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ESA não colaborará com a Rússia no futuro, diz diretor

Diretor da ESA diz que relações no espaço com a Rússia não serão reatadas, mesmo após o fim da guerra na Ucrânia

1 ano e meio atrás

A ESA (Agência Espacial Europeia) não tem planos para voltar a colaborar com a Rússia, independente do fim da operação de invasão à Ucrânia. Segundo o diretor-geral Josef Aschbacher, não há clima entre os países-membros da União Europeia para reatar relações com os representantes russos e retomar pesquisas e lançamentos referentes ao espaço, mesmo a médio e longo prazo.

O distanciamento da ESA e da Rússia trará efeitos colaterais, o mais imediato sendo uma reaproximação com a NASA, até para viabilizar futuros lançamentos; a plataforma Ariane, embora funcione, não é suficiente, e sem o sistema Soyuz, não há muito o que fazer.

Segundo Josef Aschbacher, a Agência Espacial Europeia não voltará a colaborar com "um parceiro que atropelou os valores europeus" (Crédito: Divulgação/ESA)

Segundo Josef Aschbacher, a Agência Espacial Europeia não voltará a colaborar com "um parceiro que atropelou os valores europeus" (Crédito: Divulgação/ESA)

O pesquisador austríaco radicado em Paris Josef Aschbacher assumiu a diretoria-geral da ESA em março de 2021, e 11 meses depois, teve que lidar com o pepino da Rússia invadindo a Ucrânia. Originalmente, ele defendia um plano para catapultar os trabalhos da ESA, das agências europeias nacionais, e de companhias locais, para que o bloco não ficasse atrás da NASA e se empresas norte-americanas, em especial a SpaceX. É desejo da União Europeia tornar o continente autossuficiente na exploração espacial, mas como sempre, a Realidade não colabora.

Embora disponham de empresas como a Arianespace, responsável pelos foguetes Ariane 6 e Vega-C, este uma joint com a ESA e a Agência Espacial Italiana (ASI), muitos dos projetos de lançamento europeus dependiam do sistema Soyuz, sem falar em projetos conjuntos de pesquisa e mapeamento, como o observatório espacial Spektr-RG, uma empreitada conjunta da Roscosmos  e Instituto Max Planck, da Alemanha.

Um dos mais ambiciosos projetos era a missão ExoMars, que visa mandar o primeiro rover europeu ao planeta vermelho. Originalmente, ele disporia de um sistema de amartissagem (sim, o termo é esse mesmo) russo.

O programa, lançado originalmente em 2016, conta hoje com a sonda orbital Trace Gas Orbiter (TGO), que estuda a composição da atmosfera de Marte, e o módulo estático Schiaparelli, que serviu para demonstrar as técnicas de pouso russas e europeias, mas também consegue conduzir alguns experimentos.

O rover seria a terceira fase da missão, originalmente planejado para ser lançado em 2020, mas atrasos empurraram a missão para as datas mais recentes, entre 2022 e 2023; claro,  isso foi antes do camarada Vladimir Putin tirar o tabuleiro de War do armário.

Representação artística da missão ExoMars. Da esq. para a dir.: sonda orbital Trace Gas Orbiter (TGO), módulo Schaparelli, e rover (Crédito: Divulgação/ESA)

Representação artística da missão ExoMars. Da esq. para a dir.: sonda orbital Trace Gas Orbiter (TGO), módulo Schaparelli, e rover (Crédito: Divulgação/ESA)

Tão logo a Ucrânia foi invadida, Aschbacher tomou a decisão mais lógica possível do ponto de vista dos europeus, interromper todos os trabalhos e projetos conjuntos entre a Rússia e UE no que tange ao espaço, o que foi respondido por Moscou na mesma moeda. De cara, funcionários da Roscosmos alocados na Guiana Francesa foram chamados de volta para casa, e largaram tudo.

O maior revés, no entanto, foi o que envolveu a OneWeb. A startup já havia agendado, e pago à Rússia, pelo lançamento de 36 satélites de órbita baixa, para comunicação de internet, visto que a companhia é uma concorrente direta da SpaceX. Porém, faltando 3 dias, a Roscosmos cancelou o contrato, e exigiu que o Reino Unido, parceiro comercial da OneWeb, removesse sua participação da companhia, o que poderia inclusive levar a OneWeb à falência.

Como isso não aconteceu, os russos embolsaram a grana e os equipamentos, que continuam estocados no Cosmódromo de Baikonur; a OneWeb se viu obrigada a depender da rival SpaceX, o que deve ter rendido gargalhadas a Elon Musk pela grana extra. Em julho de 2022, a companhia anunciou uma fusão com a francesa Eutelsat, e em setembro, anotou um prejuízo de US$ 229 milhões, graças ao calote dos russos.

O caso do Spektr-RG é um pouco mais complicado. O Telescópio eROSITA, operado pelos alemães, está desligado desde o início do conflito na Ucrânia, mas a Roscosmos, através do seu então diretor Dmitry Rogozin, expressou a intenção de reativá-lo sem consultar o Instituto Max Planck, caracterizando roubo do equipamento. Ou pirataria espacial, se preferir.

Embora a situação da ESA não esteja boa, visto que muitos dos programas e projetos da agência dependiam dos russos, em diversas frentes, Aschbacher afirmou, em entrevista ao site Ars Technica, que os valores do bloco vêm antes até mesmo de promover o avanço na pesquisa científica e espacial, algo ao que a NASA ainda se agarra, e que recentemente lhe rendeu um papelão e tanto.

Observatório espacial Spektr-RG; o telescópio alemão eROSITA é o maior, e a haste inferior, o russo ART-XC (Crédito: DLR)

Observatório espacial Spektr-RG; o telescópio alemão eROSITA é o maior, e a haste inferior, o russo ART-XC (Crédito: DLR)

O diretor da agência europeia é claro como cristal:

"Veja o que está acontecendo na Terra. Eu estou realmente enojado com a invasão da Ucrânia. Temos visto isso diariamente. O que está acontecendo lá não corresponde aos nossos valores europeus, e não podemos trabalhar com um parceiro que está atropelando completamente esses valores.

Sobre a possibilidade futura da Rússia e ESA voltarem a estabelecer projetos e parcerias para a exploração espacial, Aschbacher disse o seguinte:

"Eu não consigo enxergar a possibilidade de reconstruirmos o nível de cooperação que tivemos no passado, e falo aqui em nome dos estados-membros (da UE). Todos têm a mesma opinião, e o comportamento da ESA refletirá a situação geopolítica deles (os países membros do bloco) neste momento. Acho que isso está muito claro."

Basicamente, os ânimos dos países-membros da UE para com a Rússia são os piores possíveis, e ao menos a médio prazo (ou mesmo a longo), não há expectativas para que relações de cooperação em projetos visando a exploração espacial entre as partes sejam retomadas.

Obviamente, isso traz um problema para a ESA: sem os foguetes e cápsulas Soyuz, a agência terá que voltar a se relacionar melhor com a NASA e empresas privadas dos Estados Unidos, especialmente a Boeing e, para desgosto de todos os locais, a SpaceX, pelo simples fato que a Arianespace é incapaz de lidar com tudo sozinha.

As conversas já haviam começado em 2019, na época em que o rover da missão ExoMars recebeu o nome da química e pesquisadora britânica Rosalind Franklin, a verdadeira responsável pela descoberta da estrutura do DNA. Originalmente, a agência americana havia se retirado do consórcio, para focar em outra de suas "obras de igreja", o Telescópio Espacial James Webb.

Agora, com o Webb já em seu lugar e trabalhando a todo vapor, a NASA e a ESA voltaram a conversar sobre a missão ExoMars, embora as previsões mais otimistas para o lançamento do rover falam em 2028.

Fonte: Ars Technica

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