pronto, entubando o prejuízo.

Flash foi finalizado no meio disso tudo, e da compra da Warner Bros. pela Discovery.

Uma das primeiras decisões foi trazer James Gunn, que havia feito o divertido O Esquadrão Suicida e o ótimo Pacificador para ser o bam-bam-bam da DC Studios. Gunn passou o facão e detonou tudo, cancelando filmes e séries, como Stargirl.

Flash é família (Crédito: Divulgação/DC Studios/Warner Bros. Pictures)

Gunn tem uma visão criativa completamente diferente para o DCU, Henry Cavill não será mais o Superman, Ben Affleck não é mais o Batman, e a Gal Gadot está andando com um alvo nas costas.

Todo o multiverso proposto em Flash perdeu o sentido, agora que vão começar do zero e com toda a capivara de Ezra Miller, é o momento perfeito para defenestrá-lo para sempre do Universo DC.

Flash inaugurou um restaurante fechado, Flash é um filme cuja razão de existir não existe mais. É um guarda-chuva, uma excelente invenção, mas sendo vendida para peixes.

A Rejeição

Flash está com 88% de aprovação no Rotten Tomatoes. Capitão América: O Primeiro Vingador, que é um filme universalmente bem-recebido, tem 75% de aprovação. O povo não está deixando de ir porque o filme é ruim, a rejeição é fruto do cansaço explicado anteriormente.

Conclusão:

Flash é um raro filme da DC que assume ser uma história de gente que veste a cueca por cima da calça, ele é exagerado, quadrinesco e não se envergonha disso. O filme não quer ser Cidadão Kane, mas também não quer ser um fanfilm de YouTube. Flash é quadrinhos, mas de qualidade. Flash tem alma, é uma boa história que já foi contada várias vezes, e como toda boa história, merece ser recontada.

Dito isso, se você não assistir, não perderá nada, pois o futuro da DC no cinema está se afastando desse filme na velocidade da luz.

Cotação:

4/5  Grant Gustin, o Flash Injustiçado.

Trailer:

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