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ESA analisa ideia maluca de fazendas solares no espaço

ESA estuda lançar satélites para captar energia solar e retransmiti-la à Terra; proposta, no entanto, tem muitos poréns

1 ano e meio atrás

A ESA (European Space Agency) está analisando soluções alternativas para o fornecimento de energia do bloco, já que as crescentes tensões com a Rússia, devido à invasão da Ucrânia, comprometeram o fornecimento de gás russo, e não é segredo que a campanha para desligamento das usinas nucleares, principalmente na Alemanha, foi encampada por ONGs patrocinadas pelo Kremlin.

Uma das alternativas apresentadas pela agência espacial, é um plano de longo prazo (e bota longo nisso) envolvendo uma constelação de satélites que funcionarão como fazendas solares, para captar e transmitir energia solar à Terra via micro-ondas. O plano beira a insanidade, e ao menos hoje, é completamente inviável, mas ainda assim, ao menos estão pensando em algo.

Conceito da ESA para as estações que servirão como fazendas solares, em órbita geoestacionária (Crédito: Andreas Treuer/ESA)

Conceito da ESA para as estações que servirão como fazendas solares, em órbita geoestacionária (Crédito: Andreas Treuer/ESA)

No início de 2022, a ESA comissionou dois estudos independentes, a duas companhias de consultoria estratégia, a britânica Frazer-Nash e a alemã Roland Berger, para que fossem detalhados os custos, benefícios, vantagens e desvantagens de um programa visando o uso de satélites geoestacionários para a captação de energia solar, de modo a retransmiti-la em direção ao solo, onde será captada e empregada no grid de consumo europeu.

Ambos estudos foram publicados pela agência e estão disponíveis para consulta pública; o plano, com o nome nada original de Programa Solaris, é defendido pelo diretor da ESA Josef Aschbacher, como uma alternativa ao uso de combustíveis fósseis no bloco para a geração de energia, mas para dar certo, é preciso que todos os 22 27 países-membros da União Europeia se comprometam com a empreitada.

As especificações do projeto, que em tese substituiria as termelétricas, o consumo de gás vindo da Rússia, e até mesmo a geração de energia nuclear, é bastante ousado, para dizer o mínimo; Aschbacher acredita que, caso a UE dê sinal verde para o projeto, os trabalhos comecem já em 2025.

No entanto, há uma série de pontos a serem considerados

A Energia que Veio do Espaço

Ambos relatórios abordam um ponto óbvio, sendo a não existência de tecnologias que viabilizem hoje a implementação do Projeto Solaris, e em várias frentes. Atualmente, a Europa consome 3.000 TWh por ano, reunindo todas as formas de geração hoje ativas, seja carvão, gás ou nuclear. Os relatórios apontam que estações em órbita passem a responder entre 1/4 e 1/3 do total da energia gerada, e é aqui que os problemas começam.

Conforme os documentos, para viabilizar um sistema orbital de fazendas solares capazes de gerar um terço da energia que a Europa consome, seria necessário lançar uma constelação com dezenas de satélites, equipados com gigantescos painéis solares, em que cada unidade teria que ser, pelo menos, dez vezes maior que a ISS (Estação Espacial Internacional).

A título de comparação, a ISS possui 73 metros de largura, 109 m de comprimento, pesa 444,615 kg e levou anos para ficar pronta. Agora multiplique esses números por 10. Várias vezes.

Claro, fica mais complicado. A ISS fica entre 413 km (perigeu) e 422 km (apogeu) de altitude, bem mais baixo que uma órbita geoestacionária, ou 35.786 km. Isso significa que foguetes menores são inadequados para transportar tais equipamentos, e os de grande porte, como o SLS e os da Arianespace, que não são recuperáveis, implicariam em custos absurdos para o programa.

Uma solução, para desespero da ESA, seria usar os foguetes da SpaceX, como o kit Super Heavy/Starship, no que ambos relatórios afirmam que o formato se tornará a norma nos próximos anos, por necessidade para cortar custos, ou evolução tecnológica. Pesam contra que a Europa não tem nada parecido, e a UE, assim como o Congresso dos EUA, também não vai com a cara de Elon Musk, que cobra muito menos e está tirando oportunidades das agências locais.

Starship, executando a bela e violenta manobra final de pouso (Crédito: SpaceX)

Starship, executando a bela e violenta manobra final de pouso (Crédito: SpaceX)

Conforme o relatório da Frazer-Nash, considerando todas as dificuldades e uma capacidade que ainda não temos, de colocar super satélites em órbita geoestacionária (afinal nem a Starship, nem o SLS voaram de verdade ainda), a ESA conseguiria lançar uma fazenda solar a cada 4 ou 6 anos, contando que a agência também desenvolva um foguete reutilizável capaz de lançar cargas pesadas em órbita geoestacionária.

Ainda assim, a previsão mais otimista aponta 2050 como o ano em que o grid entraria em funcionamento, ao custo de centenas de bilhões de euros aos cofres públicos, para, de novo, responder por entre 25% e 33% do consumo energético dos europeus. E não para por aí.

ESA e os problemas de eficiência

Colocar os satélites em órbita já é um problema e tanto, mas coletar e converter a energia em solo não fica muito atrás. Por um lado, as fazendas solares não terão problemas com dia e noite, ou situações climáticas que impossibilitam o armazenamento de energia. Cada uma conseguirá operar 24/7, o que é uma coisa boa, até porque o passo seguinte é bem problemático.

Na impossibilidade de puxar extensões entre o grid europeu e os satélites, a transmissão da energia solar coletada seria feita por micro-ondas, onde estações apropriadas, com antenas e células fotovoltáicas, captariam o fluxo e o reconverteriam em energia elétrica. Se você sabe como um carregador wireless de celular funciona, entende a baixa eficiência energética do método, boa parte da energia seria perdida.

De novo, não temos tecnologias avançadas o bastante para garantir o máximo de eficiência energética no processo, alguma energia (muita, na verdade) VAI ser perdida, o que prejudica toda a viabilidade do plano. Não adianta nada ter fornecimento do Sol o tempo todo, se você não vai aproveitar tudo.

O plano tem inúmeros críticos, que atacam este exato ponto. Em 2019, o físico Casey Handmer apontou que coletar energia solar no espaço, e retransmiti-la em direção à Terra, é um método pelo menos três ordens de magnitude mais caro do que qualquer um dos que usamos hoje, apontando que os custos logísticos, e a perda de energia, seriam impeditivos críticos para que as fazendas solares se tornem competitivas. Em resumo, a conta de energia para o consumidor ficaria caríssima.

Elon Musk também já criticou o plano anos atrás, mas foi bem menos gentil que Handmer, no que chamou a proposta de "a ideia mais estúpida de todos os tempos". Para o CEO da SpaceX, o processo de conversão dupla aniquila toda a vantagem de captar energia solar o tempo todo, no que ele diz que ele seria o primeiro interessado em abraçar o plano, se fosse viável.

Para Musk, manter as fazendas solares na Terra é a única maneira de tornar o sistema competitivo.

Por fim, ambos relatórios encomendados pela ESA não atacam o ponto principal, justificar economicamente a empreitada. O sistema em órbita jamais será viável, pois a infraestrutura seria tão cara e complicada de implementar, que o valor final do kWh para o consumidor ficaria muito acima do que ele paga hoje, na energia via gás da Rússia, das usinas termelétricas, ou das nucleares.

Ainda que a ESA consiga sinal verde da UE para iniciar os trabalhos do Programa Solaris, é improvável que vejamos resultados mesmo a longo prazo; em um cenário otimista, levariam algumas décadas para termos algo viável e, mais importante, energeticamente eficiente e financeiramente competitivo. Mesmo assim, é preciso partir de algum lugar.

Fonte: European Space Agency

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