Dori Prata 2 anos atrás
Ao contrário de muitos jogos licenciados lançados na década de 90, Blade Runner conquistou vários admiradores justamente por ser uma boa adaptação. Então, quando o competente pessoal da Nightdive Studios anunciou que estava trabalhando numa remasterização, a esperança de vermos uma versão muito melhor daquele clássico foi às alturas. O problema é que o resultado não tem agradado.
Recém-chegado ao PC, Nintendo Switch, PlayStation 4 e Xbox One, Blade Runner: Enhanced Edition prometia trazer diversas melhorias, como suporte a controle, gráficos em alta definição, anti aliasing e até mesmo ajustes nas legendas. Porém, mesmo com essas mudanças, a quantidade de reclamações por parte daqueles que já experimentaram o jogo tem sido bem alta.
No Steam, apenas 31% dos jogadores classificaram o título positivamente, com algumas pessoas garantindo que de “aprimorada” esta versão não tem nada e muitas afirmando até que ela parece inferior àquela lançada em 1997. Com os problemas indo desde cortes na trilha sonora até a qualidade visual — especialmente nas cenas não-interativas — e passando por bugs que não existiam no original, muitos estão defendendo que o melhor é ficar com o jogo que estava sendo vendido no GOG.
O detalhe é que se até terça-feira (22) era possível encontrar a versão original na loja da CD Projekt, agora uma pesquisa retorna apenas o Blade Runner: Enhanced Edition. O que ameniza a situação é que ela ainda será dada a quem adquirir a remasterização (apenas se a compra for feita pelo GOG), mas quem já possuía o original por lá (meu caso) não terá direito a um upgrade para a remasterização — o que talvez nem seja uma notícia tão ruim.
Isso porque, entre os muitos problemas presentes no jogo, um ótimo exemplo pode ser visto no vídeo abaixo. Nele temos o protagonista Ray McCoy na sacada do seu apartamento e se ficarmos parados ali, deveria ser possível ouvir cerca de nove minutos do fantástico tema do filme, deveria. O problema é que a música é interrompida subitamente após o estrondo de um trovão, acabando com uma das passagens mais marcantes do jogo.
E como muito bem observado por Alice O'Connor, do site Rock, Paper, Shotgun, a maneira como os cenários parecem borrados nesta Enhanced Edition é algo que poderá incomodar os mais puristas. O problema estaria na maneira como os profissionais da Nightdive Studios trataram as imagens, pois ao mesmo tempo em que a atualização acabou com boa parte dos artefatos, muitos detalhes acabaram sendo sacrificados.
“Isso até atenua a onipresente chuva que define o clima da Los Angeles de 2019,” afirmou Alice. “Isso muda a natureza dos materiais também, desfocando tijolos e lixando as ferrugens. Essa cidade deveria estar fundamentada no passado, construída sobre a podridão do nosso mundo num futuro que deu errado e parte desse espírito se perde aqui.”
Ao comparar o Blade Runner: Enhanced Edition com o original, a autora ainda percebeu várias diferenças que contribuem para tornar a experiência pior na remasterização. Os arranha-céus que foram diminuídos e assim não passam a grandiosidade da cidade, a menor quantidade de poças d’águas pelas ruas, as texturas nas paredes e que foram borradas...
Ela até reconhece que o original parecia estranho mesmo na época em que foi lançado, com a compressão utilizada nos gráficos sendo muito perceptível, mas na sua opinião, até isso ajudava a dar um pouco de “textura” àquele mundo.
Mas o que teria levado a Nightdive Studios a cometer tamanho sacrilégio? Pois a resposta pode estar nas muitas dificuldades enfrentadas pelo projeto. Com a desenvolvedora ostentando um portfólio de ótimas remasterizações, eles imaginaram que até o final de 2020 conseguiriam entregar esta nova versão do título criado pela Westwood Studios, um trabalho de apenas um ano, mas não foi o que aconteceu.
Conforme os profissionais da Nightdive se aprofundavam no projeto, eles esbarravam em diversos obstáculos inesperados e só piorava a situação o fato de não terem acesso ao código-fonte, que se perdeu quando a Westwood foi vendida para a Electronic Arts. A solução foi recorrer à engenharia reversa, o que atrasou o lançamento do Blade Runner: Enhanced Edition e usar inteligência artificial para melhorar os gráficos, o que explica as discrepâncias em relação ao original.
O interessante é que este trabalho de engenharia reversa já havia sido feito pelo pessoal do ScummVM, o que possibilitou inclusive que o original fosse lançado no GOG em 2019. Logo, o caminho mais fácil teria sido o Nightdive Studios licenciar aquela versão, mas devido ao acordo de código aberto adotado pelo programa criado para resgatar adventures clássicos, a desenvolvedora não poderia lançar o jogo nos consoles.
E insucesso na remasterização do Blade Runner é algo que deve ser lamentado por todos. Mesmo com ela devendo ser comemorada por levar o jogo aos consoles, este é um clássico que merecia um tratamento muito melhor.
Não podendo ser considerado apenas uma simples adaptação do filme dirigido por Ridley Scott, já que ele nos colocava na pele de um novato caçador de androides, o jogo conseguiu recriar com maestria a atmosfera cyberpunk do longa-metragem, além de se mostrar um adventure point and click bastante ambicioso.
Isso se devia a incerteza presente em cada nova partida, pois apesar de nelas o nosso objetivo ser sempre o de identificar e caçar replicantes, os alvos eram definidos aleatoriamente sempre que começávamos uma nova história. Com que o enredo podendo se desenrolar por vários caminhos, contribuía para a imersão a rotina vivida por cada personagem, tornando o nosso trabalho de detetive algo fascinante.
Diante dessas qualidades e de uma Enhanced Edition que ficou abaixo do que muitos esperavam, parece claro que o melhor teria sido refazer o Blade Runner do zero, mantendo suas principais características e apenas modernizando sua parte visual. Infelizmente isso não aconteceu e além da minha versão que comprei no GOG, prefiro ficar com um brilhante comentário que vi no Steam sobre esta remasterização: “É assim que o jogo original se parece quando os seus olhos estão cheios de lágrimas na chuva.”